Fotos: Tatiana Fortes
Publicado originalmente no site do Jornal O POVO, em 29/01/2018
Conheça o Cine Nazaré, o último cinema de bairro ativo em
Fortaleza
Por Teresa Monteiro
Último cinema de bairro de Fortaleza, o Cine Nazaré se
mantém ativo graças aos esforços de Seu Vavá, que aos 87 anos continua
apaixonado pela sétima arte
Entre a Vila Nazaré e os apartamentos “Maricota”, no bairro
Parque Araxá, um portão de cor amarela com a placa de “proibido estacionar”
chama atenção bem ao lado de uma pequena oficina de “faz-tudo, conserta-se de
um tudo”. O imóvel de número 65 da rua Padre Graça é endereço — vejam só! — do
último cinema de bairro que ainda resiste à modernidade da quinta capital do
País.
Batizado de Cine Nazaré, uma homenagem à antiga proprietária
(Ernestina Medeiros) devota da santa em questão, o local foi inaugurado na
Fortaleza de 1941. Desde 1970, Seu Vavá — corpo franzino que já abarca 87 anos
de vida — é o dono do estabelecimento, atualmente parado para reformas. “O
salão está pronto, mas o hall de entrada onde eu pretendo fazer uma salinha de
musculação (para os meus amigos da Melhor Idade), está toda quebrada”,
antecipa.
A visita tomou uma parte da tarde de segunda-feira, 22.
Apesar da visível, porém compreensível bagunça, o ambiente mantinha uma aura
que a Cidade já não comporta em pleno século XXI. Portão aberto, duas paredes
oferecem, de certa forma, o “cardápio” de astros e divas presente naquele
cinema: de Rita Hayworth a Gary Cooper, de Sophia Loren a Oscarito. Além de
dedicatórias: “Seu Vavá, quando vai ser a reinauguração? Me avise...”
Na sala de projeção, de paredes e chão escuros pelo carpete,
75 cadeiras vermelhas dividem espaço com algumas luminárias brancas. O
banheiro, um charme com os dizeres na entrada para os respectivos sexos:
“senhora” e “cavalheiro”. “Hoje em dia, não existe mais cinema. Esses shoppings
de hoje têm umas televisões grandes! Cinema mesmo, assim de verdade, como eu
faço, só esse aqui!”, gaba-se.
A paixão de Seu Vavá pela sétima arte tem como primeiro
cenário o antigo Cineteatro São José (praça Cristo Redentor).“Em 1939, chegamos
em Fortaleza ali pela (rua) 25 de Março, que terminava lá no São José. Um dia,
desci e fui lá no cineteatro. Tinha as portas laterais, aí quando eu vi aquele
negócio (na tela), aquelas fotografias, aqueles homens montados nos cavalos...
Aquilo, pra mim, foi uma maravilha! Naquele tempo, havia cinema em todos os
bairros; no Otávio Bonfim, tinham dois”, conta. O interesse cresceu de tal
forma que, aos 16 anos, ele já tomava conta do primeiro cinema. “Aí ele pegou
fogo, enfim...”
Subindo as escadinhas do “Maricota” (que também são de sua
propriedade), Seu Vavá, enfim, nos leva ao acervo de filmes que não se resume a
películas de 16mm e 35mm – segundo ele, são mais de dois mil filmes. Muitas
produções em VHS e até DVDs bem recentes inundam a parte de cima de um dos quartinhos
que serve de depósito. “Eu nem peço, as pessoas chegam aqui e me dão esses
filmes!”. A maioria dos gêneros segue a linha dos romances e os clássicos
faroeste, popularmente conhecidos como “bang-bang”.
“Do Chaplin, só tenho em VHS. Mas tenho A Paixão de Cristo
em cinema mudo!”, apressa-se em dizer. O maquinário é um caso à parte, datado
das décadas de 1920/1930. “Essa aqui (referindo-se ao projetor) é uma Philips
holandesa! Comprei ele — pra você ver — por uns 200 cruzeiros, acredita?”,
ri-se. Cheio de histórias e sempre solícito, Seu Vavá só esmorece o olhar
quando o assunto é dona Maria, 85, esposa falecida há exatos nove meses. Com
ela, teve três filhas e quatro netos.
“Imagine você, né, 60 anos com a mesma mulher! Não é pouca
coisa, não... Eu ainda tô meio assim, tentando me distrair e coisa e tal,
ficando aqui na oficina... Por isso que parei com a reforma”.
Vavá de ‘Vargas’
“Nasci em 1930. Naquele tempo, o Getúlio estava em campanha.
Então, nasce o Vavá, eu, primeiro filho do meu pai. Ele, que era político,
coloca meu nome de Raimundo Getúlio Vargas. Com pouco, ficou Vavá. Quando eu
cheguei na idade de servir ao Exército, fui me alistar. ‘Cadê sua certidão de
nascimento?’ Sei nem o que é isso! (risos) Quer dizer: meu pai nunca havia
feito meu registro. Aí eu cheguei no cartório, ali na Floriano Peixoto, e me
registrei. Morreu o Vavá e nasceu o Raimundo Carneiro de Araújo”.
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* LIVRO-REPORTAGEM Formada em Jornalismo pela Universidade
Federal do Ceará (UFC), Júlia Ionele é autora de Cine Nazaré – Um Cinema Vivo
(2017). O livro-reportagem, escrito como trabalho de conclusão de curso,
resgata a história do local pelo viés afetivo.
Texto e imagens reproduzidos do site: opovo.com.br
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