Cine Parisien lotava, principalmente nas sessões do final de semana (Foto: Arquivo)
Publicado originalmente no site G1 Globo, em 08/04/2014
Há 50 anos, jovens lotavam sessões de cinemas em Cuiabá
Cinema era a grande atração dos jovens daquela época, diz
escritor.
Com a chegada da TV, cinemas fecharam as portas por falta de
público.
Por Pollyana Araújo (Do G1 MT)
A grande diversão dos jovens de Cuiabá entre as décadas de
30 e 60 era o cinema, que ditava os costumes da época. Um desses
frequentadores, que, de tão atraído pelo cinema, fez estágio em um deles aos 14
anos, conta que as sessões lotavam e que a 'moda e os modos' dos cuiabanos
seguiam os padrões dos filmes exibidos nas telonas. Aníbal Alencastro, que hoje
tem 70 anos, lembra que havia um grande entrosamento do cinema com a sociedade.
Antes da exibição dos filmes, eram transmitidos telejornais
com notícias nacionais, por meio do qual os cuiabanos se inteiravam do que
estava acontecendo, já que não tinham televisão. "O cinema fazia parte da
vida das pessoas. Os jovens tinham os artistas de cinema como ídolos e tentavam
imitá-los", contou. O lazer da juventude daquela época era ir ao cinema, à
igreja e conversar na praça. "A grande vantagem é que não tinha violência como
tem hoje", lamentou o professor de geografia e autor de livros de
história.
Durante a semana, tinha sessão às 18h, 21h e 22h e, aos
finais de semana, começava mais cedo. Eram exibidas das 13h até as 22h, com
sessões a cada uma hora.
Depois de fazer estágio no Cine São Luiz, no Porto, Aníbal
trabalhou no Cine Bandeirantes, que funcionava na Rua Pedro Celestino, região
central da capital, e posteriormente, no Cine Teatro Cuiabá, que encontra-se em
funcionamento até hoje. O interesse pelo cinema foi tamanho que ele foi para
São Paulo estagiar em um cinema de lá. "Quando voltei para Cuiabá já era
um técnico", comentou.
Os primeiros filmes exibidos em Cuiabá eram de curtas
metragens, como documentários, que tinham em média 15 minutos de duração.
Porém, depois da década de 20 passaram a ser exibidos no cinema os filmes, na
época 'posados', como eram chamados. Entre eles, 'A Cabana do Pai Tomás', A
Viúva Alegre e Alma Sertaneja, produzido no Brasil.
Bilhete de entrada do Cine Parisien, primeiro cinema da
capital
Foto: Reprodução/livro 'Anos Dourados do Nosso Cinema'
O primeiro cinema de Cuiabá, contudo, surgiu antes da década
de 30. O Cine 'Parisien' funcionava na esquina onde hoje abriga a Secretaria
Estadual de Cultura (SEC) foi instalado no início do século 20 e, aos poucos,
foi evoluindo. Até 1919, por exemplo, o filme era totalmente manual. A luz
projetora era através de uma tocha de carbureto por gás de acetileno,
acondicionado dentro de uma lanterna. A partir de então, foi adaptado um motor
elétrico no sistema de manivela, aumentando a velocidade do filme no projetor.
"Os personagens na tela não ficavam mais a mercê do projecionista,
que, quando mais cansado, diminuía a rotação da máquina, daí o artista na tela
caminhava mais lento ou vice-versa", diz o escritor em trecho do livro
'Anos Dourados dos Nossos Cinemas'.
Por três anos, Cuiabá ficou sem cinema, com o término do
contrato de concessão do Cine Parisien, que fechou as portas. Até que em 1933,
após um italiano que morava na capital, chamado Ernesto Bonâmico, assumir a
direção do espaço, o cinema foi reinaugurado, com o nome de Cine Teatro
República. Na data de reabertura, em 21 de abril, os cuiabanos assistiram ao
filme 'Marrocos'.
Dois anos mais tarde, o então prefeito de Cuiabá, João Ponce
de Arruda, e o interventor federal da época, Leônidas Anthero, assinaram um
novo contrato de concessão para que um novo 'Cine Theatro' fosse construído no
prazo de cinco anos.
