O Capitólio foi um dos cinemas de rua mais frequentados pela
população de Porto Alegre
nos anos 1920 e, apesar do baixo público atualmente, ainda traz nostalgias da época.
Crédito: Thuane Liesenfeld.
A bilheteria dos cinemas de rua não tem trazido muito
retorno financeiro,
mas aqueles que pagam por estes filmes não se arrependem
de
investir nessa experiência histórica.
Crédito: Thuane Liesenfeld.
Ainda com situações precárias e pouco público,
a magia dos
cinemas alternativos não deixam de encantar.
Crédito: Thuane Liesenfeld.
Cinemas de rua tem uma rica história que precisa ser
preservada.
Crédito: Thuane Liesenfeld.
Referência para os cinemas de rua do Brasil,
o Cine Caixa
Belas Artes de São Paulo é um exemplo de superação.
Crédito: Prefeitura de São
Paulo / Cesar Ogata.
Publicado originalmente no site Jornalismo Econômico, em 11/10/2015.
Cinemas de rua: Da luta econômica à resistência cultural.
Vivenciando dificuldades no meio cinematográfico, mesmo com
exibições que proporcionam culturas diferentes, os cinemas de rua tem lutado
uma guerra árdua para manterem suas portas abertas. Acompanhe nesta reportagem
a luta das salas da capital gaúcha, e conheça o movimento vitorioso que reabriu
as portas do Cine Belas Artes em São Paulo.
Por Thuane Liesenfeld
Jornalismo Econômico / Manhã
Sustentados, principalmente, por patrocínios de bancos ou
órgãos públicos, os cinemas de rua de Porto Alegre como Cinemateca Paulo
Amorim, PF Gastal, Cinemateca Capitólio e Cine Santander Cultural são espaços
exclusivamente importantes para a cultura cinematográfica da capital do Rio
Grande do Sul. Com a exibição de filmes artísticos e de nichos menos
abrangentes, esses espaços oferecem uma experiência diferente aos cinéfilos
apaixonados, ainda que tenham poucos recursos. Mesmo em Porto Alegre – uma das
capitais que mais tem cinemas de rua no Brasil – os espaços que exibem filmes
artísticos e com um viés mais cult são pouco procurados em comparação aos
cinemas comerciais de shoppings. Apesar do público razoável que se interessa
por este tipo de arte e com ingressos mais baratos, a bilheteria desses locais
é restrita e o público diário não chega a passar de 200 pessoas em méia. A baixa
renda dificulta a sustentação e restauração digital destas salas de cinema.
A primeira sala
No final da década de 1900 as pessoas se arrumavam com sua
melhor roupa para visitarem o cinema Recreio Ideal, a primeira sala de cinema
fixa de Porto Alegre, localizado na Rua dos Andradas. Enquanto outros espaços
foram nascendo ao longo dos anos, cada vez mais pessoas descobriam seus amores
pelos filmes. O Centro Histórico da capital gaúcha ainda mantêm resquícios de
prédios que um dia abrigaram salas que exibiam filmes alternativos. Não precisa
ser muito velho para lembrar-se de cinemas de rua que se mantiveram ou fecharam
há pouco tempo.
Quem caminha pela esquina da Andrade Neves com a avenida
Borges de Medeiros, por exemplo, ainda acha a construção “vintage” e a placa do
antigo Cinema Vitória, criado em 1940 com o nome de Vera Cruz, e fechado em
2014. Este tipo de cinema foi o auge e o glamour de Porto Alegre do século XX.
Foi um tipo de distração que alcançou muito público em pouco tempo devido ao
baixo valor dos ingressos e da novidade que era assistir uma reprodução de
imagens em uma grande lona com filmes como As Damas do Bosque Boulogne (1945),
A Dança Serpentina (1896) ou A Chegada de Um Trem de Passageiros (1896).
Cinemateca Capitólio
Seguindo pela Borges de Medeiros, uma das avenidas mais
movimentados da capital, logo adiante nota-se um prédio pintado de
vermelho-alaranjado, conhecido como um dos mais antigos da cidade. Nele ainda
existe um dos primeiros cinemas de rua de Porto Alegre, a Cinemateca Capitólio,
de 1928.
Reinaugurado neste ano, tendo uma movimentação curiosa e
ainda que não chame tanta atenção como antes, o local tem tido um público
melhor do que outros cinemas de rua existentes na cidade. “O nosso maior
público no Capitólio, em abril, foi 2.954. A média fica em torno de 1.500 por
mês, atualmente”, confirma Leonardo Bomfim, programador do cinema e do P.F.
Gastal (localizado na Usina do Gasômetro). Ainda assim, Bomfim grifa que a
principal renda dos espaços que administra não vem do público e sim do
patrocínio sustentado pela Prefeitura de Porto Alegre.
