Artigo compartilhado do site da TRIBUNA DO NORTE, de 12 de maio de 2017
O habitante do cinema
Por Ramon Ribeiro 
Seu Zildo gosta de sentar na última fileira. Aos 65 anos, ele tem hipermetropia, então quanto mais longe da tela, melhor. Na última fila também não precisa lidar com aquelas pessoas que colocam o pé na cadeira da frente, meio que oferecendo o chulé para os outros. Ele não tem preferência por gênero específico, desde que sejam filmes legendados, está valendo – a audição já não é como antes. Figura conhecida nas três redes de cinema de Natal, o aposentado é cumprimentado por alguns funcionários pelo nome. Também não é por menos. A não ser que aconteça algum imprevisto grave, Zildo vai aos cinemas todos os dias, algumas vezes para ver mais de um filme. É o seu lazer, sua paixão, sua rotina.
Vivendo em Natal desde 1980, Zildo Jorge Ribeiro da Cunha é fluminense de Niterói, gentil e bem humorado. Em conversa com a reportagem do VIVER, ele contou sua história de cinéfilo inveterado. “Alguns amigos me taxam de maluco. E até vejo alguma maluquice nisso de ver filme todo dia. Mas sou um aposentado cujo o vício não atrapalha a vida de ninguém”, comenta.
Para se ter uma ideia do tamanho do interesse de Zildo pelo cinema, ontem ele viu dois filmes, a estreia de “Alien: Convenant” e a reexibição do primeiro filme da série, “Alien – O Oitavo Passageiro”. Na terça foi na UFRN assistir “Ausência”, na mostra América Latina no Cinema. Na segunda, já tinha visto “Guardiões da Galáxia” e “Redemoinho”. No domingo, marcou presença na sessão de “Vida”, acompanhado do neto, mas pela tarde já tinha visto “Rock Dog – No faro do sucesso”, com a netinha.
Coleção de bilhetes
Ele tem os bilhetes de todos esses filmes e pelo menos de outros 400, acumulados desde ano passado. Ele costuma anotar no computador todos os filmes que viu. Mas de um tempo pra cá, deu uma esquecida nessa tarefa. “Tenho que parar para retomar esse registro”, diz. Ele conta que assistir dois filmes no cinema num único dia é normal. Três, ok. Cinco já é recorde. Um recorde que ele atinge todo ano, basta os cinemas da cidade colaborarem com boas programações.
“Sempre me perguntaram qual é o filme que mais gosto. Meu filme preferido é o próximo. É o próximo que está chamando minha atenção”, afirma observando a programação num cartaz no Moviecom. “De novidade só entrou dois filmes. Mas um eu já vi um ontem numa pré-estreia em outro cinema”.
A paixão pelo cinema Zildo traz da época de criança. Na juventude, manteve o interesse, mas sempre de modo pontual, até por causa dos gastos e da pouca oferta de filmes. “Antes era um cinema de bairro, com uma sala, o filme repetia a semana inteira”, lembra. O hábito diário surgiu no início dos anos 2000, quando precisou passar uma temporada em Salvador. Longe da família, sua diversão era ir ao cinema. E a variedade de filmes era um atrativo.
Alguns filmes valeram mais de uma visita, como os 007 Skyfall e Spectre, além de “Meu Malvado Favorito”. Todos esses foram vistos pelo menos sete vezes no cinema por Zildo. “Quando a gente revê os filmes, começamos a prestar atenção nos detalhes”, comenta o aposentado. “Dificilmente venho ver um filme sem saber nada dele. Geralmente dou olhada na história, no elenco, direção, se tiver crítica também gosto de ler. Todo mês eu compro a revista Preview e com frequência dou uma olhada na internet”.
Zildo diz que gosta de ver o filme pelo filme. “A parte técnica, iluminação, fotografia, tenho uma noção. De tanto ver, já consigo sacar certos enquadramentos, que tal filme vai ser mais escuro. Mas não entendo muito. Sou mais ligado no elenco e nos diretores”, diz, citando alguns prediletos, como Martin Scorsese, Woody Allen, Ridley Scott, Pedro Almodovar.
“Tem uns filmes paradões que não acontecem nada. Antes eu achava logo chato. Hoje tenho mais paciência”, conta o aposentado. Gostando ou não do filme, ele nunca abandonou uma sessão. “Se eu entrei pra ver eu vejo até o final. Pode até sair todo mundo. Como uma vez quase aconteceu, mas eu assisto o filme inteiro. Depois digo que não gostei”. E até quando o filme acaba ele espera pela descida do último crédito para ir embora.
