Imagem reproduzida do YouTube
Texto publicado originalmente no site Comercio do Jahu, em 30/04/2017
"Vocês têm uma ótima história para contar!"
Foi com essa frase que Seu Chico motivou cineastas de São
Paulo a retratarem a história do cinema de Dois Córregos
Por Natália Gatto Pracucho
Desde 1940, quando seu pai comprou um cinema na cidade de
Dois Córregos, a vida de Francisco Telles passou a ser dedicada a esse lugar.
Esse é o mote de “Cine São Paulo”, documentário dos diretores Ricardo Martensen
e Felipe Tomazelli que resgata as memórias do personagem, o Seu Chico, da
própria cidade Dois Córregos e sua população.
Moradores de São Paulo, os cineastas descobriram a cidade
vizinha a Jaú em 2011, quando a visitaram por conta de outro projeto.
Conheceram Seu Chico, o Cine São Paulo (atualmente Centro Cultural Nilson Prado
Telles) e se interessaram pela história do local.
Anos mais tarde, quiseram retratar a paixão do personagem
pelo cinema por meio do documentário intitulado “Cine São Paulo”, que acaba de
ser lançado durante o festival É Tudo Verdade, em São Paulo e no Rio de
Janeiro. Aclamado pela crítica e pelo público, o primeiro longa-metragem dos
cineastas ganhou, inclusive, sessão extra hoje no É Tudo Verdade.
O Comércio do Jahu conversou com Ricardo Martensen e Felipe
Tomazelli sobre as motivações para o longa, principais dificuldades e futuro do
filme. Durante a conversa, Felipe Tomazelli contou que o personagem Francisco
Telles vem acumulando registros de que o Cine São Paulo talvez seja o cinema
mais antigo em funcionamento do Brasil.
Documentos provam que a sala estava sendo construída em 1910
e entrou em operação em 1911 – atualmente o cinema considerado mais antigo do
País é de 1912 e está em Belém, no Pará. “Essa luta solitária do Seu Chico
também é uma luta pelo cinema mais antigo do País”, diz Tomazelli.
A outra luta solitária foi para que o cinema conseguisse ser
restaurado após ser interditado por questões de segurança. E Ricardo Martensen
antecipa que Jaú, por meio do Moviecom (atual cinema do Jaú Shopping), ajudou
em determinado momento da reforma. Para saber em qual, basta torcer para que o
filme seja distribuído nas salas comerciais de cinema.
Comércio do Jahu – Vocês conheciam Dois Córregos?
Ricardo Martensen – Em 2011, durante o Circuito Sesc de
Artes, fiz pequenos curtas-metragens pelas cidades que a gente passava e fui
até Dois Córregos com o projeto. A temática era justamente falar sobre a
cultura das cidades e acabei descobrindo lá o Cine São Paulo, o Centro Cultural
Nilson Prado Telles e o Seu Chico (Francisco Telles), e naquela ocasião já
achei a história muito interessante. Em 2015, eu e Felipe (Tomazelli),
conversando sobre novas temáticas e novas histórias, nos lembramos do Seu
Francisco, ligamos para ele e descobrimos que o cinema estava interditado por
questões de segurança e que ele iria começar a reforma para fazer o cinema
voltar a funcionar. A partir daí começamos a acompanhar essa reforma e a fazer
o filme.
Comércio – Por que decidiram retratar o “Cine São Paulo”?
Felipe Tomazelli – Primeiro porque, na primeira ligação que
fizemos para o Seu Chico, quando descobrimos que o Cine São Paulo estava
interditado, ele nos disse uma coisa muito importante: “vocês têm uma ótima história
para contar!”.
Martensen – Como cineastas, ver um senhor lutando para
manter um equipamento cultural, especificamente um cinema em uma cidade pequena
do interior, é uma temática que de imediato nos apaixonou. E a luta solitária
desse senhor pela cultura da cidade, ainda que não represente uma atividade
comercial lucrativa, foi algo que instantaneamente nos chamou a atenção.
Queríamos entender as razões do Seu Chico de tamanha paixão por esse cinema.
Tomazelli – Outra questão importante, um dado que deveria
assombrar a todos nós brasileiros, é que apenas 10% das cidades brasileiras
possuem sala de cinema. E ver uma pessoa nessa luta solitária de manter um
equipamento por uma iniciativa pessoal nos faz pensar e indagar: por que no
Brasil os equipamentos culturais estão nesse estado ou, na maioria das cidades
pequenas, estão inclusive todos fechados?
Comércio – Há quanto tempo estão trabalhando no
documentário?