Santander Cultural
O Cine Santander Cultural, localizado na rua Sete de
Setembro, que abriu suas portas em 2001, é outro cinema que se mantém no Centro
Histórico de Porto Alegre devido a sua variedade de opções. Segundo Luciana
Tomasi, uma das administradoras do local, o Santander traz filmes muito
importantes que geram reflexão, são libertadores, causam discussão e que lotam
as sessões comentadas.
Apesar de atrair a atenção de muitos fãs de cinema
alternativo, Tomasi afirma que “sem o patrocínio do Banco Santander, não teria
a menor chance de fazer as mostras e sessões comentadas, pois não renderia
bilheteria”. Cinemateca Paulo Amorim
Outros cinemas do mesmo ramo, como a Cinemateca Paulo Amorim, de 1986,
localizado na Casa de Cultura Mario Quintana, não tem uma média de público
muito diferente do Capitólio ou do Santander.
Ainda que tenha uma programação diversificada que atrai
principalmente turistas e visitantes, e ser um local de fácil acesso, a renda
da bilheteria não varia da média de R$ 1.000 durante a semana e não ultrapassa
a média de R$ 4.000 nos finais de semana, mesmo sustentando três salas de
reprodução.
A Cinemateca, ao contrário de outros cinemas de rua da
capital, não tem sustento por órgão público, e apesar de ter um patrocínio de
R$ 17.000 do Banco Banrisul e uma ajuda de custo da Associação de Amigos da
Cinemateca Paulo Amorim, o dinheiro mal paga os funcionários do
estabelecimento.
O principal fator que contribui para a preocupação dos
programadores e administradores destes poucos locais que restaram na capital é
a falta de público e renda para manter estes pontos históricos e de resistência
cultural. Em alguns cinemas, o sustento ainda é feito por rendas extras que
cobrem com os gastos e investimentos precisos, mas no caso de outros, como a Cinemateca
Paulo Amorim, o dinheiro que entra em caixa através do banco ou de associação
não é suficiente e se faz mais dependente da bilheteria.
Valéria Nunes é gerente da Cinemateca Paulo Amorim,
responsável pelo pagamento de todos os funcionários do estabelecimento, e
afirma: “como a Cinemateca vive da bilheteria, é uma situação muito delicada. A
falta de renda vindo dela pode levar ao fechamento de uma das salas, se não
todas, gerando a demissão de sete funcionários”.
“Sempre será um ciclo: sem público – sem recursos – sem
digitalização – sem filme bom – sem renda –
sem pagamento de distribuidoras – sem filmes – sem público”
Um fato que tem chamado a atenção dos responsáveis pelos
cinemas de rua de Porto Alegre, e que tem colaborado com a dificuldade
econômica, é a extinção dos filmes em formato de rolo 35 mm. Mônica Kanitz,
programadora da Cinemateca Paulo Amorim, confessa que sua maior preocupação
hoje é a falta de recursos para a digitalização das salas de cinema. Com o
término permanente do 35 mm, a falta de opção de filmes “lançamentos de
mercado” só tem agravado a baixa quantidade de público, pois as salas do cinema
ainda mantêm o projetor de 35mm.
“Sempre será um ciclo: sem público – sem recursos – sem
digitalização – sem filme bom – sem renda –
sem pagamento de distribuidoras – sem filmes – sem público”, lamenta.
Inclusive, a situação das rendas é tão crítica para o local que Kanitz também
confessa ter medo de que a Cinemateca feche, como o Vitória, por não conseguir
pagar as contas e os funcionários.
De fato, praticamente quase todos os cinemas de rua da
capital ainda operam com o tipo de projeção antiga. No caso do Capitólio e P.
F. Gastal, Bomfim informa que tem duas limitações: ainda não há projeção em DCP
(Digital Cinema Package) – o que impede a exibição de vários filmes apenas
disponíveis nesses formatos – e cada espaço tem apenas uma sala. Segundo dados
da Agência Nacional do Cinema (Ancine), “o processo de digitalização do parque
exibidor, iniciado há aproximadamente cinco anos, continua em expansão, porém o
ritmo é abaixo do esperado. O ano de 2013 encerrou com 1.353 salas digitais
padrão DCP, o que representa aproximadamente 51% do parque exibidor brasileiro
já digitalizado”, e ainda há muito que fazer em cinemas como os tradicionais da
capital gaúcha.
De acordo com a programadora da Cinemateca Paulo Amorim,
Mônica Kanitz, de todos os filmes lançados no Brasil (são mais de 1.000 por
ano), 56% deles pertencem a esse universo de filmes de arte, mas só tem 4% de
salas digitalizadas para a exibição desses filmes.
