Arnaldo é um apaixonado pela profisssão (Mateus Bruxel/Agencia RBS)
Após 12 anos, único cinema de Viamão fecha as portas
Queda no número de espectadores e retirada do projetor,
mantido por uma rede de cinemas, levaram o proprietário do Cine Shopping Santa
Isabel a se despedir da paixão nutrida desde a infância
Aline Custódio
Diariamente, Arnaldo Henke, 80 anos, tem o costume de abrir
o jornal para conferir a programação de cinema no Estado. Na semana passada,
porém, sobressaltou-se ao não ler o nome do Cine Santa Isabel, em Viamão, entre
as salas que costumam figurar no roteiro. Segundos depois, retomado do susto,
lembrou: o cinema, fundado por ele, havia fechado no dia anterior. E, desta
vez, para sempre.
Depois de 12 anos como a única sala em funcionamento na
cidade de população estimada pelo IBGE em 253 mil habitantes, o Cine não
suportou a queda brusca de público dos últimos quatro meses e encerrou as
atividades em 20 de fevereiro. Nas semanas que antecederam a decisão súbita da
empresa parceira de Arnaldo e proprietária do projetor de filmes digitais,
houve sessões canceladas por falta de espectadores.
— Até setembro, as quatro sessões diárias vinham lotando.
Estava feliz com o renascimento do meu cinema, desde a chegada do filme
digital, em 2016, quando voltou a dar uma agitada. Mas foi chegando o verão e o
povo foi sumindo. Uma tristeza — lamenta o proprietário.
Tempo para namorar
Em 2014, Arnaldo viveu uma situação semelhante. Na época, a
sala localizada na Vila Santa Isabel, a 15km do centro da cidade, ainda usava
um centenário projetor alemão Ernemam II para filmes analógicos. Motivados pela
reportagem, os próprios moradores da cidade fizeram uma campanha para salvá-la.
Durante meses, as sessões voltaram a lotar e Arnaldo, a sorrir.
Após 12 anos, Viamão não terá mais cinema (Mateus Bruxel/Agencia RBS)
— Gosto de filmes desde criança. Ainda lembro quando fui
pela primeira vez, em Novo Hamburgo. Sou apaixonado pelo cinema. Vivo pra isso!
— sintetiza, marejando os grandes olhos azuis.
"Precisava largar minha amante"
Arnaldo começou a trabalhar com filmes aos 26 anos,
convidado pelo cunhado Milton Dienstmann, então proprietário de uma sala em
Estância Velha. Depois, ajudou a montar outras seis – em Alvorada,
Cachoeirinha, Campo Bom, Viamão, uma no bairro Partenon, em Porto Alegre, e até
um drive-in em Tramandaí, no início da década de 1980. Nunca mais parou.
— É uma alegria ver aquele movimento de entrada e saída.
Vibro junto com eles. Principalmente, quando é uma comédia. Então, eu paro ali
na porta e começo a escutar o pessoal e rir também. Esta memória não sai. Isso
é uma coisa que fica gravada no coração e não tem jeito de sair — emociona-se
Arnaldo.
O cinema também garantiu a ele o seu grande amor da vida,
como gosta de salientar: a mulher, Tereza, 81 anos, que trabalhava na
bilheteria do antigo cine Rian, de Viamão, do qual ele era proprietário. Os
dois estão casados há 44 anos. Na última década, era ela quem aconselhava o
marido a desistir do negócio.
— A minha mulher dizia que eu precisava largar a amante, que
era o cinema. E eu não queria. Agora, me obriguei a aceitar que terminou.
Finalmente, teremos mais tempo para namorar — planeja.
Sem novas campanhas
Por trás da aparente resignação, Arnaldo tenta esconder a
tristeza por ainda não saber como pagará as dívidas assumidas nos últimos anos.
A partir da parceria firmada em 2016 com Luiz Carlos Maurente, proprietário do
Cine Victoria, na Capital, que se comprometeu a financiar o projetor digital, o
empresário investiu no sistema de som, num potente ar-condicionado e conseguiu
trocar o revestimento de todas as 151 poltronas da sala. Estava faceiro com o
bom momento e a possibilidade de ofertar ingresso a R$ 6.
— Ele respira este lugar. É o primeiro a chegar e o último a
sair. Não consigo imaginar o seu Arnaldo aposentado, parado em casa — lamenta o
projetista Alexsander Siqueira, 36 anos, que há um ano trabalha no Santa Isabel
e também auxilia na lanterna e na bilheteria.
Cinema não aguentou a redução de expectadores (Mateus Bruxel/Agencia RBS)
Desde outubro do ano passado, porém, o público voltou a
reduzir. Em janeiro, caiu mais de 90%. Arnaldo passou a tirar dinheiro do
próprio bolso até não ter mais como arcar com os quase R$ 20 mil mensais que
incluem aluguel da principal sala do shopping Santa Isabel, prestações do
projetor digital, os produtos da bomboniere, a energia elétrica e os três
funcionários – a atendente da loja de doces e salgados, o
bilheteiro/lanterninha/projetista e o outro projetista.
— Fomos surpreendidos pela decisão repentina do meu
parceiro. De um dia para o outro, ele optou por levar o projetor. Eu queria
tentar mais o mês de março, mas ele disse que estava insustentável — explica
Arnaldo.
Luiz Carlos anunciou a decisão na semana passada.
— Para mantermos uma sala aberta, precisamos alcançar uma
média mensal de 4,5 mil pessoas. Mas o cine de Viamão não chegava a 2 mil
espectadores. Se tornou insustentável, infelizmente. Não vai adiantar fazer
nova campanha. Agora, é tarde. Não tem mais volta — afirma Luiz, que nesta
semana retirou o projetor digital do cinema de Viamão.
Temporal impediu últimas sessões
Em 20 de fevereiro, Arnaldo e os três funcionários
anunciaram às 13 pessoas presentes na sessão das 16h que aquele seria o último
dia do Cine Santa Isabel. Entre lamentos, assistiram juntos ao filme de
aventura Jumanji.
Haveria mais duas sessões naquela data de despedida, as 18h
e 20h. Um temporal, porém, assolou Viamão, cortando a energia elétrica do
bairro e impedindo o funcionamento do projetor. Com as duas projeções
canceladas, o Cine Santa Isabel, ao contrário dos milhares de roteiros
cinematográficos que passaram pela tela dele nos últimos 12 anos, não teve o
"The End".
Texto e imagens reproduzidos do site: gauchazh.clicrbs.com.br
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