Cinema - parte interna
Cine Câmara Espaço Cultural
Publicado originalmente no site SANTA BARBARA, em 21 de
junho de 2010
O antigo Cine Vitória, construção em estilo art-decó,
restaurado e revitalizado, funciona desde 2007 como um espaço interativo
destinado abrigar o plenário da Câmara Municipal de Santa Bárbara, além de
servir também à exibição de filmes e apresentações teatrais.
Este cinema, inaugurado no dia 04 de maio de 1939, sob a
denominação de Cine Teatro Santa Efigênia, era de propriedade do senhor
Raimundo Augusto de Castro, apelidado Mundico de Castro, filho de Geraldino
Augusto de Castro e de Dona Ana Ignácia Linhares de Castro, casado com Maria
Ignácia Linhares de Castro, conhecida em toda região pelo apelido de Dona
Quiquita. Além do cinema, a família era proprietária do Bar do Ponto, um
estabelecimento imenso que reunia, além do salão de sinuca, restaurante, bar,
sorveteria e confeitaria. O Bar ficava à esquerda do cinema, com uma extensão
de mais ou menos 25 metros de frente para a Rua João Mota, abrangendo, também
nessa extensão, a entrada de sua residência.
Tal propriedade fazia limite com a relojoaria do Sr. José
Pires, um relojoeiro que consertava relógios de todos os tipos e dele podiam-se
alcançar a ante-sala do cinema, que se interligavam interiormente.
Em seus primeiros anos, o Cine Teatro Santa Efigenia exibiu
os maiores sucessos do cinema nacional e internacional como E o Vento Levou,
Dama das Camélias, Casa Blanca, Morro dos Ventos Uivantes, além das imortais
comédias de Oscarito, Mazaropi e tantos outros. Por seu Palco, além dos
artistas de Santa Bárbara, alunos do Grupo Escolar Afonso Pena, que se exibiam
em magníficos bailados e peças teatrais, passaram também renomadas companhias
de teatro como a de Eva Tudor e a de Procópio Ferreira.
A forma física do cinema era assim. Havia na entrada, uma
porta de ferro sanfonada, em seguida, uma antessala, onde diversos cartazes de
filmes a serem exibidos eram expostos, em seguida, uma porta lateral à esquerda
que dava acesso a um balcão e à cabine, onde situavam duas grandes máquinas
exibidoras de filmes de 35 mm. Do balcão, era possível ver a exibição. Os operadores
eram o Sr. José Barbosa, apelidado “Cheiroso” uma pessoa simples e humilde que
acumulava a função de lixeiro nas vias públicas da cidade, como funcionário da
prefeitura. O lixo coletado era jogado dentro de uma carroça puxada por um
burro de nome Faísca. A segunda máquina era operada pelo Sr. Nôca, irmão do
antigo goleiro do Clube Atlético Aliado cujo nome era Henrique, que veio a
perder a visão em decorrência de um acidente num jogo de futebol.
Os filmes vinham de trem de Belo Horizonte e eram depositados
no antigo armazém, que hoje, restaurado, abriga a Escola de Música “Dr. Luiz
Pinto Coelho”. Um empregado do cinema ia ao armazém para retirar os filmes,
dividido em latas, cujas quantidades variavam de 02 a 10, contendo os rolos dos
filmes. Junto vinha também o jornal cinematográfico, “trailer”, desenho
animado, comédia de curta metragem bem como o filme anunciado e um seriado, que
variava de 12 a 15 episódios. A pessoa assinava um recibo e começava a fazer o
transporte da carga sobre os ombros, tendo que subir uma ladeira íngreme,
chamada Escadinha atrás da oficina da estação ferroviária. Atualmente está
ladeira acha-se desativada. A mesma servia de atalho para alcançar a rua João
Mota, por detrás da Igreja do Rosário. Daí, a pessoa ganhava facilmente o
itinerário até o prédio do cinema.
Do lado de fora do cinema, formava-se uma extensa fila de
pessoas para adquirirem os ingressos, que, na entrada eram entregues a Sra.
