O crítico Fábio Leite acompanha há um bom período a
programação
Por uma ótima causa: A atual equipe por trás do Cine Humberto Mauro
Gustavo Chaves é um dos frequentadores assíduos do espaço
Publicado originalmente no site O Tempo, em 03/03/18
O nosso Cinema Paradiso
Dedicado à formação e ao repertório, Cine Humberto Mauro
chega a quatro décadas
Humberto Mauro O crítico Fábio Leite acompanha há um bom
período a programaçãodfs Por uma ótima causa: A atual equipe por trás do Cine
Humberto Maurodsadca Gerente do HM, Bruno Hilário é um dos curadores da mostra
Buster KeatonM - A O crítico Fábio Leite acompanha há um bom período a
programação Humberto Mauro Gustavo Chaves é um dos frequentadores assíduos do
espaços de Ataídes Braga reuniu histórias da antiga Sala Humberto Mauro (hoje
Cine Humberto Mauro) no livro “Cachoeira de Filmes”, cujo nome faz uma alusão
ao cineasta que o espaço homenageia em seu nome ‘A General’ (1926) ‘The
Railrodder’ (1965) ‘A Casa Elétrica’ (1922)
Transcorria o ano de 1978 e, como de praxe, filas se
formavam em frente ao Cine Metrópole, na esquina das ruas da Bahia e Goiás. Em
uma época na qual todos os cinemas da capital mineira eram “de rua”, o espaço
atraia multidões exibindo filmes como “Grease”. Lançada naquele ano, a fita
tinha como chamariz a presença de John Travolta, catapultado à condição de
astro após “Os Embalos de Sábado à Noite”.
A poucos metros dali, no entanto, um grupo de entusiastas da
sétima arte celebrava o início das atividades de uma sala com objetivos
diametralmente opostos. Localizada nas dependências da Fundação Clóvis Salgado
(FCS), espaço inaugurado em 1971, entrava em cena a Sala Humberto Mauro. A
poucos meses, pois, de soprar as velinhas de 40 anos de atividades
ininterruptas (salvo pequenas pausas para reformas), o hoje Cine Humberto Mauro
prossegue em sua inabalável intenção de oferecer um cinema de repertório –
desvinculado, pois, das produções dos grandes estúdios.
Trocando em miúdos, o Humberto Mauro aposta suas fichas na
formação do espectador, exibindo clássicos ou filmes que, de outra forma,
dificilmente chegariam ao écran aqui. Não por outro motivo, mostras dedicadas a
diretores autorais de nacionalidades diversas – caso de Alfred Hitchcock,
Andrei Tarkovsky ou Ingmar Bergman – dividem a programação com festivais que
contemplam cinematografias pouco conhecidas, como a egípcia ou a polonesa.
Aliás, as comemorações das quatro décadas começaram na
ultima sexta-feira (2), com a abertura de mais uma mostra em homenagem a um
icônico diretor: o norte-americano Buster Keaton (1895-1966). Em cartaz até o
dia 29, “O Acrobata do Riso” traz 30 filmes, entre curtas e longas, mudos e
falados. No grand finale, o curta “The Railrodder” (1965) e o longa “A General”
(1926) serão exibidos no Grande Teatro, sendo que a trilha sonora do primeiro
será executada ao vivo por músicos convidados e alunos do Centro de Formação
Artística e Tecnológica (Cefart).
O início
A Sala Humberto Mauro foi inaugurada no dia 15 de outubro de
1978, tendo, à frente, a figura de Wagner Corrêa de Araújo, coordenador de
cinema do Palácio das Artes. Dotada de 160 lugares e preparada para exibição de
filmes de 16 e 35mm, exibiu, no début, uma retrospectiva do cineasta mineiro
cujo nome batizou o espaço.
