Paixão resiste ao tempo

Legenda da foto: O proprietário Arnaldo Henke, 76 anos, busca patrocinadores para manter o cinema vivo (Crédito das fotos: Mateus Bruxel/Agência RBS) 

Publicado originalmente no site DIÁRIO GAUCHO, de 16 de janeiro de 2014 

Paixão resiste ao tempo 

Única sala de cinema de Viamão, na Vila Santa Isabel, está com os dias contados 

Por Aline Custódio 

 

Os profundos olhos azuis de Arnaldo Henke, 76 anos, marejam quando ele conta os meses que faltam para se despedir da grande paixão de sua vida: a única sala de cinema de Viamão, da qual é dono há oito anos, localizada na Vila Santa Isabel - a 15km do centro da cidade. 

 

Justamente no ano em que completa meio século trabalhando com cinema, Arnaldo deverá desligar-se à força da função. Alegando não ter condições financeiras de trocar o quase centenário projetor alemão Ernemam II por um equipamento digital, ele planeja liberar ao público as 151 poltronas vermelhas por mais dez meses. Até lá, buscará patrocinadores que o ajudem com a tecnologia necessária para manter viva a sala por mais tempo. 

 

Filmes são dublados 

- Continuo insistindo por paixão, porque gosto. Alguns me dizem "vai embora, fica em casa". Mas, se eu for embora, eu morro - justifica Arnaldo, dando um meio sorriso para tentar esconder a emoção.  

Para tentar atrair público, o dono do Cine Santa Isabel só passa filmes dublados nas três sessões diárias, exigência dos clientes, e ao preço de R$ 5 - R$ 2,50 para idosos. Mesmo assim, há dias em que nenhuma pessoa aparece. 

- Os três meses do verão são os piores. No final de semana, quando deveria ser a maior lotação, não consigo reunir 30 pessoas nas três sessões - lamenta. 

"Vocês me deram sorte!" 

Na terça-feira passada, dois minutos antes de iniciar a primeira sessão do dia, Arnaldo olhava o vazio da sala. Já pensava em suspendê-la quando surgiram clientes apressados _ oito crianças e dois adultos - para ver o desenho Um Time Show de Bola. - Temos dez telespectadores! É muita gente! Vocês me deram sorte! _ vibrou Arnaldo, olhando para a equipe de reportagem. 

Memórias da época das matinês lotadas 

Arnaldo começou a trabalhar com cinema aos 26 anos, convidado pelo cunhado Milton Dienstmann, proprietário de uma sala em Estância Velha. Depois, ajudou a montar outros seis cinemas - em Campo Bom, Alvorada, Cachoeirinha, Viamão, um drive-in em Tramandaí, no início da década de 80, e, até, um cinema na Rua Dona Firmina, no Bairro Partenon, na Capital. 

- As matinês com os filmes do Teixeirinha e do Roberto Carlos lotavam. Os faroestes também. Era a época de ouro do cinema - suspira. 

Casamento com a bilheteira 

E foi na bilheteria de uma das salas que Arnaldo conheceu o verdadeiro amor da vida dele: a mulher Tereza, 77 anos, com quem está casado há 35. Ela era a bilheteira do antigo cine Rian, de Viamão, do qual ele era proprietário. 

Na última pergunta da entrevista, sobre do que ele mais sente saudade da época dourada do cinema, Arnaldo pensou por quase um minuto antes de responder. 

- Vender os ingressos - resumiu... 

Texto e imagens reproduzidos do site: diariogaucho.clicrbs.com.br