domingo, 13 de janeiro de 2019

Há 50 anos, jovens lotavam sessões de cinemas em Cuiabá

Cine Parisien lotava, principalmente nas sessões do final de semana (Foto: Arquivo)

Publicado originalmente no site G1 Globo, em 08/04/2014 

Há 50 anos, jovens lotavam sessões de cinemas em Cuiabá

Cinema era a grande atração dos jovens daquela época, diz escritor.

Com a chegada da TV, cinemas fecharam as portas por falta de público.

Por Pollyana Araújo  (Do G1 MT)

A grande diversão dos jovens de Cuiabá entre as décadas de 30 e 60 era o cinema, que ditava os costumes da época. Um desses frequentadores, que, de tão atraído pelo cinema, fez estágio em um deles aos 14 anos, conta que as sessões lotavam e que a 'moda e os modos' dos cuiabanos seguiam os padrões dos filmes exibidos nas telonas. Aníbal Alencastro, que hoje tem 70 anos, lembra que havia um grande entrosamento do cinema com a sociedade.

Antes da exibição dos filmes, eram transmitidos telejornais com notícias nacionais, por meio do qual os cuiabanos se inteiravam do que estava acontecendo, já que não tinham televisão. "O cinema fazia parte da vida das pessoas. Os jovens tinham os artistas de cinema como ídolos e tentavam imitá-los", contou. O lazer da juventude daquela época era ir ao cinema, à igreja e conversar na praça. "A grande vantagem é que não tinha violência como tem hoje", lamentou o professor de geografia e autor de livros de história.

Durante a semana, tinha sessão às 18h, 21h e 22h e, aos finais de semana, começava mais cedo. Eram exibidas das 13h até as 22h, com sessões a cada uma hora.

Depois de fazer estágio no Cine São Luiz, no Porto, Aníbal trabalhou no Cine Bandeirantes, que funcionava na Rua Pedro Celestino, região central da capital, e posteriormente, no Cine Teatro Cuiabá, que encontra-se em funcionamento até hoje. O interesse pelo cinema foi tamanho que ele foi para São Paulo estagiar em um cinema de lá. "Quando voltei para Cuiabá já era um técnico", comentou.

Os primeiros filmes exibidos em Cuiabá eram de curtas metragens, como documentários, que tinham em média 15 minutos de duração. Porém, depois da década de 20 passaram a ser exibidos no cinema os filmes, na época 'posados', como eram chamados. Entre eles, 'A Cabana do Pai Tomás', A Viúva Alegre e Alma Sertaneja, produzido no Brasil.

Bilhete de entrada do Cine Parisien, primeiro cinema da capital
Foto: Reprodução/livro 'Anos Dourados do Nosso Cinema'

O primeiro cinema de Cuiabá, contudo, surgiu antes da década de 30. O Cine 'Parisien' funcionava na esquina onde hoje abriga a Secretaria Estadual de Cultura (SEC) foi instalado no início do século 20 e, aos poucos, foi evoluindo. Até 1919, por exemplo, o filme era totalmente manual. A luz projetora era através de uma tocha de carbureto por gás de acetileno, acondicionado dentro de uma lanterna. A partir de então, foi adaptado um motor elétrico no sistema de manivela, aumentando a velocidade do filme no projetor.

"Os personagens na tela não ficavam mais a mercê do projecionista, que, quando mais cansado, diminuía a rotação da máquina, daí o artista na tela caminhava mais lento ou vice-versa", diz o escritor em trecho do livro 'Anos Dourados dos Nossos Cinemas'.

Por três anos, Cuiabá ficou sem cinema, com o término do contrato de concessão do Cine Parisien, que fechou as portas. Até que em 1933, após um italiano que morava na capital, chamado Ernesto Bonâmico, assumir a direção do espaço, o cinema foi reinaugurado, com o nome de Cine Teatro República. Na data de reabertura, em 21 de abril, os cuiabanos assistiram ao filme 'Marrocos'.

Dois anos mais tarde, o então prefeito de Cuiabá, João Ponce de Arruda, e o interventor federal da época, Leônidas Anthero, assinaram um novo contrato de concessão para que um novo 'Cine Theatro' fosse construído no prazo de cinco anos.

