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quarta-feira, 11 de abril de 2018

Morador de Cuiabá constrói réplica de cinema dentro de casa

















Fotos: Alair Ribeiro/MídiaNews

Publicado originalmente no site Mídia News, em 26.11.2017

Morador de Cuiabá constrói réplica de cinema dentro de casa

O sonho de criança de Tadeu Ferraz vira realidade nos fundos de sua residência, no Santa Rosa

O consultor imobiliário Tadeu Ferraz conta a história da réplica do Cine Alvorada

Por Cíntia Borges 

O consultor imobiliário Tadeu Ferraz, de 61 anos, jamais se conformou com o fechamento do único cinema de sua cidade natal, Águas Formosas (613 Km de Belo Horizonte).

Foi em uma viagem de férias à cidade, de onde saiu aos 15 anos, que ele se deparou com a nova realidade: o Cine Alvorada, onde passara boa parte da infância e adolescência, havia se transformado em uma igreja evangélica.

As lembranças do lugar onde desenvolveu sua paixão pela sétima arte - e o sentimento de impotência com sua nova condição - o perseguiram durante anos em Cuiabá, para onde mudou na década de 80.

Angústia que ele conseguiu estancar há cerca de 15 anos, quando decidiu construir, em sua casa, uma réplica do Cine Alvorada.

Da decepção a realização do sonho, foram quatro anos de construção e muito suor.

Nos fundos de sua ampla casa no Bairro Santa Rosa, o sonho foi tomando forma em uma edificação de dois andares.

Na escadaria, um mosaico do filme "Cantando na Chuva" (1952) ainda incompleto. “Ali vai ser instalada uma luz, mas por enquanto estou sem tempo”, diz Tadeu, detalhando um pouco sua obra inacabada.

Ao subir os lances de escada, o encontro com a réplica do cinema que o marcou: um verde-água dá o tom à parede, assim como no original. A bilheteria, o portal, e a entrada são como o do saudoso cinema da pequena cidade mineira. O letreiro quase idêntico ao de Águas Formosas também está lá, imponente no alto da construção.

Nas paredes, as lembranças de filmes que preencheram uma vida: o "Poderoso Chefão", "Casablanca"... Há ainda espaço para imagens de ídolos como Robert De Niro e Marlon Brando.
  
Coladas nas paredes, frases marcantes, como a da personagem Scarlett O'hara, do clássico "...E o Vento Levou": "Deus é minha testemunha, eu nunca passarei fome novamente".

A réplica do Alvorada tem oito cadeiras e funciona apenas para prazer do cinéfilo, que assiste aos filmes na companhia de amigos e parentes.

A paixão começou pela mãe. Na década de 50, ainda uma criança e por não poder entrar no cinema, a mãe assistia a película e contava – com riqueza de detalhes – toda a história. Ali, nascia o amante da sétima arte.

Filme preferido

O filme preferido Tadeu, no entanto, não é nenhum que tenha embalado sua infância e nem o primeiro a que assistiu na saudosa sala do cinema.

“Cinema Paradiso”, de 1988, tem um motivo para ser o preferido: conta a história de uma criança, que vivia em uma cidade interiorana na Itália, e tinha no cinema a janela para o Mundo, assim como Tadeu era na infância.

“Ninguém pode deixar de ver Cinema Paradiso”, recomenda.

O filme conta a história do garoto Toto (Salvatore Cascio), que, hipnotizado pelo cinema local, iniciou uma amizade com Alfredo (Philippe Noiret), projecionista que se irritava com certa facilidade, mas tinha um enorme coração. Todos estes acontecimentos chegam em forma de lembrança quando Toto (Jacques Perrin), agora um um cineasta de sucesso, recebe a notícia de que Alfredo faleceu. 

Indicações

Além do "Cinema Paradiso", Tadeu tem como referência a trilogia "O Poderoso Chefão". “Eu chamo os amigos do meu filho para ver pela milésima vez. Assistimos na sexta, no sábado e outro no domingo”.

Ainda naconversa com a reportagem, Tadeu ainda o clássico "1900", de Bernardo Bertolucci, e "Frida", o filme que conta a história de Frida Kahlo. “Espero alegre a partida, e espero nunca mais voltar", diz ele, sobre a frase final do filme.

