Foto: Divulgação
Publicado originalmente no site [revistaideias], em 5 de maio de 2016
O cinema no cinema
Por José Augusto Jensen
“Cinema Paradiso”, escrito e dirigido por Guiuseppe
Tornatore, de 1988, com Philippe Noiret, bela trilha de Ennio Morricone, é uma
magnífica declaração de amor ao cinema, à infância e aos antigos trabalhadores
da sétima arte. Principais prêmios: Oscar e Globo de Ouro de filme estrangeiro,
grande prêmio do júri do festival de Cannes, British Academy Awards, de melhor
filme estrangeiro, roteiro original e ator, entre outros. No ano seguinte temos
“Splendor”, de Ettore Scola, com Marcello Mastroiani, nostálgica visão,
acompanhando a decadência das salas de exibição com o surgimento da televisão.
Mais recentemente, “O Artista”, de 2011, direção de Michel
Hazanavicus, com Jean Dujardin, Bérénice Bejo e John Goodman. Indicado a 10
Oscars, ganhou 5, incluindo melhor filme, ator e diretor. A história se passa
entre 1927 e 1930, focando em um ator em declínio e uma atriz em ascensão, na
transição do filme mudo para o falado. Lindamente filmado em preto e branco e
quase inteiramente mudo. O personagem, inconformado com sua situação de ator
mudo, é refém dos filmes em um incêndio, salvo no último instante pelo seu cão
herói. Em “Cinema Paradiso”, o operador Alfredo, fica cego em um incêndio na
cabine do cinema, provocado também pela película, e para trabalhar conta com a
ajuda do garoto Totó, agora seus olhos, e futuro cineasta bem-sucedido. Qual o
motivo para estes incêndios? A película nesta época retratada, continha nitrato
de celulose em sua composição, substância altamente inflamável, quimicamente
similar à dinamite. A altas temperaturas, ou faíscas, poderia facilmente
incendiar-se. Os filmes eram transportados em latas de metal fechadas e
armazenados nos cinemas, em cofres também de metal, com compartimentos para
cada rolo em uma sala separada, anexa à cabine de projeção. Era proibido fumar
ou utilizar algo que provocasse chama nestes locais.
Mas havia outro perigo muito próximo, as lanternas dos
projetores, que forneciam a luminosidade para a projeção. Os cinemas eram
grandes, 2000 lugares, telas enormes, chegando a 17 metros de largura e a
grande distância da cabine. Não havia lâmpadas potentes o suficiente para tanto
na época. Utilizavam-se barras de carvão alimentadas com altas correntes
elétricas, que geravam um arco de altíssima luminosidade, as que produziam
também muito calor e resíduos. As cabines eram equipadas com exaustão forçada
em chaminés para cada lanterna. Estas finas barras de carvão, especialmente
fabricadas para esta finalidade, duravam muito pouco, por isso a projeção era
feita com dois projetores que se alternavam exibindo os pequenos rolos de
aproximadamente 10 minutos. Também por segurança, pois se por algum motivo o
filme se rompesse na janela do projetor, fatalmente pegaria fogo. Estas
lanternas precisavam da atenção constante do operador, pois qualquer variação
no alinhamento ou queima irregular do carvão, poderia escurecer a tela, valia
também sua habilidade para passar de um projetor a outro sem a percepção da
plateia, pois quando ele “comia” alguma cena ou provocava alguma pequena interrupção,
era fatalmente vaiado. Por isso nas cabines trabalhavam no mínimo o operador e
seu ajudante, que tinha a função de enrolar os filmes projetados e arquivá-los
para a próxima exibição. Sentiam-se parte do espetáculo, responsáveis pelas
emoções da plateia e, principalmente, gostavam de filmes, pois ao assisti-los
vibravam, eram motivados pela sétima arte. Ainda por segurança, os projetores
continham dois magazines fechados para o rolo do filme em exibição e eram
refrigerados por um sistema de água corrente, para diminuir a temperatura de
trabalho.
Este tipo de lanterna era também usada em canhões de luz
para grandes teatros. Outra função era a de tocar os discos de música antes e
depois da sessão, que eram os de 78 rpm, com 2 a 3 minutos de duração cada
lado. Acionar jogos de luzes, tocar o gongo, abrir as cortinas, passar os
slides de publicidade e começar a sessão. Como se dizia, não podiam cochilar.