O prédio localizado na esquina da Rua Joaquim Murtinho com a
Avenida Getúlio Vargas, no entanto, foi demolido posteriormente para a
construção do 'Grande Hotel', já que Cuiabá não dispunha de nenhum hotel na
época. Com a demolição, o cinema foi transferido para o prédio do lado, onde
funciona até hoje.
A demolição do prédio ocorreu entre 1939 e 1942. Nesse
período, outro cinema foi instalado na capital: o Cine Orion, que ficava na
Praça da República, onde hoje abriga o Palácio do Comércio.
A inauguração do novo Cine Teatro foi um grande
acontecimento. "Este cinema tão esperado, assemelhava-se à gestação de
nascimento de um filho. Durante todo de sua construção, a comunidade cuiabana
acompanhava atentamente as obras", diz Aníbal, que é formado em geografia.
Cine São Luiz ficava na Avenida 15 de Novembro, no Porto
Foto: Reprodução/Livro Anos Dourados do Nosso Cinema
Na década de 60, havia três cinemas em Cuiabá. "Nos
dias de sábado e domingo, quando os filmes eram melhores, as sessões
superlotadas, lembro-me da figura preocupada do 'seo' Gari, controlando o
público entre as sessões do cinema", contou Aníbal Alencastro.
Além do Cine Teatro, tinha o Cine São Luiz, na Avenida 15 de
Novembro, no Porto, e o Cine Cidade Verde, que ficava na Rua 13 de Junho, na
esquina com a Avenida Dom Bosco. Diante do sucesso que fazia, novos cinemas
foram construídos, entre eles o 'Cine Tropical', que funcionava na Rua Barão de
Melgaço, também na região central. Naquela época, Cuiabá tinha em torno de 80
mil habitantes.
Cine Bandeirantes está fechado, mas a fachada ainda se
mantém
Foto: Pollyana Araújo/G1
Com a fachada ainda intacta até hoje, o Cine Bandeirantes
foi construído na década de 60. Conforme o Aníbal conta em seu livro, o cinema
fez grande sucesso após a inauguração. "Alguns diziam que logo aquele
movimento iria cessar e que aquilo era só 'fogo de palha', por ser um cinema
novo, e que logo o público voltaria para os tradicionais Cine Teatro Cuiabá e
Cine São Luiz", disse. O cinema contava com equipamentos e sistema de som
modernos para a época.
O cinema também chegou aos municípios do interior do estado.
Aníbal foi um dos responsáveis pela instalação das salas em Guiratinga,
Poxoréu, Rondonópolis e Poconé. "Em Poxoréu, montei o cinema escopo e, na
estreia, exibimos o filme 'O Dólar Furado'. Teve um garimpeiro que ficou tão
emocionado com o filme que deu um tiro para cima, dentro do cinema",
recordou.
Já nos anos 70, com a chegada da televisão, os cuiabanos
começaram a ficar mais em casa para assistir às novelas. Em 69 foi instalada a
primeira estação de televisão no estado. "O cuiabano é preguiçoso e queria
ficar em casa assistindo 'As Púpilas do Senhor Reitor', primeira novela
transmitida na região. Desse modo, sem condições para se manter, os cinemas tiveram
de fechar as portas por falta de público.
Acervo
Parte do cinema antigo tem espaço na casa do professor de
geografia, que se diz apaixonado por história. Um cômodo é reservado para
guardar as relíquias, entre elas um 'praxinoscópio', brinquedo que futuramente
deu origem ao cinema. O inventor Emile Reynaud fez uma sequência de figuras de
um cavalo em cinco posições diferentes para comprovar que em determinado
momento o animal ficava com as quatro patas fora do chão. Ao girar o aparelho
semelhante a uma roda, dá a impressão de que o cavalo está em movimento.
Aníbal mostra a 'lanterna mágica', aparelho usado para
projetar imagens de cinema
Foto: Pollyana Araújo/G1
Além do praxinoscópio, ele tem, entre outros, uma 'lanterna
mágica', equipamento usado pelos padres jesuítas para passar filmes e
catequizar os indígenas. Com ela, é possível projetar imagens em suporte
transparente. O equipamento era fabricado na Alemanha e nos Estados Unidos.
Texto e imagens reproduzidos do site: g1.globo.com/mato-grosso
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