Oralda. Sua irmã era vendedora dos ingressos. Após a entrega, os ingressos eram
colocados numa urna de vidro e o espectador tinha que descer uma escada larga
que tinha à esquerda um corrimão até alcançar a sala de espetáculo. Esta sala
tinha o piso plano, ao contrário da forma atual, em declive. A sala tinha mais
ou menos 250 assentos separados por três corredores, um à direita; outro, à
esquerda e outro no meio. Havia, ainda, uma passarela na retaguarda, onde
existia uma fileira de cadeiras, todas encostadas na parede divisória da sala
de espetáculo com a cabine de projeção.
A parede da direita tinha três ou quatro janelas que, à
noite, durante a projeção, permanecia aberta para possibilitar uma ventilação
dentro do ambiente; e nas “matinees” ficavam abertas até o início do filme para
economizar energia quando uma pessoa as fechava mediante o uso de uma vara
comprida, bem como duas portas laterais que serviam de saídas para o quintal do
prédio, utilizado, à noite como banheiro e “fumódromo”, pois o cinema não
dispunha de “toilet”.
Aos domingos, nas seções de “matinée”, era apresentado um
jornal, o trailer de um filme a ser exibido, prossivelmente, uma comedia; seja
ela dos Três Patetas ou do Gordo e o Magro ou, mesmo, um desenho animado sendo
completada por dois episódios de um seriado, este, em reprise da exibição do
sábado anterior, sabendo-se que, aos sábados, além do seriado era exibido,
também um filme de longa-metragem.
Havia uma sirene que apitava três vezes, sendo a primeira
vez, trinta minutos antes do espetáculo; segunda vez, 15 minutos antes e a
terceira vez no momento do início do espetáculo. O tempo vazio da espera era
alegrado por muitas músicas da época, destacando-se aqueles de Emilinha Borba,
Ângela Maria, Bienvenido Granda, Orlando Silva, Nelson Gonçalves, tangos de
Francisco Canaro, Carlos Gardel e tantos outros. No momento do início da
exibição, apagavam-se todas as luzes, sendo as da sala de exibição, da
antessala e aquelas que se situavam em frente a rua João Mota.
A publicidade era feita através de uma distribuição de
programas pela cidade e de um quadro bem visível colocado na Praça da Bandeira,
hoje Praça Pio XII, onde atualmente é o Hotel Karaíba.
O Sr. Mundico de Castro faleceu prematuramente aos 48 anos,
no dia 23 de abril de 1945, o que deu causa à Dona Quiquita assumir o controle
do cinema. Sobrecarregada de responsabilidade advinda da diversificação de suas
atividades comerciais, D. Quiquita se vê forçada a se desfazer do Cine-teatro e
o transfere. Primeiro ao senhor Campelo, da Cia. Força e Luz, pois, notava-se
muito a presença dele nas dependências do cinema e, posteriormente, a um tal
senhor João Goulart. Ao contrário da dona Quiquita que jamais fora vista por
lá; ocupava-se mais com os afazeres do bar.
Por volta do mês de março de 1949, o Cine Santa Efigênia
fechou suas portas, motivando aos santa-barbarenses absterem-se de sua
principal diversão. Mas o período de privação da diversão primordial não se
prolongou por muito tempo, pois, na segunda quinzena de agosto do mesmo ano, o
cinema foi reaberto com o nome fantasia de “Cine Santa Bárbara” pelos novos
sócios Arlindo Magalhães e o Sr. Odilon Pereira Quite - Bite, que acumulava a
função de sapateiro, juntamente com seu pai, Chico Quites. O nome real do
cinema era Empresa Magalhães e Quites, Ltda.
No dia da inauguração houve um foguetório que se desenrolava
desde a Rua João Mota até a Praça da Bandeira. O novo cinema, seguindo os
mesmos moldes do anterior, exibia seriados aos sábados e domingos em “matinée”.
A criançada batia os pés no assoalho, que era de madeira levantamento a poeira
acumulada, que ofuscava o ambiente. Fazia-se necessária a interrupção da seção,
objetivando o retorno da disciplina.
A essa altura, a coletora de ingresso não era mais a Sra.
