Legenda da foto: Luiz Severiano Ribeiro, presidente do grupo Kinoplex - (Crédito da foto: Leo Martins/Agência O Globo
Publicado origialmente no ssite do jornal O GLOBO, em 4 de julho de 2017
Luiz Severiano Ribeiro festeja o centenário do grupo, reclama da crise e não dá bola para o streaming
Presidente da rede Kinoplex diz ter prejuízo com o Cine Odeon
Por Fabiano Ristow
RIO — Quando as primeiras imagens do novo longa-metragem de Selton Mello (“O filme da minha vida") e da cinebiografia de João Carlos Martins (“João — O maestro”) forem exibidas na noite desta terça-feira para uma plateia de convidados no Kinoplex RioSul, uma família estará sentada no escuro com um olho nas novidades e outro na História. É que a noite, que também terá homenagens a cineastas como Cacá Diegues e Andrucha Waddington, celebra os 100 anos da maior rede de cinemas com capital exclusivamente nacional do Brasil.
Em julho de 1917, Luiz Severiano Ribeiro, o avô, abriu seu Cine-Theatro Majestic Palace, o primeiro de grande porte em Fortaleza. Treze dias depois, o telão de lá exibia seu primeiro filme, “Amica”, de Enrico Guazzoni, com a estrela do cinema mudo Leda Gys — ou, como dizia um texto da época, uma “formosa italiana dos olhos de veludo”. Consumido por um incêndio nos anos 1960, o espaço não existe mais, mas outras salas foram sendo inauguradas, e o grupo Severiano Ribeiro (que adotou o nome Kinoplex em 2002, com o desejo de modernizar a marca) soma hoje 41 cinemas e 260 salas espalhadas por 19 cidades, incluindo espaços mantidos em parceria com a rede UCI.
Sentado em seu escritório, num prédio ao lado do Cine Odeon, no Centro do Rio, Luiz Severiano Ribeiro, o neto, hoje com 65 anos reflete sobre a empresa. E cita uma longa lista de ameaças enfrentadas. Primeiro foi o surgimento da TV, nos anos 1950, ainda em preto em branco. Depois, a versão colorida dela, já na década seguinte. Aí vieram o videocassete e o DVD. E, na sequência, grandes exibidoras multinacionais, como Cinemark, UCI e Cinépolis, que tiraram o grupo do posto de maior exibidor de filmes do Brasil — segundo o Filme B, portal de análise do mercado, ele ainda é líder quando se trata de circuito com capital exclusivamente nacional, mas ocupa o quarto lugar geral no Brasil.
UM MAIO RUIM
A crise econômica é apontada pelo herdeiro do grupo como um dos maiores vilões. E, no caso do Rio, onde eles abriram seu primeiro cinema em 1923 (o Palácio-Theatro, depois Cine Palácio, onde hoje funciona o Teatro Riachuelo, no Centro), a situação gera mais preocupação, já que 53% do faturamento do Kinoplex estão na região, vítima de uma crise financeira ainda pior do que a nacional e do aumento da violência. Severiano Ribeiro não fala em números, mas reconhece que a rede sentiu o baque. Não só no Rio, mas no país todo. Em maio, quando grandes apostas como “Piratas do Caribe 5”, “Guardiões da Galáxia 2” e “Rei Arthur”, tiveram desempenho apenas médio, as salas de cinema registraram queda de 26,6% de público e 23,5% de faturamento em comparação com maio de 2016.
— O Estado está falido e sem segurança, as pessoas têm medo de sair à noite, o país passou por uma recessão, os funcionários públicos estão sem receber. Quem foi demitido já gastou o dinheiro da poupança. Estamos percebendo a situação apertar. Mas o nosso lema é crescer a empresa, independentemente dos movimentos do Brasil. Caso contrário, não chegaríamos aos 100 anos.
