quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

'Cine Piratininga', por Douglas Nascimento

Foto do Cine Piratininga na década de 1940

Legenda da foto: Década de 70 já como estacionamento

Publicação compartilhada do site SÃO PAULO ANTIGA, de 30 de janeiro de 2008 

Cine Piratininga
Por Douglas Nascimento *

Houve uma época em que ir ao cinema era um acontecimento muito diferente do que é hoje. Quando a TV ainda não existia ou ainda era um artigo de luxo nas residências e aparelhos de DVD ou mesmo streaming eram coisas de ficção-cientí­fica, as salas de cinema eram a grande diversão.

Pessoas frequentavam cinema para assistir desenhos, episódios do Tarzan e, claro, longa metragens. E foi na primeira metade do século XX que São Paulo teve o auge de suas salas de cinema, onde especialmente em bairros populares como o Brás existiam inúmeras salas de cinema, as quais atualmente não resta mais nenhuma funcionando. E é sobre uma destas salas que falarei, o Cine Piratininga:

Ao se falar de Cine Piratininga é preciso antes explicar que no mesmo quarteirão houveram em períodos distintos duas salas com esta denominação. A primeira, inaugurada em 1910, ficava na rua com o mesmo nome e foi criada por Fernando Taddeo um heróico desbravador de salas de cinema em São Paulo e não durou tanto tempo por inúmeros problemas estruturais. A outra sala, destaque deste artigo, está na Avenida Rangel Pestana.

Construído na década de 1940 com projeto arquitetônico do fantástico Rino Levi, o cinema fica sob edifício homônimo e ocupa um local que outrora foram dois outros cinemas menores, Mafalda e Brás-Bijou. Era uma sala gigantesca e luxuosa que orgulhava-se poder acomodar com conforto cerca de 5000 mil pessoas o que fazia dele o maior cinema do Brasil e com toda certeza um dos maiores da América Latina.

O Cine Piratininga foi um local onde muitos dos moradores do Brás frequentavam quase todos os finais de semana e não era raro estar completamente lotado.

Ao redor do cinema um fabuloso comércio se sustentava com lojas, padarias, teatros, hotéis e hospedarias, além da estação de trem do Brás (ex-Roosevelt) que é bastante próxima. O Piratininga marcou sua época, fez história, e como quase tudo que é do passado paulistano foi sendo esquecido até desaparecer por completo.

Década de 70 já como estacionamento

As atividades do Cine Piratininga encerraram em meados da década de 1970, quando já em franco processo de decadência a sala não atraia espectadores. Em decorrência virou um estacionamento que existe até hoje.

Que a decadência do Brás e seu entorno foi um processo fatal e irreversí­vel todos sabemos, as razões são muitas e os responsáveis também, mas algo poderia ser feito para preservar o antigo patrimônio histórico da região que é riquí­ssimo e que está, no pouco que ainda existe, caindo aos pedaços.

Em 2005 organizei um passeio fotográfico pelo Brás e Belenzinho que partia da Vila Maria Zélia e terminava na feira da Cantuta – conhecida também como feira boliviana – no Canindé e, quase no final do passeio, chegamos ao que restava do cine Piratininga.

Pedi ao funcionário da empresa de estacionamento que me deixasse fotografar o local por dentro o que não foi permitido, mesmo assim fotografei a fachada do prédio e dias depois voltei por lá e estacionei meu carro sendo assim foi possível tirar uma fotografia de dentro, sem ser notado.

É impressionante como aquilo se deteriorou, na foto do iní­cio do artigo já faltava uma letra, ficando “PIRATININ A”, e a infiltração na marquise da antiga entrada do cinema já merecia uma interdição da prefeitura porém, mesmo assim, a fachada que restava trazia uma certa nostalgia a região, especialmente aos mais antigos e saudosos e admiradores da região como eu.

Disse “lembrava” acima porque as letras de concreto que ficavam na fachada histórica não está mais lá, foi removida. A alegação de um dos responsáveis pelo estacionamento foi o receio de uma multa pela Lei Cidade Limpa, o que é improvável já que inscrição fazia parte do projeto original da marquise. Vejam na imagem abaixo como está agora:

É realmente muito entristecedor saber que em nossa cidade são escassos os movimentos em favor de nosso patrimônio histórico e cultural. É até compreensível o cinema ter virado um estacionamento, mas é inaceitável a remoção do letreiro de concreto, um ato de pura ignorância.

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DADOS DO CINE PIRATININGA:

Inauguração: 26/03/1943

Arquiteto: Rino Levi

Localização: Avenida Rangel Pestana, 1540 – Brás

Exibidor: Serrador

Capacidade total: 4313 lugares – Sendo 2607 na plateia, 1706 no balcão e nas frisas

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* Douglas Nascimento - Jornalista, fotógrafo e pesquisador independente, é presidente do Instituto São Paulo Antiga e membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP).

Texto e imagens reproduzidos do site: saopauloantiga com br

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