As cadeiras do antigo Cine Eldorado dão assento aos espectadores
do cineclube na Cantina do Zé Ferreira.
Humberto e Edimilson: paixão pelo cinema e vontade de preservar a memória da cidade
Fotos: Rejane Lima
Publicado originalmente no site Cariri Revista, em 27 de outubro de 2015
O esconderijo das memórias
Por Clara Karimai
A começar pela enorme fotografia em sépia de uma família
formal vestindo trajes finos e que revela os costumes de uma época, a Cantina
Zé Ferreira é um espaço onde cada canto e cada peça remontam uma história que
começou no século XIX. Piso rústico, quadros dispostos aleatoriamente pelo
longo corredor e muita, muita memória.
A primeira moradora foi Joana Tertulina de Jesus, a popular
beata Mocinha. Das mãos da cuidadora do Padre Cícero, o imóvel chegou à família
de José Ferreira de Menezes, que também prestava serviços ao padre como
advogado – além de ser amigo íntimo do religioso. O documento que oficializou a
contratação de Zé Ferreira para o cargo de advogado da Câmara Municipal,
escrito a próprio punho pelo padre, está preservado como relíquia num quadro,
no primeiro cômodo da casa.
Ao longo de tantos anos, ela já não guarda mais as
especificidades para que foi construída. Deixou de ser moradia e agora guarda a
memória de Juazeiro do Norte e do cinema. O desejo de rever o lugar com a
arquitetura que foi concebida foi o que motivou Humberto Menezes (59), atual
proprietário e neto de José Ferreira, a restaurar a casa e dar outra utilidade
ao ambiente.
A herança de Humberto, unida à coleção de mais de 15 mil
filmes do professor e amante do cinema Edimilson Martins (82), fez renascer o
extinto Cine Eldorado. As velhas cadeiras doadas por Expedito Costa, antigo
dono do cinema de rua, se mudaram para o sótão e agora o lugar é um espaço de
exibição de filmes toda sexta-feira a partir das 19 horas. Até chegar à sala de
projeção, os espectadores podem conhecer a história da cidade, de costumes,
utensílios, móveis, músicas e quadros de filmes clássicos. Nas manhãs de quinta, os assentos são
ocupados por alunos de escolas públicas. “O cinema também educa”, diz
Edimilson.
Mesmo agregando um museu e um cinema, a fachada anuncia um
bar, a Cantina Zé Ferreira. Lá nos fundos, onde um dia foi um quintal, petiscos
e bebidas são vendidos. De uma forma curiosa, quando algumas luzes são
apagadas, a boa e velha lamparina que fica em cima de uma radiola produz um
sombreamento inesperado, formando um contorno que lembra a silhueta do
patriarca, Cicero Romão Batista, na parede amarelada. Nesse clima místico,
Humberto não sabe se acredita ou não na relação disso com o histórico de
vivências do padre naquele lugar, mas prefere não mudar. “Ele costumava armar a
rede aqui para descansar e também fez importantes reuniões nesse local. Desde
que minha esposa notou essa sombra, resolvi deixar como está”, diz ele.
Talvez apenas uma pequena parcela dos 260 mil habitantes de
Juazeiro saiba da existência da Cantina Zé Ferreira, na rua Padre Cícero.
Certamente, a maioria conhece o Horto, o Memorial e as igrejas – pontos
preferidos pelos mais de 2 milhões de romeiros que vêm todos os anos. Juazeiro
do Norte vai além do Padre Cícero, e nessa velha casa preservada pelos descendentes
de José Ferreira, talvez a história esteja contada com muito mais riqueza de
detalhes mostrando as diversas perspectivas da nossa história. Não é um convite
a voltar para o passado, mas, sim, uma nova forma de usar as memórias
preservadas para dar um novo significado a elas.
Texto e imagens reproduzidos do site: caririrevista.com.br
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