Severiano Ribeiro diz não estar nem um pouco preocupado com a escalada do streaming, cujo embate com as salas de cinema atingiu seu ápice no último Festival de Cannes, em maio, quando profissionais da indústria condenaram a seleção de “Okja” e “The Meyerowitz stories”, ambas produções da Netflix, para a competição principal. A organização do festival acatou as reclamações: a partir do ano que vem, somente filmes lançados em cinema poderão concorrer na mostra. Mas nada disso significa que Severiano Ribeiro não tenha um posicionamento contundente sobre o assunto:
— Esses filmes nem deveriam ter sido selecionados. É um festival de cinema, e não de filmes que não irão para o cinema. Ainda bem que aprenderam a lição. Mas, a meu ver, o maior concorrente do streaming é a TV aberta. É ela quem tem que se cuidar. Eu só preciso ficar atento.
Nos EUA, a Netflix já supera a TV a cabo, segundo pesquisa do Leichtman Research Group. Mas Severiano Ribeiro prefere apostar na experiência da tela grande. A longo prazo, afinal, o circuito exibidor colecionou notícias boas. Segundo dados da Agência Nacional de Cinema (Ancine), de 2009 até o ano passado, o crescimento foi constante. Ao todo, 184,3 milhões de espectadores foram ao cinema em 2016, contra 112,7 milhões oito anos antes.
— Amanhã, se quiser, diminuo o ingresso — diz o presidente do Kinoplex. — Mas temos que fechar as contas. Somos como um avião: levantou voo, há gastos. Quando começa o filme, o custo é o mesmo, com dez ou 100 pessoas na sala. A manutenção é cara. Mesmo com a digitalização concluída, há sempre trocas e atualização de peças e tecnologia. Também somos influenciados por fatores externos. Você não acha que a forte chuva que atingiu o Rio no dia 20 impediu os cariocas de irem ao cinema? Somos sensíveis a todos esses fatores.
Sobre as constantes críticas de que as redes exibidoras não apostam tanto na diversidade de programação quanto poderiam e acabam abrindo espaço para os mesmos blockbusters, Severiano Ribeiro torce o nariz. Mesmo diante do relatório da Ancine deste ano que mostrou um recorde de longas brasileiros — foram 143 filmes em 2016 — mas com vários fracassos de público no bolo.
— Desses 143 filmes, muitos são documentários, e minha rede não tem o perfil de exibir documentários, embora isso não seja regra — justifica-se. — O critério é o mesmo para filmes estrangeiros, não há discriminação. Tenho muitas salas, então passo de tudo. E cada cinema tem seu perfil. No Odeon, por exemplo, exibo de tudo, e funciona bem.
‘ESTOU SANGRANDO’
Bem até certo ponto. O prognóstico de cinemas de rua é ruim, segundo reconhece o exibidor. O Odeon, aliás, dá prejuízo. Com mais de 90 anos de vida, o mais antigo cinema em atividade no Rio foi devolvido ao Kinoplex em 2014 pelo Grupo Estação, que não conseguia arcar com o aluguel. Um ano e de R$ 1,5 milhão em obras depois, reabriu com o nome Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro.
— O cinema de rua acabou. Estou perdendo dinheiro, estou sangrando — diz Severiano Ribeiro, sem quantificar o prejuízo. — O grande problema do cinema de rua é que você tem um gerente para apenas uma sala. Uma bilheteira para uma única sala. Se o espectador passa em frente ao Odeon e não se interessa, vai embora. Não há outra opção.
Mesmo assim, o empresário jura que não pretende fechar o espaço, diz que ele é importante demais para a História. E ainda planeja, sem pressa, reabrir o Cine Leblon, que fechou em 2014, sob a ameaça de sumir de vez do mapa. Hoje em processo de reconstrução, o novo Cine Leblon voltará em 2020, em versão que só lembrará a antiga pela fachada preservada. Além de três salas de cinema e de uma garagem, o imóvel conseguiu autorização na prefeitura para virar centro empresarial. Também terá sete andares construídos para abrigar escritórios.
Texto e imagem reproduzidos do site: oglobo.globo.com