Seu Anacleto lembrou dos anos gloriosos da telona
Foto: Paulo Pires/GES
Publicado originalmente no site do DIÁRIO DE CANOAS, em 01
de dezembro de 2017
Anacleto viveu o cinema do apogeu à queda
Projetista trabalhou por quase três década no Cine Teatro
São Luiz
Por Leandro Domingos
Ênio Menezes de Souza sempre gostou de cinema e teve
interesse particular em história. Pois foi lendo o jornal Diário de Canoas que
ele observou uma "matéria" sobre o Cine Teatro São Luiz, que
frequentou desde criança. Segundo ele, faltava "algo" à reportagem.
Faltava o depoimento do Milton Anacleto Zimmermann, projecionista do popular
cinema ao longo de quase três décadas. É que aos 87 anos, seu Anacleto, como é
conhecido, continua lúcido e cheio de lembranças. "Esse homem é um arquivo
vivo de uma época", ressaltou, entusiasmado, o funcionário público
aposentado de 60 anos.
Pois foi com este mesmo entusiasmo que nossa reportagem
encontrou o velho "operador de cinema" na casa do Ênio, ontem pela
manhã. O bate-papo aconteceu em meio a centenas de fotos antigas, pôsteres e
adereços que o antigo funcionário do Cine Teatro São Luiz guarda com carinho.
Jogada sobre a mesa, como se fosse só mais uma peça, estava a Carteira de
Trabalho dele, assinada por Francisco Busato, o dono do cinema, em 1º de
novembro de 1950. "Eu trabalhei com o meu pai na construção do cinema. Era
marceneiro na época", recorda. "Aí um dia eu chamei o velho num canto
e pedi uma boquinha", brinca.
A partir daí, Anacleto tornou-se o homem responsável por
"fazer o filme andar." Foram anos gloriosos. Afinal de contas, os
anos entre a década de 50 e 60 foi a época de grandes épicos como "Os Dez
Mandamentos", "Ben-Hur" e "Spartacus", espetáculos que
arrastavam multidões para as salas escuras. "Eu anunciava em um megafone:
hoje à tarde, não percam Sansão e Dalila! E tinha certeza que o público vinha.
Não tinha TV naquele tempo. A atração principal era o cinema mesmo", conta
ele sobre o que chama de apogeu do Cine-Teatro São Luiz.
Com a chegada da TV, o público foi embora
Francisco Busato, avô do atual prefeito, Luiz Carlos Busato,
sempre foi um otimista. Também pudera! Durante toda a década de 50, o
"negócio cinema" rendia sacolas de dinheiro para a família, que
mantinha, além do Cine-Teatro São Luiz, o Cine Niterói e o Cine Rio Branco. Só
que a televisão chegou a mudou essa história toda. E isso já a partir de meados
dos anos 60. Foi nos anos 70, no entanto, que o golpe foi mais forte. "A
TV era novidade e as pessoas queriam ficar em casa", lembra. "Haviam
filmes que traziam mais gente ao cinema, mas nada como antigamente."
Ficou marcada em especial uma sessão já no apagar de luzes,
no ano de 1977. Anacleto não lembra o nome, mas recorda bem que era um filme
estrelado com a grande atriz Ingrid Bergman. Ao se preparar para trocar o
segundo rolo de filme pelo terceiro, um lanterninha teria subido a cabine e
avisado: não havia ninguém mais na sala. "Naquela época as pessoas já não
davam mais bola, não importa o quanto fosse bom o filme", diz. "Eu
cantei a pedra ao Busato que a TV chegaria e o público iria embora."
Seu Anacleto, o ladrão de cenas
Não foram poucos os sucessos do cinema, nacional ou não, que
foram mutilados pela censura vigente no Brasil. Os censores
"cortavam" cenas ou mesmo sequências inteiras, o que deixava muitas
produções sem nexo. Só que no período não havia informação como hoje. O
computador não era nem um sonho ainda. O resultado é que muita gente culpava
seu Anacleto quando as cenas "pulavam."
"Não era como dizem por aí. O sujeito estava vendo o
filme e de repente a história dava um salto", lembra. "Me chamavam de
ladrão. Diziam: ladrão de cenas! E nem era só aquelas de sexo. Se era muito
violento, eles cortavam também", observa. Tamanha era a irritação do
público, que o projecionista inclusive cita um cliente mais irritado que, para
se acalmar, teve de ser levado até a cabine para entender como funcionava o
processo de exibição. "Foi só quando entendeu tudo que ele se
acalmou."
O Cine Teatro São Luiz tinha 1200 lugares. Logo na abertura,
a chanchada "Carnaval de Fogo", com Oscarito e Grande Otelo, foi o
primeiro filme a lotar a sala de exibição. "Aviso aos Navegantes" foi
outro. Já nos anos 70, Sônia Braga monopolizava as atenções com produções que
causavam furor, como "A Dama da Lotação".
Anacleto guarda em casa centenas de cartazes de produções
que foram censuradas nos anos de chumbo. Quer dizer, os filmes até eram
exibidos, mas os pôsteres eram considerados um atentado contra a família
brasileira, por isso eram obrigados a ficar guardados. Pensando bem, nem hoje
cartazes de produções como Escola Penal de Meninas Violentadas seriam mostrados
exibido.
Para quem reclama do excesso de comerciais antes de um filme
ser exibido hoje, uma advertência: sempre foi assim. A prova são as lâminas que
Anacleto guarda em casa e que eram mostradas antes do filme começar. Tem
anúncio de tudo, de pizzaria a funerária; de restaurante a restaurante.
Era cinema, mas também era teatro
Um frequentador assíduo do São Luiz, Ênio ressalta que
assistiu no local também a grandes espetáculos de dança e teatro. "As
pessoas se esquecem que era um bom teatro também", reforça. "Eu mesmo
vi espetáculos lindos ainda quando era criança. Lembro bem porque a minha mãe
dizia que a gente tinha que lavar os pés para ir ao São Luiz. Era a única
exigência dela", brinca.
Já foi notícia
Entre os dias 10 e 13 de outubro, o Diário de Canoas
publicou uma série de reportagens sobre a história do cinema em Canoas. A
cobertura foi dos primeiros cinemas instalados na cidade até a chegada do
Cinemark. No meio dessa história, estava registrado o monopólio montado pelas
famílias Busato e Caponi na cidade, período em que o Cine-Teatro São Luiz fez
história.
Texto e imagem reproduzidos do site: diariodecanoas.com.br
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