Martensen – Começamos as filmagens em janeiro de 2015 e
acompanhamos todo o processo da reforma até a reinauguração do cinema, que
ocorreu em setembro de 2015. O filme foi autofinanciado, então a gente também
tinha limitações orçamentárias e, por isso, fomos fazendo no nosso tempo livre.
Entre as filmagens e finalização do filme, foram quase dois anos de trabalho.
Comércio – Quais foram as maiores dificuldades?
Tomazelli – A primeira é justamente essa questão da gente
não ter conseguido financiamento. Tentamos diversas formas, via editais de
cultura, de cinema, financiamento privado e, como não houve, foi um grande
desafio para a gente conseguir fazer que o filme acontecesse dentro das nossas
possibilidades financeiras. Outra coisa que agravava um pouco essa situação é
que nós dois somos de São Paulo e Dois Córregos está a 300 quilômetros.
Tivemos, portanto, que acompanhar toda a rotina da obra e todo esse processo
que o Seu Chico estava vivendo com essa distância. Muitas vezes tínhamos que
combinar com Seu Chico, explicar porque era importante ele nos contar todas as
novidades para que conseguíssemos chegar a tempo de contar o filme.
Comércio – Quais partes elencam como as mais importantes (ou
emocionantes) do documentário?
Martensen – O “Cine São Paulo” é uma saga, retrata uma
epopeia meio quixotesca de um personagem solitário que luta para atingir um
objetivo que, às vezes, parece impossível. Em vários momentos a gente fica em
dúvida se de fato essa epopeia vai ser concretizada, se esse senhor irá atingir
os objetivos dele. Essa tensão está sempre muito presente e, além disso, essa
obra o tempo inteiro vai trazendo memórias do Seu Chico, da vida dele, da vida
do cinema, da vida da cidade, da vida das pessoas da cidade. Então é uma
história sobre memória e também sobre legado, sobre o que ele pretende deixar.
Comércio – O que acharam do resultado final?
Tomazelli – É difícil para nós, diretores, ter essa dimensão
se atingiu ou ultrapassou as expectativas. O que acho importante é que o filme
estreou agora no festival É Tudo Verdade e o público tem respondido muito bem.
A gente percebe que há emoção, que há graça nos momentos cômicos, que as
pessoas de certa maneira saem inspiradas pelas posturas do Seu Chico. Nesse
sentido nós ficamos felizes de ver que há um diálogo orgânico entre a plateia e
o filme.
Comércio – Como se deu o processo para participar do
festival É Tudo Verdade?
Martensen – O festival É Tudo Verdade, que está na sua 22ª
edição, é o maior festival de documentários do Brasil e da América Latina. É um
festival muito tradicional, que moldou a história do documentário recente
brasileiro e que recebeu por volta de 2 mil inscrições nesse ano. Ser
selecionado nesse universo nos deixou, claro, muito felizes e confiantes de que
a gente tem um filme que de fato é relevante, que traz uma questão importante
do acesso à cultura do País, da permanência dos cinemas de rua e dos cinemas em
geral das pequenas cidades.
Comércio – Acreditam que o “Cine São Paulo” seja o trabalho
de vocês que mais teve repercussão?
Tomazelli – Eu e Ricardo somos sócios-diretores da Trilha
Mídia, uma produtora especializada em documentários. Durante nossa carreira em
conjunto já produzimos alguns curtas, médias e esses filmes tiveram espaço em
festivais nacionais e internacionais, mas o que a gente percebe é que “Cine São
Paulo”, até agora, é o que promete uma repercussão maior. É o nosso primeiro
longa, obviamente longa-metragem é um formato que já dialoga mais com o público
e percebemos que ele naturalmente chega a um número de pessoas muito maior.
Comércio – Como e quando o público em geral conseguirá
assistir ao documentário?
Martensen – O filme estreou agora no festival É Tudo
Verdade, em junho será exibido nos EUA, em Washington, e depois ainda
pretendemos que ele vá para alguns outros festivais do Brasil e do mundo. Mas a
ideia é estrear o filme em circuito comercial de salas, afinal é um filme sobre
uma sala de cinema. Para isso precisamos conseguir alguma forma de
financiamento, porque essa distribuição envolve custos e, como é uma produção
totalmente independente, ainda estamos em busca de patrocínios e formas de
conseguir viabilizar essa distribuição. A nossa ideia é que no começo do ano
que vem o filme vá para salas de cinema tanto em São Paulo quanto no Rio de
Janeiro. É uma vontade muito grande nossa também que o filme entre em cartaz aí
na região, em Jaú, e na própria Dois Córregos, é claro.
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