sábado, 2 de dezembro de 2023

Memórias de uma geração marcada pelos cinemas

Legenda da foto: O Cine Olana, inaugurado em 1953 e que antes foi Cine-Theatro Ideal. Foi de todos o mais longe da cidade, tendo perdurado por cerca de 50 anos - (Crédito da foto: cinemasdesp).

Publicação compartilhada do site CORREIO DE ITAPETININGA - SP, de 7 de novembro de 2022 

Memórias de uma geração marcada pelos cinemas

Por Vitória Mendes

No aniversário de 252 da cidade, uma reportagem especial relembra os tempos áureos do cinema em Itapetininga

Em uma época quando pouquíssimas famílias tinham televisão em casa, o cinema era a diversão de toda Itapetininga. Grandes filmes norte-americanos brilhavam nas telonas da cidade que, ao longo do século XX, chegou a ter seis cinemas, sendo que quatro deles operaram ao mesmo tempo.

Cine-Theatro Ideal, Cine Olana, Cine São Pedro, Cine Itapetininga, Cine Theatro São José, e Cine Aparecida do Sul, cada um deles com suas características próprias são lembrados até hoje por uma geração que ainda se sente encantada ao lembrar dos tempos de outrora.

Ir ao cinema era uma atração, uma forma de ver as pessoas se movimentando, e que também fazia parte da rotina da sociedade daquela época. Como era o caso do colunista do Jornal Correio, Ivan Barsanti, que relembra os tempos quando ele, aos fins de semana, frequentava o Cine Olana.

“Grandes filmes americanos passavam no Cine Olana e a primeira sessão de domingo era considerada a mais elegante. As pessoas vestiam seus melhores trajes para assistir os filmes, os homens com ternos bem cortados e de gravatas, e as mulheres com suas finas indumentárias”.

O Cine Olana, inaugurado em 1953 e que antes fora Cine-Theatro Ideal, foi de todos, o cinema mais frequentado e mais longevo da cidade, tendo perdurado por cerca de 50 anos. Nele, artistas de Hollywood apareciam frequentemente nas telas, podemos citar alguns como:  Ingrid Bergman, John Wayne, Clark Gable, Loretta Young, Marilyn Monroe, Bette Davis, Victor Mature, Elizabeth Taylor, entre outros.

De segunda a sábado, o Cine Olana exibia uma sessão, sendo de terça a sábado um filme diferente por dia, e aos domingos haviam duas sessões de um mesmo filme que se repetia no dia seguinte.

Um dos últimos filmes que arrebatou o público, foi “Titanic”. “No dia de estreia o proprietário teve que fechar as portas para que mais pessoas não entrassem”, relembra Ivan.

A ida aos cinemas não era apenas uma forma de entretenimento, mas era também um encontro social. “Antes do filme o pessoal ficava na sala de estar fumando e conversando, diferente de hoje em dia que os cinemas de shoppings são mais frios, você entra só pra ir no cinema, antigamente era diferente, você ia para encontrar com as pessoas e conversar, e a saída era uma atração” recorda Ivan.

Quem também tem vivas memórias dos tempos de outrora dos cinemas, é Araldo Miranda, de 72 anos. Ele era amigo do gerente do Cine Olana, e trabalhava de favor no cinema como lanterninha, em troca, ele podia desfrutar de assistir a filmes que ele tanto gostava. “Um dos filmes que eu assisti no Olana foi ‘Jesus Cristo Superstar’ (opera rock de 1973), eu cheguei a assistir sete vezes esse mesmo filme”.

Aos domingos, ele relembra quando o cinema exibia às 10h um “festival” da série “Tom e Jerry”, e às 14h tinha a matinê para crianças. “Os ingressos custavam mais ou menos cinco reais, e as crianças, que ganhavam dinheiro dos pais, ficavam confusas se compravam ingresso para o festival ou para a matinê, era sempre lotado de crianças e elas vinham mais cedo para trocar gibi”.

