segunda-feira, 30 de julho de 2018

Após 12 anos, único cinema de Viamão/RS., fecha as portas






Arnaldo é um apaixonado pela profisssão (Mateus Bruxel/Agencia RBS)

Publicado originalmente no site Gauchazh.clicrbs, em 01/03/2018 

Após 12 anos, único cinema de Viamão fecha as portas

Queda no número de espectadores e retirada do projetor, mantido por uma rede de cinemas, levaram o proprietário do Cine Shopping Santa Isabel a se despedir da paixão nutrida desde a infância

Aline Custódio

Diariamente, Arnaldo Henke, 80 anos, tem o costume de abrir o jornal para conferir a programação de cinema no Estado. Na semana passada, porém, sobressaltou-se ao não ler o nome do Cine Santa Isabel, em Viamão, entre as salas que costumam figurar no roteiro. Segundos depois, retomado do susto, lembrou: o cinema, fundado por ele, havia fechado no dia anterior. E, desta vez, para sempre.

Depois de 12 anos como a única sala em funcionamento na cidade de população estimada pelo IBGE em 253 mil habitantes, o Cine não suportou a queda brusca de público dos últimos quatro meses e encerrou as atividades em 20 de fevereiro. Nas semanas que antecederam a decisão súbita da empresa parceira de Arnaldo e proprietária do projetor de filmes digitais, houve sessões canceladas por falta de espectadores.

— Até setembro, as quatro sessões diárias vinham lotando. Estava feliz com o renascimento do meu cinema, desde a chegada do filme digital, em 2016, quando voltou a dar uma agitada. Mas foi chegando o verão e o povo foi sumindo. Uma tristeza — lamenta o proprietário.

Tempo para namorar

Em 2014, Arnaldo viveu uma situação semelhante. Na época, a sala localizada na Vila Santa Isabel, a 15km do centro da cidade, ainda usava um centenário projetor alemão Ernemam II para filmes analógicos. Motivados pela reportagem, os próprios moradores da cidade fizeram uma campanha para salvá-la. Durante meses, as sessões voltaram a lotar e Arnaldo, a sorrir.

Após 12 anos, Viamão não terá mais cinema (Mateus Bruxel/Agencia RBS)

— Gosto de filmes desde criança. Ainda lembro quando fui pela primeira vez, em Novo Hamburgo. Sou apaixonado pelo cinema. Vivo pra isso! — sintetiza, marejando os grandes olhos azuis.

"Precisava largar minha amante"

Arnaldo começou a trabalhar com filmes aos 26 anos, convidado pelo cunhado Milton Dienstmann, então proprietário de uma sala em Estância Velha. Depois, ajudou a montar outras seis – em Alvorada, Cachoeirinha, Campo Bom, Viamão, uma no bairro Partenon, em Porto Alegre, e até um drive-in em Tramandaí, no início da década de 1980. Nunca mais parou.

— É uma alegria ver aquele movimento de entrada e saída. Vibro junto com eles. Principalmente, quando é uma comédia. Então, eu paro ali na porta e começo a escutar o pessoal e rir também. Esta memória não sai. Isso é uma coisa que fica gravada no coração e não tem jeito de sair — emociona-se Arnaldo.

O cinema também garantiu a ele o seu grande amor da vida, como gosta de salientar: a mulher, Tereza, 81 anos, que trabalhava na bilheteria do antigo cine Rian, de Viamão, do qual ele era proprietário. Os dois estão casados há 44 anos. Na última década, era ela quem aconselhava o marido a desistir do negócio.

— A minha mulher dizia que eu precisava largar a amante, que era o cinema. E eu não queria. Agora, me obriguei a aceitar que terminou. Finalmente, teremos mais tempo para namorar — planeja. 

Sem novas campanhas

Por trás da aparente resignação, Arnaldo tenta esconder a tristeza por ainda não saber como pagará as dívidas assumidas nos últimos anos. A partir da parceria firmada em 2016 com Luiz Carlos Maurente, proprietário do Cine Victoria, na Capital, que se comprometeu a financiar o projetor digital, o empresário investiu no sistema de som, num potente ar-condicionado e conseguiu trocar o revestimento de todas as 151 poltronas da sala. Estava faceiro com o bom momento e a possibilidade de ofertar ingresso a R$ 6.

— Ele respira este lugar. É o primeiro a chegar e o último a sair. Não consigo imaginar o seu Arnaldo aposentado, parado em casa — lamenta o projetista Alexsander Siqueira, 36 anos, que há um ano trabalha no Santa Isabel e também auxilia na lanterna e na bilheteria.

Cinema não aguentou a redução de expectadores (Mateus Bruxel/Agencia RBS)

Desde outubro do ano passado, porém, o público voltou a reduzir. Em janeiro, caiu mais de 90%. Arnaldo passou a tirar dinheiro do próprio bolso até não ter mais como arcar com os quase R$ 20 mil mensais que incluem aluguel da principal sala do shopping Santa Isabel, prestações do projetor digital, os produtos da bomboniere, a energia elétrica e os três funcionários – a atendente da loja de doces e salgados, o bilheteiro/lanterninha/projetista e o outro projetista.

— Fomos surpreendidos pela decisão repentina do meu parceiro. De um dia para o outro, ele optou por levar o projetor. Eu queria tentar mais o mês de março, mas ele disse que estava insustentável — explica Arnaldo.

Luiz Carlos anunciou a decisão na semana passada.

— Para mantermos uma sala aberta, precisamos alcançar uma média mensal de 4,5 mil pessoas. Mas o cine de Viamão não chegava a 2 mil espectadores. Se tornou insustentável, infelizmente. Não vai adiantar fazer nova campanha. Agora, é tarde. Não tem mais volta — afirma Luiz, que nesta semana retirou o projetor digital do cinema de Viamão.

Temporal impediu últimas sessões

Em 20 de fevereiro, Arnaldo e os três funcionários anunciaram às 13 pessoas presentes na sessão das 16h que aquele seria o último dia do Cine Santa Isabel. Entre lamentos, assistiram juntos ao filme de aventura Jumanji.

Haveria mais duas sessões naquela data de despedida, as 18h e 20h. Um temporal, porém, assolou Viamão, cortando a energia elétrica do bairro e impedindo o funcionamento do projetor. Com as duas projeções canceladas, o Cine Santa Isabel, ao contrário dos milhares de roteiros cinematográficos que passaram pela tela dele nos últimos 12 anos, não teve o "The End".

Texto e imagens reproduzidos do site: gauchazh.clicrbs.com.br

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