Texto e imagens reproduzidos do site: midianews.com.br

sábado, 11 de novembro de 2017

Cinéfilo de Cuiabá montou um cinema em casa

O começo de tudo: Ferraz descobre que o Cine Alvorada foi comprado e 
transformado em igreja evangélica.

O Cine Alvorada "doméstico" não é aberto à visitação. O local é um tipo de "templo" 
mnemônico de Ferraz, onde ele recebe amigos e parentes.

O local é decorado com cartazes e frases de filmes clássicos, além de relíquias como o cinematógrafo presenteado por um amigo

Mesmo sem as poltronas originais de madeira maciça o advogado mineiro construiu uma confortável réplica do cinema de sua infância nos fundos de sua casa em Cuiabá.
Fotos Ednilson Aguiar/Olivre

Publicado originalmente no site O Livre, em 05 de novembro de 2017

Cinéfilo de Cuiabá montou um cinema em casa

Ao visitar sua cidade natal, Tadeu Ferraz descobriu que o cinema de sua infância foi transformado em igreja evangélica

Por Lázaro Thor Borges, da Redação lazaro.borges@olivre.com.br

A foto em que o advogado Tadeu Ferraz, 61, aparece debruçado no portão do Cine Alvorada, o seu cinema de infância, lembra um homem condenado, que teve o passado tomado de si. Mas quem está atrás das grades não é ele, é a sua memória, que cumpre a sentença aprisionada onde antes era livre.

No exato segundo em que a imagem foi feita, Tadeu acabava de descobrir que o único cinema de sua cidade natal, a pequena Águas Formosas no nordeste mineiro, foi desativado e transformado em uma igreja evangélica.

Para livrar a memória da danação, Tadeu a trouxe consigo para Cuiabá. Nos fundos de uma espaçosa casa no bairro Santa Rosa, o advogado mineiro construiu uma réplica do extinto Cine Alvorada, onde a fotografia aparece na parede.

O registro foi feito pela sua esposa, Nádia Calmon, 61, durante viagem de férias à Minas Gerais. “Ali eu estava chorando”, conta Tadeu com lágrimas nos olhos em conversa com a reportagem do LIVRE em sua casa.

Ao entrar no Cine de Águas Formosas, Tadeu - ou “Deu” como lhe chama a mulher - fez o que sempre fazia quando visitava o local: entrou porta a dentro. Ele, um ateu de cabelos brancos, não conseguiu segurar a revolta. “Andei pelo corredor entre as poltronas e subi onde virou o púlpito e antes era o telão”, conta.

Ávido por recuperar tudo que pudesse do antigo prédio, pediu ao pastor responsável oito das poltronas originais que ainda resistiam à igreja. Entre elas, a poltrona onde sempre se sentava desde os oito anos de idade.“Eu faço uma igualzinha para o senhor, eu só quero estas para levar para minha casa em Cuiabá, eu pago uma igualzinha”, implorou desesperado.

O pedido foi negado sob o curioso argumento de que a retirada das cadeiras “descaracterizaria o imóvel”. Como não pode ter um pedaço das lembranças, Ferraz resolveu domesticá-las. Pediu que um pedreiro tirasse todas as medidas do prédio e sentenciou: “Nádia, o Cine Alvorada pode acabar aqui, mas eu vou fazer um igual lá em casa”.

O homem que domesticou a memória

Tadeu é um cinéfilo de 61 anos completamente jovial. Alto, sorridente e esbelto. Tem um ar inevitável e agradavelmente quixotesco. No jardim de sua casa, ao lado da réplica do Cine Alvorada, placas de vidros exibem poemas que dão pistas sobre a personalidade do anfitrião. “Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo.../Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer”.

Inteligentíssimo, ele desfila pelas histórias da infância enquanto detalha seus filmes, atores e diretores preferidos caminhando pela casa. Fiel ao passado e à beleza analógica do cinema, o advogado diz não ter se acostumado às novas tecnologias.

“Eu sou analfabeto digital”, declara com um orgulho disfarçado enquanto fala com um cliente no telefone de modelo ultrapassado e discreto. Às vezes, quando é inevitável, Ferraz usa o celular da esposa para mandar mensagens via WhatsApp.

