Publicado originalmente no site CLUBE GAZETA DO POVO, em 4 de setembro de 2018
Escondido, cinema mais alternativo de Curitiba tem sessões a R$ 6
Por: Anderson Gonçalves
No coração de um dos bairros mais movimentados de Curitiba, o vaivém de milhares de pessoas começa cedo e vai até tarde da noite. Em poucas quadras, o terminal de ônibus do Portão divide espaço com dois shopping centers e um hipermercado, além de dezenas de pontos de comércio e serviço. Nesse cenário de agitação, uma outra grande construção parece um oásis de calmaria. Ainda que baste apenas sair do terminal e atravessar a rua, não são muitos os que circulam pelo Museu Municipal de Arte (MuMA), onde sempre está rolando alguma exposição, curso, espetáculo ou filme.
“Filme? Mas onde?”, é o que muitos podem perguntar. Afinal, quem passa pela frente não vê nenhuma indicação de que pode haver uma sala de cinema no local. Mas tem. Com sessões diárias que incluem lançamentos, boa parte deles filmes nacionais que passam longe dos multiplexes dos vizinhos shoppings. Basta descer as escadas do MuMA e você irá se deparar com a bilheteria do Cine Guarani, um dos poucos espaços que se aproximam dos antigos cinemas de rua.
Administrado pela Fundação Cultural de Curitiba, o Guarani tem uma história que completa 30 anos no mês que vem. Em 18 de outubro de 1988, a sala foi inaugurada com a exibição do filme Eternamente Pagu, com a presença da diretora do longa, Norma Bengell. Em 2005, no entanto, o espaço foi fechado e passou por uma reforma. Reabriu apenas em junho de 2012, com capacidade para 165 espectadores e, desde então, tem sido um dos redutos do cinema alternativo em Curitiba.
Responsável pelo acervo da Cinemateca de Curitiba e do Cine Guarani, Marcos Saboia explica que a ênfase da programação no local tem sido para o cinema brasileiro. Filmes que não encontram espaço no circuito comercial geralmente ganham ali a oportunidade de serem vistos. “No Brasil se produz muito cinema, mas se exibe pouco. O cinema brasileiro precisa dessa janela e o público, também. Não podemos deixar as pessoas sem uma alternativa além dos blockbusters”, explica.
Além dos brasileiros, filmes estrangeiros alternativos também ganham espaço no Guarani, muitos de cinematografias pouco divulgadas, como de países europeus e latino-americanos. Além das sessões para o público geral, que atualmente custam R$ 12 (R$ 6 a meia-entrada), o espaço também recebe sessões especiais para o público infantil, terceira idade, lançamentos locais e o Cineclube do Cinema Brasileiro, que em alguns sábados exibe filmes brasileiros gratuitamente.
Público pequeno, mas fiel
Na última terça-feira (28) a reportagem foi ao Guarani para acompanhar uma sessão no cinema, mas não teve sorte. Naquela noite não haveria filme porque o local foi reservado para reunião de um grupo de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Mas os dois funcionários fixos do cinema estavam lá. Vicente Cezário da Cruz, o gerente, é quem atende o público na bilheteria. No fundo da sala, longe dos olhares da plateia, quem cuida da projeção é Valdenício Pereira da Silveira, do alto de seus quase 40 anos de profissão.
Eles contaram que, naquela tarde, a sessão do documentário brasileiro Ser Tão Velho Cerrado, de André D’Elia, teve apenas dois espectadores. Uma situação que não é incomum, dado o fato de a sala ser pouco conhecida do grande público. “Tem muita gente que vem aqui para outros eventos e diz: ‘nem sabia que tinha cinema’. Quando isso acontece a gente convida pra conhecer e também procura divulgar mais”, conta Vicente.
O público que frequenta o Guarani em geral pode até ser pequeno, mas conta com alguns espectadores fieis. “Tem alguns que a gente já conhece, estão sempre aqui”, revela Vicente, que diz também não haver um perfil dos frequentadores. “É bem variado, tem um pessoal mais jovem, outros de mais idade…”
Marcos Saboia confirma que, nas sessões regulares, o público é reduzido, mas isso não afeta o funcionamento da sala. “Como não existe a demanda para sustentar o espaço economicamente, nós conseguimos manter essa programação alternativa”, garante. Mas nem sempre as poltronas ficam vazias. Saboia e os funcionários contam que as sessões especiais para crianças e terceira idade são bem frequentadas, bem como quando o local sedia o lançamento de produções locais.
Projetando a história
Valdenício da Silveira conheceu a atividade de projecionista aos 15 anos, quando morava no Mato Grosso do Sul. Aos 19, se mudou para Curitiba e fez “bicos” até conseguir emprego como projecionista no extinto Cine São João. Foi o início de uma carreira que passou pelo Cine Glória, na Praça Tiradentes, que exibia filmes pornográficos, e depois para o Cine Luz, na Praça Santos Andrade, que recentemente lhe rendeu uma curiosa coincidência. Em 1985, ele trabalhou na inauguração da sala, exibindo o filme brasileiro A Marvada Carne, de André Klotzel. Há algumas semanas, 33 anos depois, teve a oportunidade de projetar novamente o mesmo longa no Guarani, como parte de um projeto para a terceira idade.
Funcionário da Fundação Cultural, Valdenício trabalhou no Guarani antes da reforma e conta que foi surpreendido com o anúncio do fechamento, em 2005. “Simplesmente chegaram e disseram: a partir de amanhã não tem mais sessão, o cinema vai fechar. Foi uma grande surpresa, afinal, sempre é triste quando fecha uma sala de cinema”, relembra. Foi transferido para a Cinemateca, onde trabalhou por anos. “Depois que reabriu aqui, quando tive a oportunidade, pedi para voltar.”
Valdenício lamenta que o local não receba um público tão grande quanto deveria. “Até uns dias atrás estávamos exibindo um filme muito bom, O Desmonte do Monte [documentário sobre o Morro do Castelo, no Rio de Janeiro], mas pouca gente viu. Acredito que tem gente interessada, falta divulgar um pouco mais”, avalia.
A exemplo das salas comerciais, quase todos os filmes exibidos no Guarani têm projeção digital, mas o local ainda conta com um projetor à moda antiga, com o velho rolo de negativo. Com quatro décadas de trabalho na cabine de projeção, Valdenício acompanhou o processo de transformação do cinema, tanto no aspecto tecnológico quanto comportamental, com a quase extinção dos cinemas de rua. E se orgulha disso. “Eu vivi a história do cinema.”
Texto e imagem reproduzidos do site: clube.gazetadopovo.com.br
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