sexta-feira, 12 de julho de 2019

Minhas peripécias no Cine Marajá

Foto de Alcir R. de Oliveira, reproduzida do Facebook/Jornal Juca Post e postada pelo blog

Texto publicado originalmente no BLOG DO ALCIR, em 13 de março de 2007

Minhas peripécias no Cine Marajá
Por Blog do Alcir

Entre 1968 e 72, eu era um jovem projecionista do Cine Marajá, no município de Franco da Rocha, SP. Solitário na cabina de projeção, cometi erros e aprontei algumas poucas e boas com resultados hilários. Para minha sorte, o dono do cinema, o tcheco-eslovaco Jorge Truksa, biotipo alemão, baixo e troncudo, já falecido, só tomou conhecimento dos fatos quando relatei os ocorridos em matéria que publiquei no jornal Juca Post anos atrás, quando o cinema fechou para dar espaço para uma nova igreja evangélica. Hoje o cinema funciona sob nova direção.

Uma vez dormi durante a projeção. Para quem não sabe, os filmes vinham em quatro, geralmente cinco rolos enlatados com cerca de 20 a 25 minutos de duração cada. Eu já havia visto o mesmo filme tantas vezes que cochilei quando a última parte estava quase no fim. Trancado na cabina, estirei-me em uma poltrona e ronquei. O arco voltaico (que lança a luz do filme à tela) apagou-se, a imagem na tela sumiu, mas o som continuou.

Era um dia de semana e havia uns poucos gatos pingados vendo o filme. Eles levantaram-se reclamando e foram embora porque sabiam que era o final. Jorge Truksa não estava. O único funcionário que estava lá, subiu correndo uma escada externa da cabine de projeção e bateu forte na porta trancada. Eu não ouvi; o barulho do projetor era alto. O funcionário espiou pelo buraco da fechadura e só viu minhas pernas estendidas, inertes. “Morreu!", pensou ele. Deu a volta correndo e abriu a porta do balcão que dava para a cabina acordando-me. Levantei-me num pulo até tomar consciência do que havia acontecido. O povo já tinha ido embora. “Não conte para o seu Jorge, pelo amor de Deus!", implorei eu ao rapaz. E ficou por isso mesmo.

Jorge Truksa morava em um sobrado ao lado do cinema. Eram muitos os gatos que viviam no seu quintal. Diante da tela do cinema, havia um palco com piso de assoalho limitado por uma pequena mureta diante das poltronas do cinema. Abaixo da tela havia a tubulação do ventilador, de uns sessenta centímetros de diâmetro com uma grade vertical de madeira. A tubulação ia dar no quintal do dono do cinema, onde ficava o motor com a hélice do grande ventilador. Eu via o filme pela “janelinha” da cabina quando vi um gato refletindo-se no brilho da tela no assoalho do palco. O bichano parou, olhou a movimentação da cena da tela e entrou calmamente no tubo do ventilador, que estava desligado. Corri para a chave e liguei a máquina, sabendo que a hélice estava longe, na outra ponta do tubo, e não iria ferir o gato. Voltei correndo para a “janelinha” para ver o resultado. Foi divertido: o gato, apavorado, saiu em disparada do ventilador, escorregou pelo piso encerado do palco, bateu na mureta e caiu no meio da platéia. Foi gente pulando e gritando pra todo lado naquele setor, na “fila do gargarejo”. Morrendo de rir, eu desliguei o ventilador impunemente.

Jorge abriu um cinema da cidade de Jarinu e faturou com uma idéia que aparece no filme Cinema Paradiso. A tática era a seguinte: ele alugava um filme para exibir em um cinema e exibia em dois, sem pagar mais por isso. O filme passava, digamos, na matinê (sessão da tarde) de domingo em Franco da Rocha e à noite em Jarinu. Aconteceu que eu estava treinando o projecionista de Jarinu. Lá não tinha matinê no começo, só a exibição da noite. Como eu trabalhava em Franco da Rocha e só ia pra Jarinu nas sextas, sábados e domingos à noite, logo arrumei uma namoradinha por lá, Ana Silvia, uma moreninha muito bonita. E, por causa dela, eu nunca ensinava tudo pro Chico, o trainee de lá, só para continuar indo mais vezes para a cidade. O dono do cinema reclamava e eu apelava: “Pô, Jorge, o cara é muito burro! Aprende devagar demais!” Coitado do Chico. Era alto, jeitão caipira e estrábico.

Aí aconteceu a merda. Eu passei um filme na matinê de Franco da Rocha, um outro projecionista assumiu a sessão noturna em Franco e nós partimos para Jarinu levando o filme na Kombi do Jorge. Aconteceu que eu, na minha ânsia de ver a namorada, esqueci a última parte do filme em Franco da Rocha. O cinema de Jarinu quase lotou. Deixei o Chico na projeção e sentei-me com a moça no escuro da platéia. Tudo ia bem até que o filme parou, as luzes acenderam e o Chico desceu como um louco para dentro do cinema, me procurando. Eu me levantei e ele gritou para que todos ouvissem: “Alcir, cadê a última parte do filme?” Eu gelei. Todos os olhos estavam voltados para mim. Viramos a Kombi de cabeça pra baixo, e nada! Vermelho como um pimentão, o velho Truksa postou-se diante da platéia, e explicou o problema: “a última parte do filme não estava disponível, que todos o desculpassem, que não havia nada a fazer, que isso não iria mais acontecer etc., etc.” O tcheco-eslovaco só não me matou por pouco. É mole?

Uma vez eu via o filme pela janelinha quando o cinema inteiro caiu na gargalhada. Não entendi: a cena na tela não tinha nada de engraçado. Os risos durante minutos. Só depois é que um funcionário me contou o ocorrido. O cinema tinha o salão principal e um balcão no alto, ao lado da cabina de projeção. O cinema estava em silêncio, todos atentos ao que se passava na tela, quando uma voz feminina veio do balcão, dizendo em alto e bom tom: “Tira a mão de mim, velho safado!”, seguido do ruído de tapas. Gargalhada geral na platéia.

Texto reproduzido do blogdoalcir.blogspot.com

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