“Não tenho preferência de gênero de filme. Assisto o que pintar. Não gosto muito de musical, mas vejo também. Vi ‘Os Miseráveis’, ‘La La Land”. Por sinal, ‘La La Land’ não achei essa bola toda para ter 14 indicações ao Oscar. Os seis prêmios que ganhou ficou de bom tamanho”, avalia. Em algumas sessões, Zildo presenciou salas vazias. “Até prefiro assim. Uma sala com 20 pessoas eu já acho lotado. Porque a falta de educação nas salas é grande. Muita gente quando não está gostando do filme já saca o celular e fica teclando”.
Cinemas de rua x shopping
Zildo é de uma geração que por muito anos frequentou os cinemas de rua. Em Natal, pegou a fase do Rex, do Cine Nordeste e do Cine Rio Branco. A mudança para os shoppings veio com o aumento no número de salas de exibição e isso ele vê com bons olhos. “Antes se você chegasse atrasado no cinema tinha que ir embora. Não tinha outras salas com filme em cartaz. Hoje se você perder a sessão dá para assistir outro filme na sala ao lado”, argumenta. Mas chegar atrasado para um filme é algo que não acontece com Zildo. Ele é daqueles que compra o ingresso com antecedência. “Adquiri o ingressos da sessão ‘2001 – Uma Odisseia no Espaço’, no Cine Clássicos do Cinemark, já tem duas semanas”.
Filmes em 3D, Zildo até vê alguns, mas prefere 2D. Essas tecnologias, Imax e derivados, pra mim é perfumaria. Não muda nada do filme. E do 3D, pra quem já usa óculos colocar mais um por cima é um saco”, reclama. Mas para ele, o grande problema nos cinemas hoje é a falta de estacionamento. “Sou velhinho, vou ao cinema de carro. Alguns shoppings não cobram estacionamento, o que é bom para quem já gasta bastante com os filmes. Em outros shoppings, as vagas para carros são poucas, principalmente a partir da quinta-feira”.
Garimpando mostras
O cinéfilo também frequenta exibições não comerciais, como o projeto Cine Sesc, o América Latina no Cinema. “Recentemente eu descobri exibições no Hospital Onofre Lopes. Eles sempre passam filmes com algum olhar da medicina, ou com situações que médicos vão encontrar. Outro dia passou ‘A Caça’, filme dinamarquês. Depois teve um debate com um pediatra. Não sou muito de dar pitaco. Mas às vezes participo”.
Zildo define o cinema como uma grande ilusão. Para existir, o cinema depende de um defeito no nosso olho. Não somos capazes de enxergar 24 imagens estáticas por segundo. Por isso a sensação de movimento. O cinema é uma grande ilusão que muitos participam”, explica.
Essa ilusão, calcula, ocupa 30% do seu dia. “Quando o médico quer marcar consulta à tarde eu peço pra ser em outro horário. Durante a semana, a partir das 16h, já tenho compromisso”, brinca. Depois de um longo papo sobre cinema, Seu Zildo se despede. Ele precisa cuidar das outras coisas da vida. “Agora vou lá na Lojas Americanas trocar esses DVDs. Comprei semana passada, mas chegando em casa vi que eram repetidos”. À tarde ele foi conferir a sessão de quinta do Cine Sesc, na Cidade Alta.
Clubes atraem ida ao cinema
Apesar de ser uma das mais populares artes, o cinema está perdendo terreno para outros atrativos. Não pelo número de produções, mas pela frequência do publico nas salas. Mas iniciativas como os novos clubes de cinema prometem ajudar a reverter esse quadro. Em atividade desde 2016, a startup Primepass atua em todo o Brasil, incluindo Natal. O serviço funciona como um clube de assinatura em que os associados tem a oportunidade de ir ao cinema com maior assiduidade, assistindo até um filme por dia, durante um mês, pagando um valor fixo. Segundo a empresa, a economia pode chegar a 80%, mensalmente, na compra de ingressos.
Em Natal, a Primepass funciona com os cinemas Moviecom, Cinemark e Cinépolis. O serviço é válido em três planos de assinatura, sendo que apenas um está disponível para a capital potiguar, no valor de R$ 79. Nesse plano, o usuário tem direito até 30 filmes por mês, com intervalos de 24h entre eles, em sete dias na semana, em qualquer horário. Mais informações no site www primepass club.
Texto e imagens reproduzidos do site: tribunadonorte com br


 
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