Oralda e sim, um antigo motorista de táxi, cuja alcunha era Nho-nhô e aos
domingos, quando se tratava dos filmes de primeira linha, havia duas seções,
uma as 18 e outra às 20 horas. Neste caso, o filme podia, ainda, ser reprisado
às segundas-feiras. O operador já não era mais o lixeiro” Cheiroso” e sim o Sr.
José Broa, operador das duas máquinas, tendo em vista o Sr Nôca também ter-se
desligado do cinema. Às vezes, alguém o auxiliava, porém não em caráter
definitivo.
A projeção de filmes era uma tarefa a ser feita por duas
pessoas, sendo cada uma em sua máquina, pelo fato de os filmes virem divididos
de duas a sete partes e cada uma devia ser projetada em uma máquina
alternadamente, variando o tempo, em 15 minutos, em media, cada parte. Enquanto
um concentrava sua atenção na exibição do filme em sua máquina, o outro
rebobinava a parte já exibida, adaptação da outra parte a ser exibida na
máquina, ajuste da lente e adaptação dos carvões, que, no momento de suas
funções, produziam uma luz forte em direção aos espelhos que, por sua vez,
penetravam nos filmes e os projetavam na tela em frente à plateia.
Vale ressaltar que os filmes eram ajustados em posição
inversa nas máquinas, ou seja, de cabeça para baixo, como diz a gíria. Os rolos
de filmes continham uma miríade de quadras, que eram apresentados em movimento
na tela, em conseqüência das trocas dos quadros feitos por uma peça chamada
“cruz de malta”, numa velocidade de 24 quadras por segundo. O espectador não
percebe as trocas dos quadros, porque além da rapidez, existe uma hélice que
passa aos mesmos exatamente no momento das trocas. Muitas vezes percebia-se uma
serie de piscadas intermitentes provocadas pela hélice. Quando uma parte estava
chegando ao final, havia um alerta na projeção manifestado por sinais
representados por uma bola, um traço e um quadro visando a atenção do outro
operador para entrar com sua projeção imediatamente. Costumeiramente, os filmes
rebentavam, ocasionando paralisação da exibição, momento em que se havia
necessidade de acender as luzes da plateia. As emendas eram processadas num
tempo médio de 5 minutos mediante uma cola apropriada.
Como diz o ditado: a alegria do pobre dura pouco, pois, em
1958, três pessoas se reuniram com o propósito de sugerir aos sócios do cinema,
a efetivação de um novo aspecto para o mesmo, sendo elas o gerente do Banco
Mercantil de Minas Gerais, o farmacêutico e um funcionário dos Correios e
Telégrafos.
Tal remodelação fora orçada em CR$ 1.200.000,00(um milhão e
duzentos mil Cruzeiros), importância de que os sócios não dispunham em curto
prazo. Ficou acertado que o cinema passaria a ser uma sociedade anônima; os
sócios da época ficariam como majoritários; as três pessoas assumiriam
subscrição de razoável quantidade de ações e o restante seria captados através
de ações a serem subscritas pela população da cidade. De imediato, o custo das
obras seria financiado pelo Banco Mercantil de Minas Gerais. Diante do exposto,
a sala de espetáculo deixou de ser plana, dando lugar a outra em declive. Houve
mudança na antessala e na cabine com outras maquinas, que substituíram as
antigas. Fora adicionado um corredor à direita para os espectadores. O Sr José
Broa continuou como operador e contava com uma auxiliar.
No dia da inauguração do novo cinema, num domingo,
provavelmente no começo de 1959, realizou-se a exibição de um filme com a
apresentação de uma orquestra sinfônica, restrita aos antigos e novos sócios do
cinema que passou, a partir daí a denominar-se Cine Santa Bárbara S.A. No fim
de 1959 o cinema passou a denominar-se Cine Vitória, cujo nome ostenta ainda
hoje após sua restauração e transformação em espaço interativo e sede do
legislativo municipal.
Hoje, o antigo Cine Vitória, totalmente restaurado e
revitalizado, além de ter de volta sua antiga vocação – a exibição de filmes –
serve também de plenário do Legislativo Municipal com o sugestivo nome de Cine
Câmara – Espaço Cultural.
Texto e imagens reproduzidos do site: santabarbara.mg.gov.br
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