Publicado originalmente no site Webinsider, em 01 de dezembro de 2012.
Os dias de glória do cinema poeira
O cinema "poeira" teve seus momentos de
importância na vida do fã de cinema de outrora. E a sua lembrança pode
facilmente ser revivida nos dias de hoje, com a mídia disponível ao usuário.
Por Paulo Roberto Elias
A minha geração e as que me antecederam frequentaram salas
de exibição classificadas como “cinema poeira”, ou ainda “poeirinha”, como
muitos gostavam de chamá-las.
A ida ao cinema poeira não era somente falta de opção, ao
contrário: naquela época, o relançamento ou reprise de muitos filmes nos
cinemas lançadores acontecia ocasionalmente. Em outros aspectos, o cinema
poeira preenchia um vazio dos outros cinemas: a exibição ostensiva de filmes da
chamada “classe B”, aqueles cujos estúdios davam uma importância de produção
menor.
O filme classe B não é necessariamente ruim. Na verdade,
muitos filmes classe B se tornaram clássicos, e entre eles o exemplo mais
notório é, sem dúvida, Casablanca, dirigido por Michael Curtiz. Considerado
classe B com elenco classe A, Casablanca ganhou a reputação do filme feito para
cumprir contrato, e o estúdio deixou em paz a produção, filmada totalmente lá
dentro, com exceção de apenas uma cena, e rodado em relativo curto espaço de
tempo.
Filmes classe B se tornaram, e ainda são, “cult” para muita
gente. Enquanto que hoje nós podemos nos dar o luxo de colecionar e assistir um
filme destes em qualquer momento, naquela época o cinema poeira era a opção de
reprise mais viável. E, desnecessário acrescentar, com preço de ingresso muito
mais baixo, em relação às principais cadeias de exibidores.
A classificação de um
cinema como “poeira”
A denominação “cinema poeira” é de origem popular e até hoje
eu sou um que desconheço de onde ela veio. É mais ou menos a mesma situação de
uma anedota que um amigo seu lhe conta, que ouviu de outro, e assim
sucessivamente, sem que ninguém saiba de onde a anedota partiu ou quem a criou.
No entanto, a classificação de uma sala exibidora como
“poeira” seguia critérios bastante distintos:
1. Os assentos eram de madeira.
2. Ausência de ar condicionado.
3. Tela sem cortina.
4. Aparelhagens de projeção arcaicas (35 ou 16 mm).
No âmbito da Tijuca (Rio de Janeiro), já comentado aqui na
coluna, o antigo Cinema Tijuca, conhecido como “Tijuquinha”, foi o principal
poeira, bem no coração da Praça Saens Peña. Logo ao seu lado, estava o luxuoso
e moderno Metro-Tijuca, então o contraste era inevitável.
O Tijuca vivia cheio, apesar da falta do ar condicionado. A
projeção era bastante decente, e quem não tinha recurso para ver o filme nos
cinemas lançadores, bastava esperar uma semana e o filme entrava no Tijuca.
Quando ele fechou, foi aberta uma loja com o nome de “Tijuquinha das Frutas”.
Irônico, não é não? E hoje, quem passa pela Praça, basta olhar de frente as
Lojas Americanas: a entrada da direita era onde ficava o Tijuquinha. O nome
Cinema Tijuca, entretanto, ficou: quando o grupo Severiano incorporou e
reformou o antigo Eskye-Tijuca, o cinema foi rebatizado como “Tijuca”, com
aparelhagem Incol 70/35, inclusive.
Nos arredores da Praça Saens Peña, outro famoso poeira era o
Santo Afonso, cinema onde o advogado e dono da réplica do Metro construída em
Conservatória, Ivo Raposo Jr., militou como operador, desde épocas remotas de
sua adolescência. O Ivo, como ele mesmo me contou, saía do Colégio Batista, e
ia trabalhar na cabine do Santo Afonso, e lá viveu uma história muito parecida
com a do menino Totó, de Cinema Paradiso, obrigado a cortar cenas impróprias
dos filmes exibidos. É que o Santo Afonso pertencia aos padres da Paróquia do
mesmo nome. Um deles assistia o filme, e mandava o operador retirar o rolo e
cortar a cena na coladeira, coisa que o Ivo fez muitas vezes. O seu depoimento
mais detalhado foi publicado como parte do projeto Planetary Projection, da
Editora canadense Caboose.
O interessante é que o porteiro do Santo Afonso ficaria
conhecido dos meninos da rua como aquele que fazia vista grossa para a nossa
entrada em filmes proibidos para menores de 18 anos. Assim, quando alguém
descobria alguma coisa interessante passando por lá, e impossível de se ver em
um cinema de cadeia, a turma comprava inteira (o ingresso era muito barato) e
entrava no cinema na maior cara de pau deste mundo.