O prédio localizado na esquina da Rua Joaquim Murtinho com a Avenida Getúlio Vargas, no entanto, foi demolido posteriormente para a construção do 'Grande Hotel', já que Cuiabá não dispunha de nenhum hotel na época. Com a demolição, o cinema foi transferido para o prédio do lado, onde funciona até hoje.

A demolição do prédio ocorreu entre 1939 e 1942. Nesse período, outro cinema foi instalado na capital: o Cine Orion, que ficava na Praça da República, onde hoje abriga o Palácio do Comércio.

A inauguração do novo Cine Teatro foi um grande acontecimento. "Este cinema tão esperado, assemelhava-se à gestação de nascimento de um filho. Durante todo de sua construção, a comunidade cuiabana acompanhava atentamente as obras", diz Aníbal, que é formado em geografia.

Cine São Luiz ficava na Avenida 15 de Novembro, no Porto
Foto: Reprodução/Livro Anos Dourados do Nosso Cinema

Na década de 60, havia três cinemas em Cuiabá. "Nos dias de sábado e domingo, quando os filmes eram melhores, as sessões superlotadas, lembro-me da figura preocupada do 'seo' Gari, controlando o público entre as sessões do cinema", contou Aníbal Alencastro.

Além do Cine Teatro, tinha o Cine São Luiz, na Avenida 15 de Novembro, no Porto, e o Cine Cidade Verde, que ficava na Rua 13 de Junho, na esquina com a Avenida Dom Bosco. Diante do sucesso que fazia, novos cinemas foram construídos, entre eles o 'Cine Tropical', que funcionava na Rua Barão de Melgaço, também na região central. Naquela época, Cuiabá tinha em torno de 80 mil habitantes.

Cine Bandeirantes está fechado, mas a fachada ainda se mantém 
Foto: Pollyana Araújo/G1

Com a fachada ainda intacta até hoje, o Cine Bandeirantes foi construído na década de 60. Conforme o Aníbal conta em seu livro, o cinema fez grande sucesso após a inauguração. "Alguns diziam que logo aquele movimento iria cessar e que aquilo era só 'fogo de palha', por ser um cinema novo, e que logo o público voltaria para os tradicionais Cine Teatro Cuiabá e Cine São Luiz", disse. O cinema contava com equipamentos e sistema de som modernos para a época.

O cinema também chegou aos municípios do interior do estado. Aníbal foi um dos responsáveis pela instalação das salas em Guiratinga, Poxoréu, Rondonópolis e Poconé. "Em Poxoréu, montei o cinema escopo e, na estreia, exibimos o filme 'O Dólar Furado'. Teve um garimpeiro que ficou tão emocionado com o filme que deu um tiro para cima, dentro do cinema", recordou.

Já nos anos 70, com a chegada da televisão, os cuiabanos começaram a ficar mais em casa para assistir às novelas. Em 69 foi instalada a primeira estação de televisão no estado. "O cuiabano é preguiçoso e queria ficar em casa assistindo 'As Púpilas do Senhor Reitor', primeira novela transmitida na região. Desse modo, sem condições para se manter, os cinemas tiveram de fechar as portas por falta de público.

Acervo

Parte do cinema antigo tem espaço na casa do professor de geografia, que se diz apaixonado por história. Um cômodo é reservado para guardar as relíquias, entre elas um 'praxinoscópio', brinquedo que futuramente deu origem ao cinema. O inventor Emile Reynaud fez uma sequência de figuras de um cavalo em cinco posições diferentes para comprovar que em determinado momento o animal ficava com as quatro patas fora do chão. Ao girar o aparelho semelhante a uma roda, dá a impressão de que o cavalo está em movimento.

Aníbal mostra a 'lanterna mágica', aparelho usado para projetar imagens de cinema
Foto: Pollyana Araújo/G1

Além do praxinoscópio, ele tem, entre outros, uma 'lanterna mágica', equipamento usado pelos padres jesuítas para passar filmes e catequizar os indígenas. Com ela, é possível projetar imagens em suporte transparente. O equipamento era fabricado na Alemanha e nos Estados Unidos.

Texto e imagens reproduzidos do site: g1.globo.com/mato-grosso

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