domingo, 14 de setembro de 2025

Bora ver um filme? Campo Grande já exibiu milhares...

Uma das extintas salas de cinema, em Campo Grande.
 Foto: Henrique Arakaki/Jornal Midiamax

Imagem de estreia de um filme de terror, em Campo Grande, foi recentemente restaurada.
  Foto: Henrique Arakaki/Reprodução

Pesquisador possui documentos sobre o cinema japonês, em Campo Grande. 
Foto: Henrique Arakaki/Jornal Midiamax

Professora diz que sempre frequentou cinemas, com marido e depois com os filhos.
 Foto: Henrique Arakaki/Jornal Midiamax

Artigo compartilhado do site MIDIAMAX UOL, de 16 de agosto de 2022 

Bora ver um filme? Campo Grande já exibiu milhares e magia dos antigos cinemas jamais será esquecida

‘Engolidos’ pelas grandes redes, os cinemas foram sumindo ano a ano. Alguém aí imagina que Campo Grande já teve dezenas espalhados no Centro e em bairros?

Por Graziela Rezende

O momento é de relaxar… vamos assistir a um filme? Eu compro aquela pipoca amanteigada “sabor cinema” e você a bebida, pode ser? O início do diálogo mostra que a tecnologia trouxe tudo, do VHS ao streaming, os filmes podem ser assistidos em casa, a famosa pipoca feita no micro-ondas e tudo mais. Mas e a magia do cinema? Esta acho impossível ser copiada. Só quem frequenta sabe o quanto é diferente.

‘Engolidos’ pelas grandes redes, os cinemas foram sumindo ano a ano. Alguém aí imagina que Campo Grande já teve dezenas espalhados no Centro e em bairros? Que reuniam milhares de pessoas, em extensas filas e com o dinheiro – em cruzeiros – trocadinho para entrar na sessão, paquerar, confraternizar ao lado dos amigos e até embalar futuras histórias de amor?

É o caso da professora Marilei Teresinha Matielli Arakaki, de 51 anos. Foi na porta do extinto Cine Campo Grande, localizado na Rua 15 de Novembro, região central da cidade, que os olhos dela se cruzaram com a pessoa que seria o amor da sua vida, o funcionário público aposentado Alberto Arakaki, de 69 anos. Atualmente, comemoram bodas de prata juntos, dois filhos… e o cinema? Jamais deixaram de ir, tanto como casal ou juntamente com os filhos.

“Eu conheci o cinema aqui em Mato Grosso do Sul aos 16 anos. Também fui com o pessoal do trabalho, no Rio de Janeiro, mas ia mais com o meu irmão, até então na antiga rodoviária. A gente só descobria o filme quando chegava lá, sempre lotado, com extensas filas. Os amigos frequentavam ali também, a gente ficava no escuro e geralmente depois saía para tomar um sorvete na antiga Cacimba”, comentou Marilei.

Mesmo não sendo fã de terror, Marilei falou que assistia com o irmão. “Tá valendo, eu pensava. E numa dessas idas ao cinema alguém mostrou minha foto ao Alberto e ele falou que queria me conhecer. Nesse momento eu não estava. Quando o vi pela primeira vez, me lembrei que já tinha avistado ele no shopping e até pensei: ‘Com esse eu casava’. Só que nossos olhos se cruzaram mesmo, pela primeira vez, no cinema”, relembrou.  

A data do encontro ficou eternizada: 26 de junho de 1995. Ao chegar em casa, Marilei preencheu uma folha na agenda com três palavras “Conheci o Alberto”. “Eu estava com uma blusa vermelha, calça preta e ele todo social. Nós assistimos Coração Valente e ele colocou a mão no meu ombro, foi aquela emoção. Depois, eu e meu irmão ligamos para nossa mãe, avisando que a gente ia atrasar um pouco e, naquele dia, ele já me pediu em namoro”, contou.

O pedido, segundo ela, foi quando Marilei deu uma carona para o Alberto, até o condomínio onde ele morava. “Nossos encontros continuaram sendo no cinema e fiquei muito triste quando vi o Cine Campo Grande fechado. Nós íamos sempre e continuamos indo após os filhos. Eles assistiam desenhos, fazíamos passeios na praça, era muito legal”, disse.

Com a chegada do VHS, a professora diz que diminuíram os passeios aos cinemas, porém, ela relata que nunca deixou de ir por conta da magia. “É algo especial, diferente. No meu caso mais ainda, porque encontrei o meu grande amor lá. Se eu pudesse, gostaria de reabrir o Cine Campo Grande. Passo lá, vejo abandonado, me dá uma tristeza”, lamentou.

