O pipoqueiro Antônio Augustino Nascimento.
Aos 83 anos, Ely Cardoso de Barros lamenta o fechamento do Cinema Odeon.
O professor Arturo Netto.
Publicado originalmente no site Puc Rio Digital, em 06/03/2015.
"Cinemas de rua devem inovar sem perder a
essência".
Por Larissa
Fontes e Paula Laureano.
O anúncio de uma parceria do grupo Estação de cinema com a
Net, uma das maiores operadoras de serviços de telecomunicações via cabo da
América Latina, e a reforma do Cine Odeon pelo Grupo Severiano Ribeiro, são
finais felizes para a cidade do Rio, que já chegou a contar com 198 cinemas de
rua, nos anos 1960. Hoje restam 16, alguns dos quais lutam para sobreviver à
crise financeira que assombra produtores e entristece o público. Para manter o
que restou desse patrimônio cultural e afetivo do Rio é preciso modernizá-lo,
afirmam especialistas ouvidos pelo Portal; uma melhor qualidade de som e
imagem, além de mobilidade e segurança no entorno, são medidas que devem ser
asseguradas.
O Grupo Estação assinou a parceria 11 dias antes do seu 29º
aniversário, após correr o risco de fechar. Além de aporte financeiro para
ajudar a quitar as dívidas, que chegam a R$ 43 milhões, a rede, que vai se
chamar Circuito Estação Net de Cinemas, passará por melhorias e expansão dos
cinemas Estação Rio, em Botafogo, e do Estação Gávea. Até janeiro estão
previstas as primeiras mudanças. O novo patrocínio também vai permitir
digitalizar os equipamentos de projeção, fazer um novo site e um aplicativo
para smartphone. Marcelo Mendes, presidente do Estação, lembra as dificuldades
financeiras que já se arrastam há quase uma década. Para o sócio-fundador do
grupo, a mobilização do público teve papel fundamental para sair da situação
negativa (lembre a crise em Cinéfilos se mobilizam para salvar Grupo Estação):
– Foi muito bom saber que influenciamos positivamente a vida
de tantas pessoas.
Viviane Vieira
Viviane Vieira Já o
grupo Severiano Ribeiro, proprietário do Cinema Odeon, prepara uma reforma do
espaço e a instalação de projetores de última geração. Por questões
estruturais, não vai ser possível realizar mudanças radicais, como implantar o
formato stadium, preferido dos cinemas de shoppings, que permitiria uma visão
adequada em qualquer assento. Mas o último cinema da Cinelândia já dispõe de um
som bem projetado e moderno.
Diretor do grupo, Luiz Severiano Ribeiro garante que os
cinemas de rua pelos quais é responsável vão permanecer. “Mas é preciso
melhorá-los, senão o público deixa de ir”, observa. “Vou ao Cine Leblon
(abaixo, também fechado temporariamente) e ouço as pessoas reclamando,
insatisfeitas com a estrutura”. E pondera:
Gabriel Camargo
Gabriel Camargo –
Nenhuma capital do mundo tem tantos cinemas de rua quanto o Rio. Somente o
nosso grupo contabiliza 14 salas, uma no Odeon, quatro no São Luiz, três no
Roxy, em Botafogo e no Leblon. Até Los Angeles, conhecida por ser a casa das
produções cinematográficas, teve seus cinemas destruídos ou transformados em
lojas e shoppings, que oferecem o conforto que o público procura. O que importa
é as pessoas frequentarem cinema, e terem a liberdade de escolher aonde ir.
No entanto, não são poucos os espectadores que acreditam que
o shopping desvaloriza a experiência cinematográfica. Aos 83 anos, Ely Cardoso
de Barros lamenta o fechamento do Cinema Odeon, único cinema de rua
sobrevivente da Cinelândia. Agora, Seu Ely, que nunca abriu mão das salas na beira
da rua, vai ao o Kinoplex São Luiz, no Largo do Machado, quando quer assistir a
um filme.
Não
frequento cinema nos shoppings, não gosto. Acho que não são acolhedoras – alega
o aposentado.
Assista: Moradores da Tijuca lamentam fim das salas do
bairro.
O professor de cinema italiano do Departamento de
Comunicação Social da PUC-Rio Arturo Netto também cita o São Luiz como exemplo
de que cinemas de rua podem inovar sem perder o charme:
– É um lugar simpático. Ao mesmo tempo em que é moderno,
mantém uma atmosfera acolhedora. Acho que os cinemas de rua precisam passar
essa imagem, fazer com que o espectador se sinta em casa.