“Olha o nicho que temos aqui! Temos espaços para exibir
esses filmes só que eles são lançados em formato digital, e não temos recursos
para este formato. Infelizmente, a bilheteria não rende e o patrocínio não
cobre”, lamenta Kanitz.
Alternativa ao blockbuster
Desta cultura cinematográfica (de ingressos baratos, filmes
de nichos e localização em ruas e becos) que se sustentam os cinemas de raiz em
Porto Alegre – adorados por tantos que viveram os anos de glamour da capital e
por jovens cinéfilos que gostam de experimentar novas experiências, ou
repudiados por quem costuma frequentar somente cinemas de filmes blockbuster.
“Existe um público grande que sofre com a falta de opções
dos grandes cinemas, que exibem os mesmos filmes e ignoram vários outros. A P.
F. Gastal nos últimos anos lançou com exclusividade vários filmes grandes,
importantes, premiados em festivais, que provavelmente não teriam chance em
shoppings”, constata Leonardo Bomfim, programador do cinema.
Já para Luciana Tomasi, do Cine Santander, “no cinema de rua
que se tem a única chance de ver cinema de arte, documentários importantes,
tendências cinematográficas e filmes de autor”. A importância de manter esses
cinemas, para Bomfim, é que “em primeiro lugar, o filme é a única coisa que
realmente importa”, diferente dos cinemas de shoppings que muitas vezes o filme
é secundário, ou faz parte de um pacote.
O programador diz que sabe que alguns filmes exibidos nos
cinemas de rua são bem radicais, como os do Julio Bressane e do Tsai
Ming-Liang, que não terão um público grande e nem darão retorno financeiro,
mas, para ele, esses filmes precisam ser exibidos – a cidade tem que ter a
chance de vê-los no cinema. “Isso muda a
forma como o espectador se relaciona com os filmes”, defende Leonardo BomFim.
Os funcionários
Manter esses locais vivos não é só importante para o público
que admira essa arte “diferente”, mas também para aqueles que dependem desses
cinemas para o sustento de suas famílias.
Madalena Luiza John é um dos sete funcionários da
Cinemateca. Com 55 anos, trabalha no local há mais de 22 anos como bilheteira,
e afirma emocionada que não tem coragem de trabalhar em outro lugar, não só
devido ao tempo de experiência, mas – muito mais – pelo apego que tem ao cinema.
“Esse cinema tem história, não o vejo fechando. As pessoas
que vêm aqui, todos gostam do lugar, da casa, da programação – é um espaço
lindo. Tenho amigos que dizem que quando chegam à Cinemateca se sentem em casa,
como se fosse um refúgio no meio do Centro de Porto Alegre. Eu me sinto assim
também”, confessa Madalena.
Apesar de serem a minoria – “como 70% das salas de cinema se
encontram dentro de shoppings” e apenas 14% das quase 2.500 salas espalhadas
por todo o Brasil são consideradas cinemas de rua, segundo dados do
Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual da Ancine – eles enriquecem
o folclore cinematográfico do país. Mesmo que a multinacional norte-americana
Cinemark lidere o ranking de exibições e públicos no Brasil e o GNC seja um dos
mais visitados, não se deve desistir de lutar pela permanência dos cinemas de
rua.
“O cinema de rua está ai para oferecer uma variedade de
filmes e sensações que tu não encontras em outros cinemas”, defende Mônica
Kanitz. E para impedir que esses cinemas
acabem se transformando em igrejas, lojas ou agências bancárias – sem um pingo
do tradicionalismo que encantou tanto o público quando descobriram a projeção –
cultivar a visita a esses locais ajudará a mantê-los vivos. Pois, como Valéria
Nunes, gerente da Cinemateca Paulo Amorim, deixou claro: “a principal diferença
dos cinemas de rua para os de shoppings é que os cinemas de rua tem uma
história magnífica que não pode ser apagada”.
Uma luta vencida com
muita mobilização
As dificuldades sofridas por cinemas de rua não acontecem
somente em Porto Alegre. São Paulo, no
ano de 2013, teve um dos seus principais cinemas de rua fechado por falta de
renda. O Cine Belas Artes, hoje com o nome de Caixa Belas Artes (por causa do
novo patrocínio da Caixa Econômica Federal), é o tradicional cinema de rua de
São Paulo criado em 1943 localizado na esquina da Av. Paulista com a Rua da
Consolação.
Apesar de ser um dos locais mais adorados por cinéfilos da
cidade, tendo uma média de 10 filmes em cartaz por semana e uma variação de
gêneros desde filmes de arte a clássicos antigos, ainda assim teve suas
estruturas abaladas quando suas portas fecharam após 68 anos de história. O
local deixou sem emprego cerca de 30 funcionários.
