Publicado originalmente no site da Revista Ideias, em 1 de março de 2019
Cinema para cinéfilos
Por José Augusto Jensen
Que tal um cinema com projeção e som de alta qualidade,
poltronas confortáveis com grande distanciamento (2 metros entre um espaldar e
outro) e que loca pufes para esticar as pernas sem cobrar os preços
exorbitantes das ridículas salas “vips”? Não está localizado em shopping, o
consumo de pipoca e refrigerantes é baixíssimo nas salas de exibição, pois não
é incentivado e colocado como lucro principal da empresa. Nas sessões em que
estava, não ouvi barulhos de mastigação, nem o cheiro característico de
gordura. Só exibe filmes classificados como de alta qualidade, de diversas
nacionalidades, principalmente da Europa, América Latina, Ásia e
cinematografias menos conhecidas.
Pois este cinema existe: é o Guion Center Cinemas, com três
salas de exibição, mais um ótimo café, loja de CDs, livros e galeria de arte.
Situado aos fundos de uma galeria, tem amplo estacionamento conveniado, lojas,
restaurantes, cervejarias, lanchonetes. Isto existe em Porto Alegre, Rio Grande
do Sul, no Centro Comercial Nova Olaria (Rua General Lima e Silva, número 776,
Cidade Baixa).
Foi inaugurado em 1995 por Carlos Schmidt. Jornalista,
proprietário e programador das salas com ênfase em mostras e festivais, este
grande agitador cultural é auxiliado por funcionários, sua simpática esposa
Aiko Shimozaki Schmidt e o filho do casal, o artista visual Yuji. Não recebe
incentivo do governo, de nenhuma lei, é um empresário das artes, com tudo que
isso implica.
Carlos nasceu em 1953, participou de festivais com um filme
seu ‒ talvez aí tenha surgido o embrião para seu envolvimento com a exibição,
pois criou a primeira cinemateca do Rio Grande do Sul, a Cinemateca Gaúcha, em
1983, sendo seu presidente até 1995. Reuniu grande e importante acervo com mais
de 2000 títulos. Em 1996 recebeu a medalha “Cidade de Porto Alegre” por
relevantes serviços e em 1997, o Troféu Destaque em Cultura conferido pelo
Jornal do Comércio de Porto Alegre. Um cinéfilo apaixonado e exigente, atento
principalmente a aperfeiçoamentos tecnológicos com que sempre se mantém
atualizado. Desenvolveu com uma fábrica de alto-falantes projetos especiais de
sonorização para suas salas. Esta parceria resultou na construção de enormes
subwoofers em concreto para melhorar a resposta de baixas frequências, também
muito importantes nos filmes de hoje. Não vi isto em outro cinema que tenha
frequentado.
É o melhor dos mundos, pois não pertence a uma entidade
pública, como, na mesma Porto Alegre, a Casa de Cultura Mário Quintana,
decadente, com os cinemas em péssimo estado, projeção e som sofríveis, com
interferência de barulhos externos, ou como nas grandes redes, por exemplo UCI
ou Cinemark, em que o lucro principal vem da lanchonete, pouco importando o
filme projetado, e o cliente é tratado como consumidor de “fast-food”, aos
trancos. O cinema do Carlos é como um bom restaurante em que o dono está sempre
presente supervisionando tudo, em permanente contato com os clientes, clientes
estes cativos e diferenciados dos de shopping.
Na noite em que fui ao Guion em novembro do ano passado,
parecia que eu estava em outro país. Depois de um delicioso café com alguma
guloseima, assisti a “Museu” (Museo), produção mexicana de 2018, dirigida por
Alonso Ruiz-palacios com Gael Garcia Bernal, em grande atuação, e Leonardo
Ortizgris. O roteiro é baseado em fatos reais ocorridos em 1985 em que jovens
veterinários, sem passagens pela polícia, conseguem roubar mais de cem peças
valiosas do Museu Nacional de Antropologia da Cidade do México. Projeção e som
impecáveis, sem interferência de salas contíguas, público educado, sem
perturbações com conversas ou celulares. Depois, um jantar “a la minuta”, na
galeria em frente ou nos inúmeros bares e restaurantes com cadeiras nas
calçadas do bairro boêmio porto-alegrense. Para mim, uma ótima noitada com
amigos, bom chope gelado, discutindo o filme visto.
Texto e imagens reproduzidos do site: revistaideias.com.br/
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