A jornalista Patrícia Fernandes, de 48 anos, tampouco gosta
de ir ao cinema no shopping. Entende que, quando se vai ao shopping, o cinema
não é o foco, é sempre uma atividade complementar às compras, por exemplo. Para
Patrícia, o tumulto, a barulheira e as filas imensas incomodam.
– O público também é muito diferente. No cinema de rua, as
pessoas respeitam mais o ato de assistir ao filme, são mais atentas a ele e
mais educadas com os outros espectadores. No shopping, é tudo mais impessoal,
menos emotivo – diz.
“O cinema de rua é algo que começa e se encerra ali mesmo” –
completa o crítico Marcelo Janot, que acredita que, havendo condições para que
o público frequente esses cinemas, “ele vai frequentar”.
Outro exemplo de cinema de rua inovador que preserva a
essência e a tradição é o Espaço Itaú de Cinema, em Botafogo, na Zona Sul do
Rio. Lá, filmes de arte convivem com outros de maior bilheteria, o que atrai um
público constante e diversificado. Para o crítico de cinema Marcelo Janot, essa
estratégia permite ao espectador que for assistir a um filme comercial ter
contato com produções alternativas. Além desse diferencial, as salas de
exibição dividem espaço com uma livraria, um café e exposições. “Livros e artes
incentivam a cultura e são complementares ao cinema”, acredita.
A cineasta Márcia Bessa, que pesquisou os cinemas de rua em
sua tese de doutorado em memória social, tem observado a adoção de um modelo de
preservação dos antigos palácios cinematográficos mantendo a maior parte da
arquitetura e decoração, mas com outras finalidades. Márcia observa que os
projetos de reabertura de alguns cinemas não preveem seu retorno como “pura e
simplesmente cinemas de rua”, e cita o Cine Vitória como exemplo. No espaço
onde o cinema funcionava foi aberta a Livraria Cultura, que mantém o nome do
templo cinematográfico na fachada. Outro exemplo é o do Cine Palácio, que,
reformado, será reinaugurado como teatro na Cinelândia.
Hoje
os programas de revitalização estão atrelados à ideia de estruturação dos
centros culturais, oferecendo serviços e entretenimentos diversificados no mesmo
ambiente, viabilizando não somente sua conservação como a manutenção de
atividades culturais no local, junto do uso comercial.
O comerciante Claudemir de Oliveira, de 66 anos, carrega a
imagem das fachadas “incríveis” e dos candelabros de cristal guardadas na
memória. Ele recorda da época em que saía direto do trabalho e entrava nos
cinemas para assistir aos filmes em cartaz.
– Era só entrar. Às vezes assistia a dois filmes em um dia
só, sem burocracia. Hoje os cinemas nos expulsam antes mesmo de a sessão
terminar.
Quando era presidente da Rio Filme, há 20 anos, Paulo Sérgio
de Almeida, hoje diretor do maior portal especializado em mercado de cinema do
Brasil, o Filme B, já intuía a mudança que estava por vir. Com o surgimento dos
shoppings, do conceito multiplex – filmes diferentes transmitidos
simultaneamente – e de uma degradação urbana, previu que o cinema de rua estava
com os dias contados. O diretor acredita que o público demorou a perceber essa
crise:
– Quando fecharam 10 cinemas no Centro e na Tijuca, ninguém
falou nada. Só quando fecharam na Zona Sul que começaram a se preocupar.
Perceberam o desaparecimento dos cinemas de rua quando já era tarde demais. Nas
principais capitais do mundo, como Nova York, Londres e Paris, não existem
cinemas em shoppings, são todos na beira da calçada.
O professor Arturo Netto, por sua vez, acrescenta que a
saudade e o carinho são inevitáveis, mas o público precisa entender que algumas
operações, por trás do afeto, tem um custo, e precisam ser viabilizadas.
Temos que entender que o setor de exibição parte de uma iniciativa privada e
que existe uma lógica de viabilidade para continuar a existir. Nenhum
empresário vai iniciar uma atividade com a perspectiva de ficar no vermelho –
conclui Arturo.
O que tem que ser preservado, para Severiano Ribeiro, é a
experiência de ir ao cinema: “O saudosismo e o romantismo pelo cinema de rua
não podem existir sem o mais importante, que é o que acontece dentro da sala de
exibição”.