Arlinda Garcia Granja também iniciou o namoro, com Sílvio Granja, no Cine Estrela, localizado no bairro Santo Amaro. Na ocasião, entrou uma cobra pela porta lateral do cinema, que estava aberta, já que a refrigeração era deficiente. Segundo ela, foi uma gritaria e a sessão precisou ser suspensa até a cobra ser encontrada. Até a data ficou guardada na memória: 5 de janeiro de 1970.

“Estava iniciando o filme, houve uma gritaria no recinto, muita gente correndo para as saídas. As luzes se acenderam e a sessão parou. Uma cobra entrou por uma porta lateral, que fora aberta para auxiliar na ventilação precária do cine. Depois de um tempo, encontraram o réptil e a exibição foi reiniciada numa boa. Só não recordo qual era o filme. Naquele ano, foi quando o Brasil foi tricampeão mundial de futebol, no México”, comentou.

Estudioso do assunto, o engenheiro aposentado Celso Higa, de 68 anos, possui memórias impressas, digitais e fotográficas dos cinemas sul-mato-grossenses, em especial Campo Grande. Além, é claro, de memórias afetivas e momentos engraçados, já que ele frequentou cinemas com os pais, a futura esposa e amigos, contabilizando muitas histórias.

No decorrer da vida, Celso também percorreu livrarias, sebos e montou até uma espécie de museu em casa, na Vila Sobrinho, em Campo Grande, com diversos livros sobre a cultura sul-mato-grossense e o cinema.

“Eu não sou historiador, mas, sempre gostei muito destes assuntos nas minhas horas vagas e me tornei curador do cinema japonês. Grande parte deste interesse surgiu quando trabalhava na área de energia e ocorria a construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil por aqui. Tenho até um pedaço do trilho como lembrança. Aliás, tenho um quarto aqui em casa só para minhas coisas e muitos documentos relacionados ao cinema”, explicou.

O primeiro a ser relatado por Celso é o extinto Cine-teatro Santa Helena, inaugurado em 1929, na rua Dom Aquino, na capital sul-mato-grossense. Embora considerado um local de prostíbulo e bebedeira, o local atravessou gerações e arrebatava multidões, incluindo os momentos em que transmitia filmes de faroeste.

“Eu ia primeiro com os meus pais. Toda sexta tinha filme japonês por lá, então, tive a influência deles e depois ia com os amigos. E com o tempo fui me interessando cada vez mais por este assunto, até que comecei a comprar livros e fazer coisas que avivassem a cultura japonesa. Após um tempo, um dos diretores do MIS [Museu da Imagem e do Som] viu esse trabalho e me chamou para ajudar nas pesquisas, assim como a Marinete [Pinheiro, jornalista e cineasta]. Agora, já está na quinta edição de uma curadoria”, falou.

No caso dos filmes japoneses, por exemplo, Higa ressaltou que os áudios eram em japonês e a legenda em português. “A comunidade japonesa sempre se uniu de alguma forma e todo mundo conhecia quem era da alfaiataria, da quitanda e da barbearia, por exemplo. E essas pessoas se reuniam para prestigiar filmes, geralmente de samurai contra samurai. Quem frequentava, também recebia um jornal para saber de toda a programação do Cine Santa Helena”, explicou.

Quase vinte anos antes, do Santa Helena, é que teria ocorrido a inauguração do primeiro cinema de Campo Grande, o Cine Brasil. No livro Sala de Sonhos – Memórias dos cinemas de Mato Grosso do Sul – a data da primeira transmissão, ao ar livre, seria 1910, ano contestado por Celso Higa.

“Nas minhas pesquisas isso ocorreu no ano de 1912, três anos depois do arruamento e de todo o progresso que isso trouxe para a cidade. Aliás, todo este progresso começou a ser vislumbrado a partir de outubro de 1907, na época em que uma comissão passou pela cidade com a intenção de fazer levantamento topográfico da estrada de ferro”, explicou.

Dois anos depois, os cinemas já haviam feito um percurso, de Miranda e Corumbá, por exemplo. “Era o cinema do Pedutti, que iniciou lá por 1950 e tinha até um música que marcava a abertura do cinema dele. Em todos os filmes tinha. Por aqui também tinha o Cine Ideal, que ficava na rua 7 de setembro, entre a 14 e a 13. Outro cinema era o Rio Branco, na 13 de maio com a Afonso Pena, onde hoje é um posto da Copagaz. Aliás, dizem que até hoje existem resquícios da construção”, falou.

Outro antigo cinema em Campo Grande é o Cine Alhambra, que existia na Avenida Afonso Pena. “O Santa Helena acredito que foi o mais popular destes todos. Tinha a sessão somente para juntar troco e a gente adorava brincar com quem queria ir ao banheiro no meio do filme. A pessoa passava naquele assoalho de madeira, fazia barulho e, como estava tudo escuro, a gente ficava falando coisas, bagunçando”, relembrou.