Araldo também recorda com saudade dos tempos quando vendia alumínio para comprar ingresso para assistir “Tom e Jerry”, e engraxava sapatos para ir à matinê. “A matinê era divertida demais e eu sinto muita falta”.

Filmes norte-americanos sobre a 2° guerra mundial; de bang-bang; comédias com Jerry Lewis; com a atriz Brigitte Bardot; “Deus criou a mulher” e “Os intocáveis”, são alguns dos que mais encheram o Olana de telespectadores, conta Araldo.

Apesar de exibir bons filmes, a aposentada Olga Pelegrini diz que o Olana não tinha charme nenhum. “A gente só ia porque eram exibidos filmes de razoáveis a bons, e durante um tempo era o único da cidade”.

Para Olga, o melhor dos cinemas era o Cine Theatro São José, onde as pessoas entravam bem arrumadas e “desfilando”. “Ele não era suntuoso, mas era tão gostoso! Lá haviam camarotes e frisas, que eram abertos quando o cinema lotava. Eu me lembro desse cinema com muita recordação e muita, mas muita saudade”.

O Cine Theatro São José, construído no final da década de 20, funcionava também como teatro. Pelo seu palco passaram famosas companhias teatrais e também grupos amadores locais.

Em frente ao prédio, o famoso carrinho de pipoca doce, pipoca salgada e amendoim torrado não podia faltar.

Já o Cine São Pedro, não era tão badalado, a não ser pela “molecada” que ia às matinês, conta Olga. “Domingo às 14 horas, o cinema lotava com a meninada, que seguia os seriados e filmes de Tarzan e Zorro. Durante a exibição, torcidas pelo “mocinho”, com gritos, batidas de pés, palmas, palavrões… e o carrinho de pipoca, infalível!”.

Na metade da década de 50, o Cine São Pedro, passou a exibir filmes italianos, conquistando grande público. “Estes filmes faziam parte de uma escola cinematográfica denominada de ‘neorealismo’ onde as histórias eram sempre baseadas na vida como ela é, ou seja, realistas”, conta Ivan.

Nesse mesmo período, chega à cidade o Cine Aparecida do Sul, com uma excentricidade: uma tela panorâmica que projetava filmes grandiosos como “Um Americano em Paris” (1951), e filmes religiosas como “Os Dez Mandamentos” (1956), “O Manto Sagrado” (1953), os quais atraiam até mesmo pessoas de outras cidades da região.

A dimensão da tela do Cine Aparecida inicialmente chamou atenção da cidade, mas o público logo se dispersou devido a distância do cinema, que não era tão perto do centro quanto os outros.

Filmes de Amácio Mazzaropi, faziam sucesso na cidade e lotavam qualquer que fosse o cinema, recordam Olga, Araldo e Ivan. Seus filmes, tais como “Tristeza do Jeca” (1961) e “Jeca Tatu” (1959), eram adorados pelo público de Itapetininga e região, sendo exibidos em até três sessões por noite em alguns dos cinemas.

Além destes, filmes baseados em grandes amores, musicais da Broadway, filmes de Tarzan, de ficção cientifica, do diretor Steven Spielberg e que tinham no elenco cantores de rádio eram os preferidos do público. “Quando apareciam cantores de rádio no cinema, o povo ia ao cinema para ver como eram os cantores que eles só escutavam nas rádios”, conta Ivan.

Não só filmes clássicos como “E.T. O Extraterrestre”, mas até filmes pornográficos, passaram pelas salas desses cinemas.

Pelo fato de os filmes norte-americanos dominarem as telas dos cinemas durante a década de 40, 50 e 60, eles influenciaram a sociedade no modo de vida daquela época. “Os meninos moços imitavam os artistas na vestimenta, na maneira de falar, e as meninas imitavam as mocinhas ingênuas dos filmes. Ou seja, as pessoas imitavam os costumes dos norte-americanos, um país que estava em desenvolvimento, diferente do Brasil. Então todo mundo sonhava em ir para os Estados Unidos porque lá tinha geladeira, televisão… e isso provocou nas pessoas uma ansiedade em conhecer países mais adiantados que eles viam nos cinemas, principalmente os EUA”, recorda Ivan.

