O Cineteatro São Luiz, com 60 anos, é a única sala de rua em
atividade na Capital
Foto: Yago Albuquerque
O Cine Nazaré, localizado no Parque Araxá, mas atualmente fechado para reforma,
é o único cinema de bairro ainda existente em Fortaleza, de propriedade do
aposentado Raimundo Carneiro de Araújo, conhecido como Seu Vavá
Foto: José Leomar
Publicado originalmente no site Diário do Nordeste Verdes Mares, em 21.04.2018
Cinemas de rua: história e afetividade resistem na Capital
Pelo menos, 73 salas fizeram parte da cidade, desde a
inauguração do primeiro, em 1908, na Praça do Ferreira
Por Renato Bezerra - Repórter
Ricos na memória de quem viveu os tempos áureos da sétima
arte em Fortaleza ou evidenciados por meio de pesquisas e publicações
históricas, os antigos cinemas de rua da Capital significam bem mais do que a
pompa e o glamour relatados em saudosas lembranças. Em sua maioria situados no
Centro, os equipamentos reinaram absolutos por tempos como instrumentos de
entretenimento popular, e no que compete ao desenvolvimento da cidade,
contribuiram para a ocupação da região e expansão das atividades locais.
Pelo menos 73 cinemas de rua fizeram parte da história da
cidade, de acordo com o professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e
historiador de cinema, Ary Bezerra Leite, desde que o primeiro foi inaugurado:
o Cinematógrafo Art-Nouveau, em 1908, na Praça do Ferreira. Espetáculo atrativo
a exemplo do que já acontecia no resto do mundo, o cinema em Fortaleza, segundo
o professor, ofertava um entretenimento continuado, com salas dotadas de
espaços populares e com ingressos a preço simbólico, tornando a exibição
cinematográfica acessível a toda a população.
Eram, relata Ary Bezerra, o espaço de convivência social
preferido da juventude, prestigiado pelas famílias, aonde o público fazia das
salas um espaço de desfile e encontros antes das sessões. "As melhores
salas, localizadas no Centro, onde se encontravam os terminais de transporte,
contribuíam para movimentar a Praça do Ferreira e favorecia a expansão das
atividades comerciais. Fascinavam com suas fachadas luminosas, seus cartazes
coloridos e salões animados. As matinais infantis, as vesperais femininas, as
sessões gigantes com dois filmes foram formadores de uma geração de cinéfilos
nas primeiras décadas da era do cinema", afirma.
Mudança
As salas foram vítimas, no entanto, da dinâmica urbana que
esvaziou o Centro de Fortaleza, em virtude da desconcentração comercial e
expansão dos polos de lazer. Aliado a isso, ainda conforme Ary Leite, novidades
tecnológicas como o videotape, a TV por assinatura e o DVD foram gradualmente
reduzindo os cinemas de rua até o advento dos shoppings centers, fatais para as
salas tradicionais. Atualmente, o Cineteatro São Luiz, com seus 60 anos de vida
recém completados no mês de março, é o único equipamento de rua a oferecer
programação à cidade.
"Os novos centros de entretenimento, dotados de
segurança e facilidade de estacionamento, favoreceram os complexos de exibição
cinematográfica. Na verdade, nada supera a ambiência romântica dos saudosos
cinemas de rua, como o Rex, o Moderno e o Diogo", diz Leite.
Se por um lado o conforto e uma maior oferta de serviços em
um só local foram vantagens alcançadas na modernização das salas em shoppings,
por outro, o acesso ao cinema acabou sendo elitizado, segundo avalia o
professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará
(UFC), Marcelo Ikeda. "Os shoppings se tornaram um modelo de
entretenimento para a classe média, mas a consequência é que o preço do
ingresso aumentou consideravelmente. As classes C e D, que durante os anos 50 e
60 foram a base para um certo cinema brasileiro popular, não vão mais poder ir
com o preço do ingresso a R$ 20 ou R$ 30. A opção será a televisão aberta",
conta.
Segundo o professor, em espaços minoritários, os cinemas de
rua ainda existentes no País possuem programação mais voltada ao cinema de
arte, devendo manter parcerias com os governos locais ou demais apoiadores para
sobreviverem. O modelo, ainda conforme Ikeda, deve partir de um centro cultural
mais amplo, com programação multiartística capaz de agregar outros públicos e,
assim, conseguir expandir a audiência para um determinado filme.
Sobrevivente
Para a design Lara Machado, 23, os laços com o cinema vêm de
família. Neta do aposentado Raimundo Carneiro de Araújo (o Vavá), dono do
último sobrevivente entre os cinemas de bairro: o Cine Nazaré, a jovem vem se
preparando para, no futuro, administrar o equipamento, hoje fechado para
reforma.
O interesse pelas telonas é nato, mas a admiração pelas
salas de rua foi estreitado, como conta, na época em que morou em Londres.
"Lá o cinema de bairro é muito comum e tradicional, eles não têm essa
cultura de shopping como aqui. Eu ia muito em salas assim, cinemas antigos, com
estilo vintage. Passei a gostar ainda mais de cinema e quando retornei meu avô
propôs que eu herdasse o Cine Nazaré".
Atualmente, Lara estuda cinema na Casa Amarela Eusélio
Oliveira e pensa em cursar mestrado na mesma área. Entre as expectativas de
vida, está a de ver o sonho do avô realizado, com o cinema em operação
novamente, podendo resgatar, assim, o clássico da sétima arte. "O São
Luiz, por exemplo, é hoje meu lugar favorito na cidade. Uma vez assisti a um
filme mudo de 2 horas e meia de 1927 e foi uma experiência incrível, parecia
que eu estava em uma máquina do tempo. As salas de hoje estão mais preocupadas com
o aspecto comercial, em quantidade de assentos", conta.
Texto e imagens reproduzidos do site: diariodonordeste.verdesmares.com.br
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