Como consequência, iniciou-se na capital paulista um
movimento pela reabertura do cinema. Cinéfilos, jornalistas e simpatizantes do
espaço se uniram realizando uma das maiores mobilizações já ocorridas no Brasil
em defesa de um cinema de rua. Após o ato, em 2014, a Prefeitura de São Paulo e
a Caixa Econômica Federal viabilizaram a reabertura do clássico espaço que foi
reinaugurado no dia 19 de julho do mesmo ano.
Confira entrevista exclusiva de Eliane Manfré, uma das
representantes do Movimento Belas Artes (MBA) no Conselho de Amigos do Cine
Belas Artes, concedida ao blog de Jornalismo Econômico da UniRitter.
O que foi o Movimento Belas Artes e como foi criado?
Eliane Manfré – O Movimento Cine Belas Artes se constituiu
de forma espontânea com frequentadores do cinema e amantes da sétima arte que
se mobilizaram para que o espaço não fechasse, depois se organizaram para
reabri-lo, e atualmente trabalham para que o equipamento cultural seja
reconhecido e registrado como patrimônio imaterial nos âmbitos municipal,
estadual e federal. As atividades se formalizaram como movimento social na
reunião realizada em 10/01/2011 em uma das salas do cinema. Na tua opinião,
qual o principal marco deste movimento para a cultura cinematográfica de São Paulo?
Eliane – Consideramos pelo menos três marcos divisórios: a vitória da cultura
sobre a especulação imobiliária; elemento impulsionador para a criação de uma
política pública para o cinema de rua com a inauguração da agência Spcine; e a
solução inovadora encontrada para a reabertura do cinema, atuação social com
parceria público privada.
Qual o principal fator que contribui para a dificuldade
econômica dos cinemas de rua?
Eliane – A ausência de políticas públicas que contemplem
incentivos fiscais, isenções e benefícios mais robustos para o exercício e
proteção da atividade que não se paga por si só. Há na cidade de São Paulo uma
lei que concede incentivos e isenções para o cinema de rua, porém, além de
insuficiente para cobrir o valor exorbitante dos aluguéis, a lei tem sido pouco
usada, visto que a Prefeitura ainda não criou uma estrutura mais ágil e menos
burocratizada para aprovar os incentivos. É necessário que o planejamento e a
gestão de nossas cidades estabeleçam salvaguardas para as atividades e espaços
culturais. No caso de São Paulo, o MBA foi muito ativo na discussão da revisão
do plano diretor estratégico (PDE), aprovado em 2014. Graças à mobilização da
sociedade civil e de propostas do MBA e outros grupos, o PDE criou a figura do
território de interesse da cultura e da paisagem (TICP) e a ZEPEC-APC. A
ZEPEC-APC é uma zona especial de preservação cultural que irá proteger espaços
culturais em função principalmente da relevância da atividade neles exercida,
mais do que em função dos traços arquitetônicos do imóvel. Qual a importância
de manter vivo estes tipos de cinemas alternativos? Eliane – São espaços que
exercem função social, contribuem para o desenvolvimento de uma cidade mais
humana.
O que os cinemas, como o Cine Belas Artes, têm que os cinemas
de shopping não tem?
Eliane – Programação diferenciada com eventos regulares
(Noitão, Cineclube); localização estratégica com acessibilidade através de
transporte público; e preços de ingressos mais baratos. É um local de encontro
que propicia o diálogo, o convívio com as diferenças e contribui diretamente
para a formação de público. Desde sua reabertura em 2014, reserva uma sala para
exibição de cinema nacional e mantém programação educativa para crianças da
rede pública aos sábados pela manhã. A programação
educativa foi uma das propostas do MBA para que as manhãs ociosas do cinema
fossem ocupadas com atividades para e com as escolas, particularmente as
públicas.
Por que os cinemas de rua são dignos de serem visitados e
prestigiados?
Eliane – São patrimônios históricos, culturais e afetivos da
cidade. Guardam a memória pessoal e coletiva. São espaços lúdicos e acolhedores
por natureza.
Como a extinção das cópias em 35 mm afeta os cinemas de rua?
Eliane – O projecionista de rolo é uma profissão
em extinção. Este profissional demonstra resistência e dificuldade em se
adaptar às mídias digitais. Quanto ao arquivamento de conteúdo no novo formato,
é preocupante acompanhar a ausência de formatos eficazes que preservem os
filmes. Corremos o risco de perder muitos registros. Ao ser reformado para
reabrir em 19/07/2014, o Cine Belas Artes equipou suas seis salas com
projetores digitais, mas três delas também contam com projetores de películas
em 35 mm para a exibição de clássicos.
Texto e imagens reproduzidos do site: jornalismoeconomico.uniritter.edu.br
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