A magia do cinema
Por Carlo Iberê Gervasio de Freitas
Em artigo especial, Carlo Iberê Gervasio de Freitas relembra a época do Cine Lux, fundado em Caçapava por seu avô, Júlio Gervásio, e que dá nome à sala de cinema da Casa de Cultura Juarez Teixeira, que será inaugurada hoje, às 18h
Durante alguns anos me senti fazendo parte de um número de mágica. Em outros lugares, era acionada por um pequeno motor. Mas no Cine Lux, por trás de uma cortina, que também cobria o acesso ao banheiro masculino, no lado esquerdo da sala de quem olhava à frente sentado nos mais de 600 lugares (tenho quase certeza que eram 640 pois os contei várias vezes como passatempo de criança), puxei a cordinha que movia as roldanas e descortinava a imensa tela onde a verdadeira magia acontecia.
Seu Júlio Gervasio, meu avô, sempre ficava sentado na última poltrona, à esquerda, na primeira fila de quem entrava naquele imenso salão e de onde, dizia, podia controlar tudo o que acontecia. E de onde também podia acessar mais rápido a escada que levava à cabine de projeção e ao camarote, como chamávamos, e ajudar o seu Chiquinho, ‘chefe’ da cabine, em caso de emergência.
Essas aconteciam muito, pois as películas em celuloide eram quebradiças e frequentemente arrebentavam, provocando aquele grande clarão na tela. Levava coisa de um ou dois minutos para emendar, com durex, e recolocar tudo em movimento. Esses momentos, acidentes desconhecidos do distinto público, eram sonorizados por vaias, gritos e violentos bater de pés no assoalho de madeira, pois, certamente por capricho dos irmãos Lumière, aconteciam nos momentos mais eletrizantes dos filmes.
Levei anos para entender todo aquele mistério, que começava com duas finas hastes de carvão ativado, um positivo e outro negativo, que, energizados, produziam luminosidade contínua comparável a emitida por uma solda elétrica. Cada jogo durava cerca de 30 minutos, pouco mais do que o tempo de cada um dos cinco rolos do filme inteiro. Por isso a necessidade de dois projetores.
Os filmes vinham de Porto Alegre, no Ouro e Prata, ou de Cachoeira do Sul, pela São João, vistos seguiam para Bagé. Os vindos de Cachoeira frequentemente não eram despachados e tinham que ser buscados. Para seu Júlio não viajar sozinho, eu era gentilmente sempre escalado na missão. Quando dava tempo, tinha direito a um pastel com guaraná frisante Polar, no Geribá, restaurante que ficava no entroncamento da estrada velha para Cachoeira.
As histórias seriam muitas, fico apenas nestas para ilustrar a determinação, os sacrifícios e os caminhos da mágica que era manter um cinema no interior do Brasil. Até peço desculpa por falar na primeira pessoa, mas não poderia deixar de descortinar smeu respeito, admiração, entusiasmo e encanto pelo que estão fazendo minha linda e sensível amiga Gisele, o dr. Juarez e certamente outros, para brindar Caçapava do Sul, depois de 40 anos, com um novo Cine Lux.
De longe, torço para que Caçapava tenha a sensibilidade de perceber, apoiar e prestigiar a grandeza do trabalho e o significado histórico do que a Casa de Cultura Juarez Teixeira está proporcionando para a cidade. São poucos os que têm essa força e consciência. Mágicas tornam os sentimentos verdadeiros mais doces, alegres e inesquecíveis.
Texto reproduzido do site www gazetadecacapava com br

 
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