quarta-feira, 20 de junho de 2018

Cinemas de rua: história e afetividade resistem na Capital

 O Cineteatro São Luiz, com 60 anos, é a única sala de rua em atividade na Capital 
 Foto: Yago Albuquerque 

O Cine Nazaré, localizado no Parque Araxá, mas atualmente fechado para reforma, 
é o único cinema de bairro ainda existente em Fortaleza, de propriedade do
aposentado Raimundo Carneiro de Araújo, conhecido como Seu Vavá 
Foto: José Leomar 

Publicado originalmente no site Diário do Nordeste Verdes Mares, em 21.04.2018 

Cinemas de rua: história e afetividade resistem na Capital

Pelo menos, 73 salas fizeram parte da cidade, desde a inauguração do primeiro, em 1908, na Praça do Ferreira

Por Renato Bezerra - Repórter

Ricos na memória de quem viveu os tempos áureos da sétima arte em Fortaleza ou evidenciados por meio de pesquisas e publicações históricas, os antigos cinemas de rua da Capital significam bem mais do que a pompa e o glamour relatados em saudosas lembranças. Em sua maioria situados no Centro, os equipamentos reinaram absolutos por tempos como instrumentos de entretenimento popular, e no que compete ao desenvolvimento da cidade, contribuiram para a ocupação da região e expansão das atividades locais.

Pelo menos 73 cinemas de rua fizeram parte da história da cidade, de acordo com o professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e historiador de cinema, Ary Bezerra Leite, desde que o primeiro foi inaugurado: o Cinematógrafo Art-Nouveau, em 1908, na Praça do Ferreira. Espetáculo atrativo a exemplo do que já acontecia no resto do mundo, o cinema em Fortaleza, segundo o professor, ofertava um entretenimento continuado, com salas dotadas de espaços populares e com ingressos a preço simbólico, tornando a exibição cinematográfica acessível a toda a população.

Eram, relata Ary Bezerra, o espaço de convivência social preferido da juventude, prestigiado pelas famílias, aonde o público fazia das salas um espaço de desfile e encontros antes das sessões. "As melhores salas, localizadas no Centro, onde se encontravam os terminais de transporte, contribuíam para movimentar a Praça do Ferreira e favorecia a expansão das atividades comerciais. Fascinavam com suas fachadas luminosas, seus cartazes coloridos e salões animados. As matinais infantis, as vesperais femininas, as sessões gigantes com dois filmes foram formadores de uma geração de cinéfilos nas primeiras décadas da era do cinema", afirma.

Mudança

As salas foram vítimas, no entanto, da dinâmica urbana que esvaziou o Centro de Fortaleza, em virtude da desconcentração comercial e expansão dos polos de lazer. Aliado a isso, ainda conforme Ary Leite, novidades tecnológicas como o videotape, a TV por assinatura e o DVD foram gradualmente reduzindo os cinemas de rua até o advento dos shoppings centers, fatais para as salas tradicionais. Atualmente, o Cineteatro São Luiz, com seus 60 anos de vida recém completados no mês de março, é o único equipamento de rua a oferecer programação à cidade.

"Os novos centros de entretenimento, dotados de segurança e facilidade de estacionamento, favoreceram os complexos de exibição cinematográfica. Na verdade, nada supera a ambiência romântica dos saudosos cinemas de rua, como o Rex, o Moderno e o Diogo", diz Leite.

Se por um lado o conforto e uma maior oferta de serviços em um só local foram vantagens alcançadas na modernização das salas em shoppings, por outro, o acesso ao cinema acabou sendo elitizado, segundo avalia o professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará (UFC), Marcelo Ikeda. "Os shoppings se tornaram um modelo de entretenimento para a classe média, mas a consequência é que o preço do ingresso aumentou consideravelmente. As classes C e D, que durante os anos 50 e 60 foram a base para um certo cinema brasileiro popular, não vão mais poder ir com o preço do ingresso a R$ 20 ou R$ 30. A opção será a televisão aberta", conta.

Segundo o professor, em espaços minoritários, os cinemas de rua ainda existentes no País possuem programação mais voltada ao cinema de arte, devendo manter parcerias com os governos locais ou demais apoiadores para sobreviverem. O modelo, ainda conforme Ikeda, deve partir de um centro cultural mais amplo, com programação multiartística capaz de agregar outros públicos e, assim, conseguir expandir a audiência para um determinado filme.

Sobrevivente

Para a design Lara Machado, 23, os laços com o cinema vêm de família. Neta do aposentado Raimundo Carneiro de Araújo (o Vavá), dono do último sobrevivente entre os cinemas de bairro: o Cine Nazaré, a jovem vem se preparando para, no futuro, administrar o equipamento, hoje fechado para reforma.

O interesse pelas telonas é nato, mas a admiração pelas salas de rua foi estreitado, como conta, na época em que morou em Londres. "Lá o cinema de bairro é muito comum e tradicional, eles não têm essa cultura de shopping como aqui. Eu ia muito em salas assim, cinemas antigos, com estilo vintage. Passei a gostar ainda mais de cinema e quando retornei meu avô propôs que eu herdasse o Cine Nazaré".

Atualmente, Lara estuda cinema na Casa Amarela Eusélio Oliveira e pensa em cursar mestrado na mesma área. Entre as expectativas de vida, está a de ver o sonho do avô realizado, com o cinema em operação novamente, podendo resgatar, assim, o clássico da sétima arte. "O São Luiz, por exemplo, é hoje meu lugar favorito na cidade. Uma vez assisti a um filme mudo de 2 horas e meia de 1927 e foi uma experiência incrível, parecia que eu estava em uma máquina do tempo. As salas de hoje estão mais preocupadas com o aspecto comercial, em quantidade de assentos", conta.

Texto e imagens reproduzidos do site: diariodonordeste.verdesmares.com.br

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