Os amigos que Tadeu recebe na sua cópia do Cine Alvorada são os mesmos que o presenteiam com tudo quanto é regalo ligado ao cinema. Um colega que voltava do Rio de Janeiro, por exemplo, telefonou à meia noite direto do aeroporto. “Nádia, eu tenho que ir, ele disse que trouxe um presente e quer que eu vá buscar”, falou à mulher depois da ligação. No aeroporto, um cinematógrafo esperava por Ferraz.

“Do mesmo jeito que tinha teatro mambembe tinha cinema mambembe. Quando eu era menino o viajante chegava na cidade e cobrava mais ou menos o que hoje seria dois ou três reais para exibir o filme. Colocava o aparelho em uma mesa e a molecada sentava no chão, ficava atenta assistindo”, conta.

Cine Alvorada

Para dar mais força às recordações, outra foto na entrada da réplica do Cine serve de comparativo entre o original e a sua cópia sentimental. O Alvorada de Minas tinha uma fachada verde e delicada, que permanecia intacta mesmo sob o efeito da poeira das ruas da cidadezinha.

Mas há pequenas diferenças. Em Cuiabá, o Alvorada é mais alto. Ele é acessado por um lance de degraus íngremes. Nas laterais do portão duas janelinhas imitam a bilheteria. A cor é o mesmo verde de outrora.

Na parede da escada, do lado de fora, ladrilhos compõe um quadro ainda não concluído com a imagem de Gene Kelly rodopiando no poste de luz. A reprodução de Dançando na Chuva é feita de pedrinha em pedrinha, nos finais de semana em que Tadeu está de folga.

O apreço por trabalhos manuais levou Ferraz a participar da construção do cinema. “Eu fiz questão de instalar o isopor nas paredes para garantir o isolamento acústico”, relata.

Memória

Muito mais do que para apreciar as obras clássicas, a réplica do Alvorada é uma ode à infância, aos tempos pacatos da Minas vivida e relembrada. “O cinema era a janela do nosso mundo, tudo que eu vi no mundo eu vi antes no cinema”, diz.

É a partir dos oito anos que as recordações começam e não param mais: “O castigo que mamãe aplicava na gente era proibir de ir à matinê e aquilo para mim era pior do que não poder jogar bola ou brincar na rua”.

E as histórias talvez superem o roteiro dos filmes: o vai e vem do flerte na porta do cinema antes da sessão começar, a balinha entregue por um buraco entre a mercearia contígua do seu Quintelino, as poças de lama da rua rapadas a rodo pelo dono do Cine para evitar que os clientes sujassem os sapatos....

Aos 15 anos, Ferraz deixou Águas Formosas para morar e estudar em Goiânia. No curso de História, que abandonaria três anos depois, conheceu o cinema novo alemão, a novelle vague e as obras de Glauber Rocha. A paixão pela sétima arte o infectou ainda mais, se é que era possível.

Mais tarde, já em Cuiabá, o mineiro virou frequentador do Cine Teatro, do Cineclube Coxiponés e do Cine Bandeirantes. Neste último, Ferraz assistiu a derradeira sessão. Ele não se lembra do título do filme, mas não consegue esquecer a estrela principal, Robert De Niro, e a data: “Foi em 21 de fevereiro de 2001, não me esqueço”, acerta.

A morte dos cinemas de rua é também um dos motivos pelos quais ele decidiu domesticar o próprio passado. “Antigamente existiam 5100 cinemas no Brasil e hoje não passam de mil”, calcula. A diáspora dos cines para os shoppings aumentou ainda mais a frustração.

De sorte que o que para ele era cinema de rua, hoje é cinema de casa. Ferraz não abre o local à visitação. O templo da sua memória é onde recebe amigos, conversa sobre os filmes e onde às vezes se isola, como alguém imerso no rebojo do tempo.

Pergunto a Tadeu se ele ainda espera voltar à Águas Formosas para tentar novamente recuperar as poltronas. “Olha, eu falei com a Nádia e ela me disse que talvez já seja outro pastor e pode ser que ele me deixe levar”, disse entre um suspiro de esperança e outro de entusiasmo. Ele visitará a cidade em dezembro deste ano.

Texto e imagens reproduzidos do site: olivre.com.br