Na opinião de Paulo Sérgio, é preciso conciliar vontade
política do governo, especulação imobiliária e demanda popular. Além desses
interesses, ainda precisa-se considerar o planejamento urbano de cada cidade.
Neste sentido, alterar o espaço interno não é suficiente; é necessário que o
entorno do cinema de rua esteja em boas condições também. Janot diz que
oferecer segurança, transporte público e estacionamento ao redor são medidas
imprescindíveis para atrair mais pessoas: “É um trabalho em conjunto entre
empresários e prefeitura”.
Estabelecimentos vizinhos também foram afetados pela crise
dos cinemas de rua. As portas da Chopperia Cinelândia, ao contrário das do
Odeon, continuam abertas, mas o encerramento das atividades do cinema afetou
diretamente os lucros do restaurante, segundo Manuel Messias Polessa, garçom do
estabelecimento há 11 anos. Manuel, de 50 anos, afirma que o mês de setembro
era motivo de comemoração todo ano, devido ao Festival do Rio.
– Prejudicou muito o restaurante. O movimento caiu bastante,
principalmente à noite. Era um mês muito esperado, porque muita gente vinha
para o Festival. Este ano nem isso nós tivemos – lamenta o garçom.
“A
Cinelândia levou um tombo e eu tomei marcação de boi, com ferro quente”,
lamenta o pipoqueiro Antônio Augustino Nascimento, que há 31 anos trabalha em
frente ao Cinema Odeon. Aos 60 anos, Antônio coleciona lembranças dos tempos de
maior movimento do bairro e relata as mudanças que ocorreram diante de seus
olhos. As pessoas saindo todas juntas depois que a sessão acaba é a maior
saudade do pipoqueiro, que chama atenção para o vazio que ficou principalmente
durante a noite. O vaso de planta que fica na esquina do cinema é a prova do
abandono, segundo Antônio.
– Até a plantinha já está morrendo. Às vezes vou molhar e
também pedi para o rapaz do cachorro-quente jogar a água que sobrar lá para ela
não morrer – conta com tristeza o último pipoqueiro da Cinelândia.
História de altos e baixos
No Brasil, os anos entre 1920 e 1950 foram marcados pelo
auge do cinema de rua, que teve como início a instalação das salas na
Cinelândia. Em 1925, a cidade do Rio foi contemplada com os grandes palácios
cinematográficos que começaram a ser erguidos nas calçadas, em meio ao centro
urbano. Com arquitetura luxuosa, atraia olhares e conquistava o público.
Salões, galpões, teatros e circos foram o cenário das
primeiras projeções. Na década de 80, os cinemas começaram a fazer parte dos
shoppings, acompanhando o movimento da sociedade e buscando a otimização dos
custos, a partir dos conhecidos multiplex.
Nos anos 90, em consequência do plano de estabilidade
econômica do Plano Real idealizado pelo então presidente da República Fernando
Henrique Cardoso, o Brasil atraiu olhares de fora. Os players internacionais
chegaram e o cinema comercial começou a se expandir. O cinema de rua, por outro
lado, não atraiu mais os olhares de investidores.
Pouco mais de cem anos depois do auge, podemos contar nos
dedos as salas de exibição de rua existentes na cidade. Para a especialista
Márcia Bessa, a história desses espaços sempre foi marcada por dificuldades.
Mas a conjuntura crítica do desaparecimento dos “movie palaces” desencadeou uma
crise estrutural. No entanto, nem mesmo as inovações tecnológicas e a divisão
dos espaços internos poderiam prever a saída do cinema das ruas:
– Os palácios cinematográficos entraram em xeque com a
contemporaneidade.
Segundo Márcia, tudo está em um constante processo de
mudança no que diz respeito à experiência cinematográfica, desde as imponentes
fachadas ao acender das luzes. A pesquisadora afirma que as poucas salas
sobreviventes se transmutaram e “parecem ter sua morte anunciada nas ruas para
viver nos shoppings”.
Segundo Arturo Netto, é inegável a relação afetiva com as
salas, mas é preciso ser racional, já que cinemas, como qualquer negócio,
precisam de rentabilidade e retorno:
– Muita gente tem uma relação afetiva com o local pelo doce
prazer de passar em frente e ver que a casa está aberta. Mas abraçar o cinema
não é suficiente. É preciso frequentar para mantê-lo vivo. Afinal, essa é a
razão de ele existir.
Texto e imagens reproduzidos do site: puc-riodigital.com.puc-rio.br
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