A censura sempre foi pudica. Amor, Sublime Amor, por
exemplo, era proibido para menores de 16 anos, por causa do tema “gangues de
rua”. Eu tinha 15 anos quando o filme abriu no Madrid, e só entrei porque o
porteiro não viu direito a minha carteira de estudante!
A paródia inglesa dos
cinemas poeira
Um filme curto, hilário e bem dirigido, “The Smallest Show
On Earth”, tem no elenco Peter Sellers, em um dos seus melhores trabalhos, e
atores competentes, mostrando o confronto público entre um cinema de luxo e um
poeira.
A ideia do roteiro é muito simples: o personagem herda um
cinema antigo de uma cidade pequena do interior da Inglaterra, herança do tio
que ele mal conheceu. Chegando lá, e não conseguindo um preço justo para venda,
resolveu reabrir o cinema, para atiçar a cobiça do concorrente.
Peter Sellers faz o papel do projecionista, mas um homem com
idade suficiente para lidar com os projetores do início do cinema sonoro.
Quando o trem passa na estação ao lado do cinema, a aparelhagem balança toda e
Sellers é obrigado a abraçá-la, para não desabar tudo:
Exagero? Nem tanto. O filme segue com cenas hilárias, da
plateia se divertindo com as falhas de projeção. É que no cinema poeira
(chamado pelos ingleses de “flea pit” ou “poço de pulgas”) tudo é permitido, e
quando a bagunça acontecia e tomava proporções exageradas, aparecia o
lanterninha para colocar os recalcitrantes para fora.
Digno de nota, o cinema do filme inglês tem o nome de
“Kinema Bijou”, com “K” mesmo, seguindo as raízes da palavra grega, que
significa “(imagem) em movimento”. Os europeus guardaram a tendência de chamar
sala de cinema como “Cinema”, com a troca do K pelo C, como nós também fizemos.
Por isto, não é de se admirar que o termo “Home Theater” seja também chamado de
“Home Cinema” pelos fabricantes europeus.
Klaatu barada nikto!
Um filme classe B que eu adoro, e recomendo para quem ainda
não viu, é o clássico “O Dia Em Que A Terra Parou”, magnificamente dirigido por
Robert Wise. Aliás, quando Wise foi convidado para dirigir o primeiro Star Trek
do cinema, muitos ficaram espantados, por causa da fama do diretor em filmes
musicais (Amor Sublime Amor, A Noviça Rebelde e outros). Mas, acontece que a
experiência no gênero ficção científica do diretor tinha precedência e, não por
acaso, alguns anos antes Robert Wise havia dirigido “O Enigma de Andromeda”,
primeiro filme escrito por Michael Crichton, que depois escreveu “Jurassic
Park”.
O filme de Wise não é somente uma obra de ficção científica
elegante, ele é também um discurso contra atos de violência e autodestruição da
humanidade, protestando, neste caso, contra o uso da energia atômica para fins
destrutivos. Tudo isto, em 1951, pouco tempo depois, relativamente, da saída do
planeta da segunda guerra mundial, quando então muitas lições a este respeito
já deviam ter sido aprendidas. Mas, não o foram até hoje, o que torna este
filme extraordinariamente atual.
“Gort, Klaatu barada nikto!” é o apelo repetido por Patricia
Neal, no personagem Helen Benson, ao robô Gort. A frase, como era hábito em
Hollywood naqueles tempos, nunca foi traduzida nem comentada pelo autor do
roteiro e criador da linguagem alienígena Edmund North, tendo sido alvo de
interpretações de fãs e outros exegetas pelo mundo todo. North teria dito ao
historiador Steven Rubin que a frase significaria “Há esperança para a terra,
se os cientistas puderem ser alcançados”. Mas, quem assiste ao filme nem
precisa de tradução. A frase alerta Gort que ele não deverá tomar qualquer
atitude de represália e destruir o planeta, por conta da prisão de Klaatu, o
alienígena.
O Dia Em Que A Terra Parou é o filme de eleição para a gente
preparar a pipoca, se sentar na sala e deixar o tempo correr. É o epítome do
que o cinema como diversão representa para todos nós.
E se hoje nós não temos nem chance de ir ao cinema poeira da
esquina para vê-lo, basta recuperá-lo em DVD ou Blu-Ray. O filme foi
recentemente restaurado, e até mesmo a edição em DVD é ótima para uma sessão em
casa.
Texto e imagem reproduzidos do site: webinsider.com.br
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