Cabine do cine Ópera final dos anos 1940. Note-se a lanterna
de um dos projetores.
Primeiro à esquerda, o operador Sr. João Caputo, ao
centro o técnico e gerente
Sr. Waldomiro Jensen, e o ajudante de cabine não
identificado.
Atrás deles os enormes amplificadores valvulados, que eram dois,
para o caso de defeito e podiam ser rapidamente comutados. “O show não podia
parar”.
Esta cabine, pelo mesmo motivo, era equipada com três projetores. Foto:
Acervo pessoal
Cine Avenida, exibição de “E o vento Levou”, (Gone with the
Wind), distribuição MGM de 1939, com Vivien Leigh, Clark Gable, direção de
Victor Fleming, produção de David O. Selznick, 233 minutos. Durante uma sessão,
o filme arrebentou na janela do projetor, pegou fogo e subiu para o rolo. O
operador rapidamente rasgou o filme queimando seriamente suas mãos, mas salvou
o restante, pois sem aquela parte, o filme seria retirado de cartaz, inutilizando
toda a cópia, além do perigo de um incêndio. Não havia laboratório no Brasil,
teria que vir a parte dos EUA, o que demorava muito, seu nome: Francisco
Morilha, conhecido por Paquito, veterano operador desde os tempos do cinema
mudo, muito querido entre os colegas na cidade. Foi levado para a Santa Casa de
Misericórdia, onde foi atendido e a sessão continuou com seus ajudantes. Uma
vítima da profissão, como aconteceu com outros na época.
Em 1948 foi lançado um filme seguro, o chamado “safety”, de
cellulose triacetate, comumente chamado de celuloide, que não propagava a
chama, queimando, borbulhando, somente a parte exposta ao fogo. Os filmes
começaram a vir em rolos de vinte minutos, tornando a vida dos operadores mais
fácil e segura.
Projetor 35mm com a lanterna de arco. Note as barras de
carvão
e o espelho refletor. Também os magazines abertos
com o filme na parte
de cima. Foto: Divulgação
Nos anos 1980, começaram a instalar lanternas para cinema
com lâmpadas Xenon, que fornecem alta luminosidade e durabilidade de muitas horas.
Com isso, os filmes passaram a ser projetados com um só projetor emendados em
um único rolo. O problema é que os operadores ligavam o equipamento e saíam
para bater papo, não ficavam mais na cabine, e quando acontecia algum problema
na projeção ou no som, demoravam demais a corrigir, pois não estavam atentos
como seus antecessores, isto é, não mais assistiam aos filmes, inclusive
perdendo a motivação da profissão, pois não se sentiam mais parte do
espetáculo, que antes, dependia da atenção e trabalho deles. Quando vieram os
multiplex, cada um atendia diversas cabines e por isso os cinemas tiveram que
variar o início de cada sessão, para dar tempo de carregar e ligar os diversos
projetores. Tornou-se um trabalho solitário, mecânico e chato, quanto mais no
cinema digital hoje, que é só um apertar de botões, dependendo do grau de
automação do equipamento.
Se acontece algum problema e você vai reclamar, eles nem
sabem do que está falando, muito menos o que fazer, na maioria das vezes.
Frequentemente devolvem o dinheiro ou remarcam o ingresso para outra sessão, o
problema passa a ser seu.
Por falar em problemas, saudades dos lanterninhas, que além
de ajudar a encontrar os lugares, eram responsáveis pelo bom comportamento.
Seria uma ótima ajuda contra as pessoas que insistem em conversar durante a
sessão ou utilizar seus telefones com a luz das telinhas atrapalhando. Quando
alguém reclama, ainda ficam ofendidas e agressivas. E não é só problema com os
jovens, educação não tem nada a ver com idade ou o tipo de filme. Hoje, tem que
ser um filme muito bom para me animar a frequentar um cinema, pois corre-se o
risco do lazer transforma-se em grande transtorno e frustração. E trate de se
acostumar com o cheiro e o barulho do lanche.
Texto e imagens reproduzidos do site: revistaideias.com.br
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