Foto de Alcir R. de Oliveira, reproduzida do Facebook/Jornal Juca Post e postada pelo blog
Texto publicado originalmente no BLOG DO ALCIR, em 13 de março de 2007
Minhas peripécias no Cine Marajá
Por Blog do Alcir
Entre 1968 e 72, eu era um jovem projecionista do Cine
Marajá, no município de Franco da Rocha, SP. Solitário na cabina de projeção,
cometi erros e aprontei algumas poucas e boas com resultados hilários. Para
minha sorte, o dono do cinema, o tcheco-eslovaco Jorge Truksa, biotipo alemão,
baixo e troncudo, já falecido, só tomou conhecimento dos fatos quando relatei
os ocorridos em matéria que publiquei no jornal Juca Post anos atrás, quando o
cinema fechou para dar espaço para uma nova igreja evangélica. Hoje o cinema
funciona sob nova direção.
Uma vez dormi durante a projeção. Para quem não sabe, os
filmes vinham em quatro, geralmente cinco rolos enlatados com cerca de 20 a 25
minutos de duração cada. Eu já havia visto o mesmo filme tantas vezes que
cochilei quando a última parte estava quase no fim. Trancado na cabina,
estirei-me em uma poltrona e ronquei. O arco voltaico (que lança a luz do filme
à tela) apagou-se, a imagem na tela sumiu, mas o som continuou.
Era um dia de semana e havia uns poucos gatos pingados vendo
o filme. Eles levantaram-se reclamando e foram embora porque sabiam que era o
final. Jorge Truksa não estava. O único funcionário que estava lá, subiu
correndo uma escada externa da cabine de projeção e bateu forte na porta
trancada. Eu não ouvi; o barulho do projetor era alto. O funcionário espiou
pelo buraco da fechadura e só viu minhas pernas estendidas, inertes.
“Morreu!", pensou ele. Deu a volta correndo e abriu a porta do balcão que
dava para a cabina acordando-me. Levantei-me num pulo até tomar consciência do
que havia acontecido. O povo já tinha ido embora. “Não conte para o seu Jorge,
pelo amor de Deus!", implorei eu ao rapaz. E ficou por isso mesmo.
Jorge Truksa morava em um sobrado ao lado do cinema. Eram
muitos os gatos que viviam no seu quintal. Diante da tela do cinema, havia um
palco com piso de assoalho limitado por uma pequena mureta diante das poltronas
do cinema. Abaixo da tela havia a tubulação do ventilador, de uns sessenta
centímetros de diâmetro com uma grade vertical de madeira. A tubulação ia dar
no quintal do dono do cinema, onde ficava o motor com a hélice do grande
ventilador. Eu via o filme pela “janelinha” da cabina quando vi um gato
refletindo-se no brilho da tela no assoalho do palco. O bichano parou, olhou a
movimentação da cena da tela e entrou calmamente no tubo do ventilador, que
estava desligado. Corri para a chave e liguei a máquina, sabendo que a hélice
estava longe, na outra ponta do tubo, e não iria ferir o gato. Voltei correndo
para a “janelinha” para ver o resultado. Foi divertido: o gato, apavorado, saiu
em disparada do ventilador, escorregou pelo piso encerado do palco, bateu na
mureta e caiu no meio da platéia. Foi gente pulando e gritando pra todo lado
naquele setor, na “fila do gargarejo”. Morrendo de rir, eu desliguei o
ventilador impunemente.
Jorge abriu um cinema da cidade de Jarinu e faturou com uma
idéia que aparece no filme Cinema Paradiso. A tática era a seguinte: ele
alugava um filme para exibir em um cinema e exibia em dois, sem pagar mais por
isso. O filme passava, digamos, na matinê (sessão da tarde) de domingo em
Franco da Rocha e à noite em Jarinu. Aconteceu que eu estava treinando o
projecionista de Jarinu. Lá não tinha matinê no começo, só a exibição da noite.
Como eu trabalhava em Franco da Rocha e só ia pra Jarinu nas sextas, sábados e
domingos à noite, logo arrumei uma namoradinha por lá, Ana Silvia, uma
moreninha muito bonita. E, por causa dela, eu nunca ensinava tudo pro Chico, o
trainee de lá, só para continuar indo mais vezes para a cidade. O dono do
cinema reclamava e eu apelava: “Pô, Jorge, o cara é muito burro! Aprende
devagar demais!” Coitado do Chico. Era alto, jeitão caipira e estrábico.
Aí aconteceu a merda. Eu passei um filme na matinê de Franco
da Rocha, um outro projecionista assumiu a sessão noturna em Franco e nós
partimos para Jarinu levando o filme na Kombi do Jorge. Aconteceu que eu, na
minha ânsia de ver a namorada, esqueci a última parte do filme em Franco da
Rocha. O cinema de Jarinu quase lotou. Deixei o Chico na projeção e sentei-me
com a moça no escuro da platéia. Tudo ia bem até que o filme parou, as luzes
acenderam e o Chico desceu como um louco para dentro do cinema, me procurando.
Eu me levantei e ele gritou para que todos ouvissem: “Alcir, cadê a última parte
do filme?” Eu gelei. Todos os olhos estavam voltados para mim. Viramos a Kombi
de cabeça pra baixo, e nada! Vermelho como um pimentão, o velho Truksa
postou-se diante da platéia, e explicou o problema: “a última parte do filme
não estava disponível, que todos o desculpassem, que não havia nada a fazer,
que isso não iria mais acontecer etc., etc.” O tcheco-eslovaco só não me matou
por pouco. É mole?
Uma vez eu via o filme pela janelinha quando o cinema
inteiro caiu na gargalhada. Não entendi: a cena na tela não tinha nada de
engraçado. Os risos durante minutos. Só depois é que um funcionário me contou o
ocorrido. O cinema tinha o salão principal e um balcão no alto, ao lado da
cabina de projeção. O cinema estava em silêncio, todos atentos ao que se
passava na tela, quando uma voz feminina veio do balcão, dizendo em alto e bom
tom: “Tira a mão de mim, velho safado!”, seguido do ruído de tapas. Gargalhada
geral na platéia.
Texto reproduzido do blogdoalcir.blogspot.com
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