sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Último cinema pornô do DF, o Cine Paranoá é um filme de terror







Publicação compartilhada do site METRÓPOLES, de 28 de abril de 2026  

Último cinema pornô do DF, o Cine Paranoá é um filme de terror

A sala de projeção funciona em um subsolo, em Taguatinga Centro, e recebe cerca de 90 pessoas por dia. O público majoritário é de homens sozinhos, mas também vão mulheres desacompanhadas e casais

Por Leilane Menezes e Daniel Ferreira

Cine Paranoá

Fim de expediente é hora de pegar um cineminha. Em cartaz: Big Volume II, Dupla Invasão 4 e Malhação Anal. Perto das 17h, o último cinema que exibe filmes pornográficos no Distrito Federal, o Cine Paranoá, em um subsolo de Taguatinga Centro, vive o horário de pico de clientes. A hora de almoço também atrai alguns famintos de prazer.

As portas da sala de exibição abrem-se às 12h e fecham-se às 21h. São cerca de 90 cinéfilos da pornografia diariamente, de segunda-feira a domingo. Os fins de semana são mais movimentados, mas não há um dia sequer de cinema vazio.

O público majoritário é de homens sozinhos, mas também vão mulheres desacompanhadas e casais. Há jovens e velhos, sarados e barrigudos, religiosos e ateus, além de muita gente com cara de que está ali escondido da mulher e dos filhos.

Alguns nem trocam o uniforme do futebol e vão direto da “pelada” para o cinema. Existe também prostituição. Oficialmente, vender sexo na sala é proibido pela gerência, mas, como ninguém fiscaliza, a regra fica só no acordo verbal.

O cinema é para maiores de 18 anos, mas a funcionária na bilheteria não pede identidade. Também não há revista para barrar a entrada de armas, por exemplo. O porteiro garante que nunca precisou chamar a polícia. Ao contrário das salas de projeção tradicionais, que podem barrar alimentos trazidos de fora, no Cine Paranoá pode tudo, inclusive ingressar com comida e bebida alcoólica. “Temos uma lojinha com cerveja, chocolate e camisinhas, mas também pode trazer de casa”, explica o porteiro.

A entrada custa R$ 12, sem opção de pagar meia. Dá direito a circular por todos os ambientes, que são limpos uma vez por dia. O primeiro é a sala VIP, logo na entrada, com 15 cadeiras de couro vermelho dispostas em formato de U. Uma pequena televisão exibe sexo explícito, mas quem quiser ver cenas de masturbação pode simplesmente olhar para o lado.

Todos os filmes exibidos são heterossexuais. Quando acaba uma “história”, logo começa outra na tela. Os três títulos em cartaz repetem-se o dia todo. Sempre com atores de poucas palavras, que vão direto ao ponto, e mulheres que, apesar dos berros e gemidos, parecem não gostar nem um pouco de estar ali, na vida real.

Atrás de uma cortina negra de veludo, está a sala de projeção principal, com 290 assentos e alguns gatos (o bichano, não as pessoas bonitas) que circulam calmamente. Um telão igual ao dos cinemas comuns mostra o mesmo filme que aparece na telinha da antessala. À primeira vista, a imagem intimida. Afinal, não é todo dia que se vê uma supervagina em tela gigante.

Enquanto isso, o ambiente fede a cheiro de suor e esperma. Apesar de ter ar-condicionado, o cinema é abafado, o que não parece atrapalhar a animação. É possível ouvir o barulho dos cintos se desabotoando e das pessoas se movimentando. Um palco de madeira fica na frente do telão, caso algum casal mais empolgado queira se exibir, mas são raros os que fazem a alegria da galera com sexo ao vivo no tablado.