Em estreia de filme de terror, ambulância ficou na porta e senhor passou mal

Ao falar dos gêneros de filmes, Higa fala de uma história inusitada ocorrida no Cine Estrela, no bairro Santo Amaro. “O cinema ganhou este nome por conta de uma padaria que tinha ao lado, de nome Estrela. O dono emprestou o nome para o cinema e empresta até cadeira, quando precisava. Uma vez ele foi exibir o filme Drácula, o vampiro da Noite. Uma ambulância precisou ser estacionada na frente do cinema e um senhor passou mal, foi socorrido lá. Eu lembro que também tinha muita poeira, uma vez até achei que era da imagem do filme, tipo o nosso 3D de hoje”, brincou.

A jornalista, cineasta, produtora cultural e escritora, Marinete Pinheiro, autora do livro Sala de Sonhos, também ressalta que as salas de cinema, durante várias décadas, foram os principais espaços de lazer para os campo-grandenses. Em seus estudos, ressalta que o cinema foi trazido em 1910, pelo italiano Raphael Orrico, que pretendia apresentar ao – até então Arraial de Santo Antônio de Campo Grande – a inédita forma de comunicação de imagens.

Foi aí que ele instalou, sob a copa das árvores, o Cine Brasil. Projetados em um grande pano branco, os filmes eram exibidos nas paredes do Hotel Democrata, na travessa Lydia Bais, onde atualmente vemos somente a igreja Santo Antônio. As pessoas sentavam em tábuas e, em algumas ocasiões, precisavam até levar as próprias cadeiras. No entanto, sempre tinha algum aventureiro que subia em árvores para assistir aos filmes. Marcado para às 20h, eram anunciados por foguetes e rojões e o público tinha chocolate quente e conhaque servido pelo Chiquinho do Hotel Democrata. Outra curiosidade: a energia para o filme era um motor, movido a gasolina ou querosene.

Ainda conforme Marinete, que fala sobre o assunto no site CPCB (Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro), outro personagem marcante para a época foi o paulista e caixeiro viajante Francisco de Barros, o “Chico Phonografo”. No ano de 1903 ele trouxe para a quermesse de Santo Antônio um aparelho com uma manivela, capaz de girar fitas de celulóide com figuras que produziam pequenas histórias vistas por um orifício.

Nove anos depois, conforme também relato por Higa, tivemos aqui a inauguração do Cine Ideal, pela empresa Nepomuceno & Barros, na Rua 7 de Setembro, quase esquina com a 14 de Julho, sendo este considerado o primeiro cinema fechado de Campo Grande.

Logo depois, o uberabense Bertolino Ferreira de Oliveira inaugurou, em 1914, o Cine Rio Branco, localizado na Rua 13 de Maio, e que posteriormente foi vendido a Santiago Solari. Este cine funcionava num pequeno salão alugado e se prestava à diversão local. Em 1918, Campo Grande foi elevado à categoria de cidade. A chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (atual Novoeste) fez com que a cidade despontasse como a de maior crescimento do antigo Estado de Mato Grosso. É nesse contexto que Valentin dos Santos inaugura, em 1920, o Cine Guarani, segundo a cineasta.

No caso deste cinema, as instalações eram de teatro com camarotes, considerado um luxo para a época. Houve troca de donos, o cinema foi reformando e ganhou novo nome: Cine Central. Além de filmes, peças de teatro amadores também ocorriam ali. O concorrente à altura para este lugar veio surgir somente após mais de uma década. O Cine Trianon, em 1932, foi um marco cultural para sociedade da época. O endereço dele é onde se encontra hoje a Galeria São José.

No entanto, pouco antes, a cidade também tinha ganhado o Cine Santa Helena, em um endereço considerado “ponto de jogatinha, prostíbulos e bebedeira”, de acordo com Marinete. O dono, no entanto, quis dar uma cara nova ao endereço. O cinema tinha 1,3 mil lugares e mudou de proprietário em 1937, quando Saad resolveu vendê-lo para Félix Damus. Este, por sua vez, fez uma reforma e instalou equipamentos importados da Europa, sendo o primeiro a exibir de filmes com som e imagem simultâneos. Um deles foi Deve ser Amor (1920), com atriz principal Collen Moore.

Em 1937, Karim Bacha inaugurou o Cine-teatro Alhambra, na Avenida Afonso Pena. Para muitos, este foi o cinema mais significativo e ponto de encontros amorosos. Prova disso é o casal Tarcísio Dal Farra e Nelly Hugueney, que também se conheceu na porta do cinema e morou ao lado por mais de três décadas, administrando os cines Alhambra, Rialto, Santa Helena, Plaza, Center e o Auto Cine. Isso perdurou por um período, até a demolição para a construção de um hotel.