O livro “Cachoeira de Filmes – O Cinema Humberto Mauro Como
Espaço de Exibição e Resistência” (2011), do pesquisador Ataídes Braga repassa
que, além de todos os longas de Humberto Mauro, o espectador também conferiu
uma seleção de curtas, um festival de filmes da Cinédia e, ainda, uma mostra de
curtas brasileiros e mineiros da época.
Ataídes, aliás, foi uma espécie de frequentador “avant la
lettre” do espaço. E que antes mesmo de a sala existir, ele, então
pré-adolescente, já frequentava as dependências da FCS, ávido por cultura.
“Nunca mais saí de lá”, lembra o autor de uma iniciativa que, embora
instintiva, acabou possibilitando um mapeamento histórico do percurso do
espaço: guardou consigo, por anos, todos os folders das exibições que por lá
aconteceram. Aliás, foi exatamente esse empenho que deu subsídio ao livro,
posto que, segundo ele, nem a própria Fundação teve esse zelo. Tanto que, após a
conclusão do livro, doou o material ao acervo da Clóvis Salgado.
Hoje à frente da Artesãos Tagarela, empresa de artes, cinema
e cultura, Ataídes relatou, em seu livro, vários dos momentos que presenciou
nestas quatro décadas de Humberto Mauro. Ao , lembrou, por exemplo, do frisson
provocado pela exibição de “Querelle”, de Rainer Fassbinder. “Ou ‘Je Vous Salue
Marie, de (Jean-Luc) Godard, que à época (meados dos anos 80), teve sua
exibição proibida no Brasil pelo governo (José) Sarney. As sessões eram clandestinas”,
rememora. Pampulha
Não só. Ele rememora a “era Zuba”, quando o saudoso José
Zuba Jr, então gerente à frente do Humberto Mauro, promoveu uma mostra na qual
filmes que traziam cenas de sexo explícito foram incluídos. “Zuba era
genialmente ousado, mas fez a mostra com todo cuidado, frisando a classificação
etária para maiores de 18 anos, com sessões madrugada afora. O que houve lá,
porém, surpreendeu a todos. As filas percorriam a escadaria. Daí, o Zuba quis
fazer uma exposição de cartazes de nus de Robert Mapplethorpe (fotógrafo
norte-americano, morto em 1989)”. E veio o ti-ti-ti. “Senhoras acusaram o lugar
de atentado violento ao pudor”.
Outras polêmicas vieram, mas, no cômputo geral, os atuais
136 assentos do espaço – que, vale lembrar, funciona de segunda a segunda –
abrigam pessoas muito mais interessadas em sorver o crème de la crème da sétima
arte que em celeumas.
Caso do crítico de cinema Fábio Leite. “A gente tinha o
Pathé e o Roxy (que exibiam filmes menos comerciais), mas eram cinemas de
lançamento. Na TV, a Globo tinha o ‘Cineclube’, que exibia títulos como ‘O
Falcão Maltês’ (John Huston). E havia os cineclubes, mas, aí, a programação era
irregular, dependia da boa vontade das distribuidores. Na Humberto Mauro não, a
programação era regular. E, ao final, havia os debates, que se estendiam a um
bar na rua Goiás”. Fábio conta que, nas sessões, um folheto sobre a fita era
distribuído. “Um texto de alguém daqui mesmo ou um recorte, do ‘Jornal do
Brasil’, do ‘Cahiers du Cinéma’ ... Para o espectador não sair do cinema boiando.
Era muito bacana”, diz ele, que segue sendo um frequentador do espaço.
Muitas histórias pra contar
Projecionistas, gerentes e cinéfilos compartilham passagens
marcantes do ‘templo’
Aos 25 anos, o médico Gustavo Chaves é um exemplo de que os
jovens também acorrem à Humberto Mauro – na última quarta (28), ele conferiu “O
Homem do Sputnik” (1959), de Carlos Manga. “Destacaria o fato de ser acessível
(as atividades são gratuitas), diante do fim de quase todos os cinemas de rua
de BH e da primazia das salas de shoppings”, diz, opinando que o cinema é porta
de entrada para a cultura num senso mais amplo.