Nos fundos da sala principal, uma escada de concreto cinza leva ao andar superior, onde fica o darkroom, um quarto escuro, sem móvel nenhum. A única iluminação vem de parte do telão, que pode ser vista lá de cima. Principalmente os homens sobem para aventurar-se sexualmente, muitas vezes veem somente a silhueta do parceiro, por conta do breu. Enquanto esperam companhia, ficam encostados na parede e não raramente começam a brincadeira sozinhos mesmo.

O código de conduta é simples: contato visual significa autorização para se aproximar. Alguns se relacionam em público, outros vão até o banheiro para transar. Se não rolar interesse, um simples “não, obrigada” resolve. O porteiro, um jovem não muito alto e não muito forte, que há três anos acumula também a função de único segurança do Cine Paranoá, garante que nunca houve caso de estupro.

“É bem de boa, se você não quer, todo mundo respeita. A gente nunca teve problema com isso. Se eu não trabalhasse aqui e não conhecesse o lugar, não teria coragem de trazer uma namorada. Ia ficar grilado, mas depois que conhece o lugar, vê que é tranquilo”, diz.

A sensação de estar ali, para uma simples observadora e visitante de primeira (e última) viagem, é de medo. Os olhares de cobiça são agressivos. Quando descem as escadas do Cine Paranoá, alguns frequentadores parecem acessar desejos guardados, que não podem ser revelados na superfície. É uma atmosfera de permissão e fantasia, uma fuga da “vida real”.

Se você perguntar, tem muita gente casada. Eles vão dizer que são hétero e nem gostam de gay. Mas quem entra aqui, geralmente, não quer nem saber se é homem ou mulher, o que passar na frente eles pegam. Da porta para fora são outras pessoas, diz o porteiro

A Galeria Paranoá, em Taguatinga Centro, onde fica o cinema, tem farmácias, uma livraria católica, lojas de música e escritórios jurídicos. Os comerciantes vizinhos já reclamaram da atividade do cinema e até chamaram a polícia, algumas vezes, com denúncias de prostituição. Policiais determinaram apenas a retirada dos pôsteres que anunciam a programação, mas a administração do cinema conseguiu autorização para colocá-los de volta. “Tem criança que tem aula de música aqui. É lógico que elas ficam curiosas e querem olhar os cartazes. Acho desconfortável”, diz uma comerciante.

Como tudo começou

A história do Cine Paranoá, assim como a de outros cinemas eróticos do DF, está no livro-reportagem “Libertinagem Projetada”, trabalho de conclusão de curso da jornalista Nathalia Novais Chagas, disponível em PDF.

“A sala existe desde dezembro de 1960 e exibia filmes tradicionais até 1982. O primeiro filme a passar na sala foi Hércules de Tebas e, antes de mudar a programação para filmes pornôs, era frequentada principalmente por quem morava perto e considerada um programa para família. Em 1983, a sala entrou no circuito cinematográfico pornô, novidade na época e alternativa para evitar o fechamento de cinemas”, escreveu Nathalia.

Eu escolhia um cara bem macho, sentava do lado, conversava e então eu começava a passar a mão, depois a gente ia para o banheiro transar. Trecho de entrevista dada por um frequentador ao livro Libertinagem Projetada.

Vários outros espaços como esse já funcionaram no DF. “A exibição de filmes pornôs em Brasília começou em 1982, com o Cine Astor, sala de cinema do Conjunto Nacional”, informa o livro. O mais famoso era o Cine Ritz, no Conic, inaugurado em 1986 e fechado em 2009, graças a denúncias de prostituição, exploração sexual de menores e perturbação do sossego. O Cine Vip, que ficava no Cruzeiro Center, teve o mesmo destino. Agora, resta somente o Cine Paranoá, para quem gosta desse tipo de entretenimento.

Os atuais donos do Cine Paranoá também mantêm uma sala no mesmo modelo, em Goiânia. O Metrópoles entrou em contato com os proprietários, mas conseguiu falar somente com a secretária e, apesar de ter deixado recados, não recebeu retorno.

Texto e imagens reproduzidos do site: www metropoles com

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