Independente da qualidade dos filmes, as pessoas também iam aos cinemas para ver e serem vistas, principalmente aos finais de semana, pois lá era onde começavam os namoros.

Olga conta que era comum as pessoas colocarem um agasalho na poltrona ao lado para guardar lugar para o namorado (a), que chegava no escuro e saia antes de as luzes serem acesas ao término do filme. “Os ‘namoricos’ eram tão bonitinhos e inocentes, não haviam nem mãos dadas, apenas o ‘estar juntos’. E quando o namoro já era ‘oficializado’, o casal entrava com as luzes acessas, para mostrar para todos que poderia sair casório”.

Na década de 90, começa a decadência dos cinemas. Ivan conta que o Cine Olana, já não tão frequentado, e sendo então o único da cidade, passou a exibir filmes de baixa qualidade. O público passou a ser mais jovem, e os casais, já não frequentavam mais o cinema. Essa decadência levou a venda do cinema, que passou a se chamar “Cine Itapetininga”, onde eram exibidos filmes pornográficos, de terror, e faroeste ruim.

Além disso, à medida que a televisão se popularizava e a novidade das novelas, as plateias dos cinemas foram desaparecendo, e os grandes filmes que passavam em São Paulo já não vinham mais para Itapetininga. Filmes de qualidade foram então ficando restritos.

Alguns anos mais tarde, o Cine Itapetininga chega ao seu fim, tendo sido então demolido no início dos anos 2000. Simbolicamente foi exibido o filme “Cinema Paradiso” (1988) na rua, em frente ao prédio do cinema.

Atualmente Itapetininga conta com apenas um cinema, localizado no Itapê Shopping. Com a chegada do século XXI, a indústria cinematográfica se transformou assim como a sociedade e a tecnologia. O hábito de ir ao cinema e o consumo do audiovisual já não é mais o mesmo, hoje, é possível assistir a filmes na palma da mão através das plataformas de streaming.

Para alguns, essa mudança no audiovisual pode ter causado um estranhamento, por outro lado, significa que o acesso se tornou mais abrangente por meio da revolução tecnológica que contribuiu em direção a disseminação da sétima arte a todos.

Os antigos cinemas acabaram, mas deixaram lembranças para aqueles que os viveram e os acompanharam em seu auge. Hoje, essa geração recorda com saudade os tempos que marcaram sua juventude e passam adiante suas vivas memórias, que devem ser preservadas, aos que vivem em tempos de modernidade e transformação.

Algumas curiosidades sobre os cinemas itapetininganos:

O Cine Olana nunca vendeu pipoca, lá havia um balcão onde era vendido balas e dropes. Já no Cine São Pedro e São José, Julio Franci estava sempre presente com seu carrinho de pipoca. Olga Pellegrini conta que a pipoca era muito gostosa, e que até o pipoqueiro deixa saudade;

A censura naquela época era muito rígida em Itapetininga, segundo conta Ivan Barsanti. “O Juizado de menores era bem atuante, então os filmes que eram para maiores de 18 anos, menor de idade não entrava de jeito nenhum. Tanto é que em 1958 passou um filme com o ator James Dean, ‘Juventude Transviada’ (1955), que hoje é considerado um clássico, mas que foi proibido para menores de 18 anos porque haviam cenas de corrida de carro”;

Os preços dos ingressos eram populares, custando em média 10, 20 cruzeiros (equivalente a 10, 20 reais), então pessoas de todas as classes sociais frequentavam os cinemas;

Naquela época já havia meia entrada para estudantes;

Os cartazes, que retratavam os filmes que seriam exibidos nos cinemas, eram pintados em armações de zinco, que eram colocados encostados nos postes das esquinas mais movimentadas e na frente do prédio do cinema;

Aos domingos, “Fião”, um homem deficiente auditivo, ia ao Cine Olana para ler as legendas do filme, e no outro dia, na segunda-feira, ele voltava para de fato assistir ao filme.

Texto e imagem reproduzidos do site: correiodeitapetininga com br

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