Nome por trás do site Mulheres do Cinema Brasileiro, Adilson
Marcelino sabe bem disso. “Foi quando fazia Letras (também é jornalista) que
descobri a sala. À época (anos 1990), a cinefilia era intensa na cidade. A
gente ia de uma sala a outra para pegar o máximo de sessões. E lá era meio que
um templo – como até hoje. Tem exatamente essa função de formação. Uma
universidade da sétima arte. E o aprendizado se completava com as sessões
comentadas, os debates”. Ali, Adilson viveu um momento ímpar: a ida de Dina
Sfat (1938-1989) à exibição de “Das Tripas Coração” (1982) atraiu tanta gente
que o bate-papo com a atriz se deu no lado de fora da sala. “Ela ali, sentada
no chão, com os espectadores”.
O cinéfilo Fernando Fonseca lembra que o Centro de Estudos
Cinematográficos – o antológico CEC, núcleo de intelectuais cinéfilos que
pleiteava um espaço como o Humberto Mauro – fazia a programação dos sábados do
espaço. Passado um tempo, Fernando virou o responsável pela seleção. “Um dia,
programei ‘A Dama de Shangai’ (1947), do Orson Welles, mas não sabia que a
cópia era dublada. E quando o Welles começou a falar em português, o crítico
Paulo Lima, que estava na plateia, deu um berro: “É um desaforo. Não admito. E
saiu da sala, xingando”, rememora.
Ele conta que, pelo caráter político do espaço nos
primórdios, filmes norte-americanos eram sutilmente evitados. E havia, ainda, o
boicote da empresa de Antônio Luciano, que controlava os cinemas da cidade (e
influenciava as distribuidoras a apoiar o boicote). “Era difícil”. Em
contrapartida, as descobertas eram sucessivas. “Godard, por exemplo, foi uma
loucura para todos nós”, diz Fonseca sobre o cineasta francês Jean-Luc Godard.
Linha de frente
Daniel Queiroz, Waleska Falci, Rafael Conde, Patrícia Klingl,
Ana Siqueira... Além do fundador Wagner Corrêa de Araújo, vários profissionais
passaram pelo HM. Caso de Mônica Cerqueira, que depois lançou empreitadas
antológicas, como o Savassi Cineclube, o Cine Imaginário, La Bocca e o Usina,
todos extintos. Mônica lembra que, na época em que assumiu o HM, as sessões não
eram de todo regulares. “Foi uma preocupação nossa, além de destinar a sala a
outros fins, como o projeto musical ‘Fim de Tarde’, tocado pelo hoje falecido
José Eymard. Tinha teatro de manhã para crianças, cursos de ópera, história da
arte, seminários”.
De sua passagem, ela se lembra, por exemplo, da ida do
cineasta Leon Hirszman (1937 – 1987), para discutir “Eles Não Usam Black-Tie”
(1981), com Fernanda Montenegro e Gianfrancesco Guarnieri. “Foi tanta gente que
o debate passou para a Escola de Direito (UFMG), que é perto. E fazíamos muitos
trabalhos conjuntos com embaixadas, com o Instituto Goethe”. Ela, que hoje se
debruça sobre o ofício de roteirista e a produção de documentários, diz que o espaço
segue atuante no que chama de “outro cinema”. “Não necessariamente alternativo,
nem melhor ou pior, mas fora das majors (grandes estúdios)”.
Atualmente, é Bruno Hilário que responde pelo Humberto
Mauro. Zeloso, ele prefere não revelar todas as atrações do ano que baliza as
quatro décadas da sala. “Quando a gente pensa em todas as dificuldades que a
cultura enfrenta nos dias atuais, fica feliz em ver que houve uma construção
importante nestes 40 anos”, lembra, citando o público surpreendente que acorreu,
por exemplo, à mostra do cineasta russo Andrei Tarkovski, no ano passado.
