terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Cine São Sebastião



Publicado originalmente no site do JORNAL DO SUDOESTE, em 24/10/2016

Cines S

Por Redação

Se pedirem a paraisenses de algumas gerações que conheceram o Cine São Sebastião, para que resumam o que ele foi e representou no contexto histórico de suas vidas e na de Paraíso, não faltarão adjetivações elogiosas, saudosas de uma época boa, da qual a simples lembrança já remete a uma das melhores salas de espetáculo da sétima arte do interior brasileiro, e nada devia às das capitais.

Sebastião Mateus da Silva trabalhou praticamente metade de seus 78 anos, em cinemas de São Sebastião do Paraíso. Começou vendendo balas no Cine Recreio, colocadas em um tabuleiro por Dona Regina Fressatti Leão.

Com o tempo, Augusto Fressatti que era um dos proprietários do cinema o levou para trabalhar na cabine de projeção. Tornou-se o Tião do Cinema.

O Cine Recreio foi colocado à venda, e uma sociedade formada por trinta e quatro sócios, dentre outros, José Soares Amaral (Zezé), Dr. Jabur, Dr. Joaquim Alves Pinto (Quinzinho), Dr. Álvaro Pinto Vilela, Dr. Joinha Garcia de Figueiredo, comprou a empresa.

Com o passar do tempo, o Cine São Sebastião que era da Empresa São Paulo e Minas, de Hilton Figueiredo, de Passos, também foi adquirida pelos trinta e quatro sócios paraisenses. Compraram também o imóvel que era alugado. Neste período o Cine Recreio foi reformado, e o antigo prédio do Cine São Sebastião, demolido, para ser reinaugurado em 1958 exibindo o filme, A Lenda da Estátua Nua, protagonizado por Sophia Loren, Allan Ladd, Clifton Webb, Alexis Minotis.

“Fomos eu e o Agostinho trabalhar no Cine São Sebastião”, conta Sebastião, dizendo de “boas lembranças” que guarda dos filmes que projetou, ofício prazeroso que lhe oportunizou assistir os grandes clássicos do cinema, épicos campeões de bilheteria que ficavam em cartaz por alguns dias, de casa cheia.

“Era uma das melhores salas de projeção. Nem em Ribeirão havia igual. Equipamento de primeira linha, poltronas estofadas, ambiente requintado. Para ingressar para a sala, frequentadores deveriam estar de paletó e gravata”, enfatiza Sebastião. E esse traje até mesmo funcionários do cinema deveriam usar. “Eu tinha paletó e gravata na cabine e, se por algum motivo precisasse ir ao interior do cinema, tinha que usar”, conta.

Os filmes chegavam a Paraíso de ônibus, enviados por uma distribuidora em Ribeirão Preto. Eram retirados na rodoviária, à época na Praça João Batista Teixeira, onde hoje é a Biblioteca Municipal Professor Alencar Assis. Se houvesse algum extravio, ou por outro motivo não chegassem, não raras vezes era o diretor do cinema, Gilberto de Carvalho quem com seu DKW-Vemag, sem pestanejar se dispunha a ir a Ribeirão buscar o filme.

Ao chegarem, as películas eram examinas quadro por quadro por Sebastião, para se constatar, não estavam arrebentadas. Todo o cuidado era pouco.

Naquele ambiente glamou-roso onde nasceram e terminaram muitos namoros e se registraram histórias de amor perpetuadas até os dias de hoje, também não faltaram casos pitorescos que nos foram narrados por Sebastião Mateus. Conta ele, que quando o saudoso Tonicão Lanzoni ia assistir duas vezes o mesmo filme, algo estava para acontecer saindo de sua forte imaginação. Foi assim, quando estava em cartaz o clássico “E o vento levou”. Em uma das cenas, Scarlett protagonizada pela atriz Viven Leigh subiu uma escadaria. Quando no último degrau, ia virar-se olhando para trás, Tonicão encheu os pulmões, e com seu rompante a chamou: “Scarlett”! O resultado foi uma crise generalizada de risos.

E não ficou somente nesta. Tonicão em filmes de cow-boy alertava à “mocinha” que havia índios atrás da pedra, em seriados quando o Super Homem saia de escombros intransponíveis, gritava ser “marmelada”, e daí por diante, tudo fruto de imaginação fértil, sadia.

Algumas brincadeiras, no entanto, eram de mau gosto, como a de estudantes no início da década de 60. Curiosos em experimentos houve quem aprendeu reação química capaz de exalar cheiro insuportável, semelhante a enxofre, acondicionados em pequenos frascos. Antecedendo a grande tela do Cine São Sebastião havia um palco, meia fonte luminosa, e, em posições estratégicas, grandes ventiladores pensados para promover a circulação do ar na sala, sendo auxiliados por exaustores no lado oposto, na entrada. Ardilosamente, estudantes destampavam e colocavam os “vidrinhos catingudos” bem na frente dos ventiladores. A princípio, frequentadores começavam a olhar de lado, com desconfiança, depois aquilo se alastrava cinema afora. “Tivemos que interromper a projeção em algumas sessões”, lembra Sebastião Mateus.

Entremeio a músicas do LP de Billy Vaughn que rodava da primeira à última faixa, culminando com Love is a many splendored thing, característica assinalando o apagar das luzes, e início da sessão, havia algo a mais no ar que os perfumes da época,, o Lancaster dos rapazes e Hora Íntima das jovens e senhoras, e os bombons e balas compradas na bombo-niere da antessala, das simpáticas irmãs Rezende, da Luzia na bilheteria e a Gê, eterna porteira, dos lanterninhas solícitos a conseguir um lugar para os retardatários, e para dar um sinal quando alguns jovens, mais afoitos e entusiasmados se excediam às “boas normas “ da época.

E esse filme, certamente hoje passa na memória de um incontável número de paraisen-ses e frequentadores da região, que, com justificada razão, se emocionam e viajam no tempo e espaço, ao rememorarem o Cine São Sebastião.

Quando perguntei ao Sebastião, qual filme foi o mais marcante nos seus mais de 40 anos como encarregado de, do alto da cabine cuidar das máquinas para levar emoções aos afeiçoados cinéfilos, ele disse ter sido o filme nacional “Estrada da Vida” que lotou o cinema durante toda a semana, e somente não mais ficou em cartaz, porque havia data certa para ser lançado em Mococa.

A Sétima Arte é envolvente, e cada qual tem sempre, alguns filmes inesquecíveis.

Texto e imagens reproduzidos do site: jornaldosudoeste.com.br

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