“Várias pessoas ficaram de fora. E um público diversificado, de todas as faixas
etárias e perfis”.
Para Hilário, o local é um motivo de orgulho para os
mineiros. “Temos uma relação muito próxima com os realizadores daqui. Por conta
da qualidade da projeção, muitos testam ali seus filmes antes de lançarem no
mercado”. O orgulho que o gerente demonstra é compartilhado pela equipe,
formada dos mais jovens (como Hilário) a veteranos, caso dos projecionistas
Milton Célio Rodrigues, 62, e Mercídio Scarpelli, 72.
Milton conta que, em tempos passados, quando eventualmente o
equipamento dava alguma pane, o público, sempre simpático, aguardava paciente a
regularização. E, sim, ele também aproveita para dar uma espiada no que está
projetando – é fã de Charles Chaplin e Alfred Hitchcock. Mercídio está na
Humberto Mauro “de 35 para 36 anos”. Fã dos clássicos, se tivesse que optar por
um, não titubearia. “Ben-Hur”, diz, referindo-se ao filme de William Wyler, de
1959.
O gerente Bruno Hilário conta que o nome de Buster Keaton
para iniciar a programação comemorativa aos 40 anos do Cine Humberto Mauro veio
dentro do pensamento de que seria um bom mote para homenagear, num espectro
mais amplo, a própria sétima arte. “Nomes como o dele foram responsáveis por
construir a própria linguagem do cinema e o sentido de ele existir. No geral,
estamos sempre buscando exibir filmes mais conhecidos do ator e diretor em
foco, mas também traçar um panorama completo – no caso de Keaton, os filmes
falados. Muita gente acha que, com o advento do cinema falado, Keaton entrou
numa ruína, o que é uma falácia. A mostra vem resgatar o talento que construiu
um dos principais personagens do século XX, suas gags visuais. E não só. Também
vamos mostrar filmes de diretores que foram influenciados por Keaton,
resultando no que, espero, será uma mostra leve, divertida”.
Com o grand finale da mostra – quando o curta “The
Railrodder” (1965) e o longa “A General” (1926) serão exibidos no Grande Teatro
com a trilha sonora do primeiro sendo executada ao vivo –, Bruno entende que o
Humberto Mauro volta ao seu embrião. É que, antes da sala propriamente dita, o
Palácio das Artes tinha, sim, exibições de filmes, porém, em outros espaços.
“Nos anos 70, os cinéfilos chegaram a reivindicar o Grande Teatro como espaço
de exibição, mas, evidentemente, era muito grande, e pensou-se, à época, em um
espaço adequado, que permitisse a intimidade necessária à fruição (do tipo de
cinema que se pensava para ali, o dito cinema de arte)”.
Em tempo: Bruno também lembra o caráter de parceria da
Humberto Mauro, ao integrar o circuito de exibição de importantes festivais
realizados na cidade, como o Múmia e o Festival Internacional de Curtas de BH,
que, este ano, chega à sua 20ª edição. “É um privilégio termos, aqui, em uma
instituição pública, um festival deste nível”, diz.
Hoje localizada em frente à Galeria Genesco Murta e ao lado
do Café do Palácio, a Humberto Mauro conta com tecnologia modernizada, fruto da
aquisição de equipamentos de som dolby digital e exibição de filmes em 3D e 4K.
E se em tempos passados nem sempre o público era contabilizado, hoje é
diferente: somente em 2017, mais de 70 mil pessoas frequentaram o Cine Humberto
Mauro para conferir as 21 mostras exibidas...
Texto e imagens reproduzidos do site: otempo.com.br
É uma viagem sem medida viajar por seu blog. Obrigado. Saudade da Sala Humberto Mauro, e ao ler sobre o Cine Metrópole, coincidentemente o único filme que assisti lá é citado na reportagem... nas fantasias juvenis, Grease.
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