Capital teve cinema com 800 lugares e público tinha que usar roupas chiques

Outro cinema relevante em Campo Grande foi o Cine Rialto, instalado na Rua Antônio Maria Coelho. Este tinha uma arquitetura simples, 800 lugares e ficou marcado por longas filas. Na época, o rádio ainda era coisa de gente privilegiada e televisão nem existia. Foi assim até a década de 50, quando o público reduziu muito e houve uma reforma, transformando o local em cinema de luxo, com cadeiras de estofado e exigência de roupas chiques por parte do público.

Com o passar do tempo e reforma do Cine Alhambra, este cinema perdeu grande parte do público. Em 1972, a capital também ganhou o Cine Estrela. Mesmo distante, atraía público, porém, fechou após seis anos. O bairro Nova Campo Grande, na mesma época, ganhou uma sala de cinema, considerada “monumental” na década de 70. O prédio inclusive foi levantado pelo tenente da FEB (Força Expedicionária Brasileira) Ubirajara Ortega, com a ajuda de sua esposa, Adelina Arce Ortega, e de um pedreiro. No local, as exibições encerraram no ano de 1982, ainda conforme Pinheiro.

No mesmo período, em 1976, começaram a funcionar os cinemas Plaza e Center, ambos instalados dentro do terminal rodoviário de Campo Grande. Logo no lançamento do filme Os Trapalhões no Planeta dos Macacos, homens, mulheres e crianças formaram enormes filas. No estacionamento, localizado no subsolo, era difícil encontrar uma vaga. O Cine Plaza ficou de 1977 a 1993. Ele tinha sala de espera, ar-condicionado e um american bar que possibilitava às pessoas assistirem ao filme e, ao mesmo tempo, conversarem sem atrapalhar a plateia acomodada nas cadeiras normais.

Chegada do videocassete reduziu frequência do público nos cinemas

A televisão, depois o videocassete, o DVD e o streaming. Tudo isso foi reduzindo, ano a ano, drasticamente a frequência do público nos cinemas. Com isso, os donos de cinemas passaram a amargurar dívidas e muitos exibiam o mesmo filme durante longo período ou então fecharam.

Alguns, no entanto, encontraram outro nicho, como o Center que começou a exibir somente filmes pornográficos. Depois, grandes redes se instalaram aqui: Cinemark, Cinépolis e UCI. Um século após a primeira exibição, muita coisa mudou. Agora a magia do cinema, o escurinho do cinema, como já canta Rita Lee, essa é impossível ser imitada. E você, também ama um cineminha, uma pipoquinha, uma boa companhia ao lado e muita, mas muita imaginação? Conte sua história pra gente!

Texto e imagens reprduzidas do site: midiamax uol com br

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Cine Teatro Iris - O farwest nas telas foi o sonho de uma geração

Foto: Arquivo ZMP

Artigo compartilhado do site FEIRA DE SANTANA, de 31 de janeiro de 2025

Cine Teatro Iris - O farwest nas telas foi o sonho de uma geração
Por Zadir Marques Porto

O encanto do cinema, podemos usar como referência o grande Cine Teatro Iris, não era só para a criançada

Lembrar o final da década de 1950 e início da década de 1960 em Feira de Santana significa passar, obrigatoriamente, pelo Cine Teatro Iris. Para a meninada que lia e andava com revistas de farwest, como se fossem livros didáticos, esse trajeto era fundamental nas matinês dominicais. Um sonho que outra geração jamais irá sonhar.

“Baleiro, bala, baleiro, bala”, o pregão do rapazinho com a sua cobiçada cesta de doces e caramelos, misturava-se às vozes juvenis no comércio de revistas de quadrinhos na porta do Cine Teatro Iris, localizado na Avenida Senhor dos Passos, quase esquina com a Rua Carlos Gomes. Um cenário comum todas as tardes de domingo, na parte externa do cinema, como o que ocorria na parte interna, onde os filmes de farwest, na sala de projeção, empolgavam centenas de garotos.

Domingo à tarde, a partir das 13 horas, não havia outro programa para a gurizada (na época, até aos 15 anos podia-se classificar assim). O grito de gol, os dribles, tombos e pequenas confusões nos incontáveis campos de areia existentes a cada rua, a cada terreno baldio, tudo silenciava em favor do bangue-bangue. Bem antes do início da sessão cinematográfica, a meninada estava ali para vender, comprar e trocar revistas, uma verdadeira ‘bolsa de valores’ para quem nem sabia o que isso significava, mas sabia muito bem o valor de uma revista com estórias, ou histórias, do velho oeste.

E enquanto aguardavam o início da sessão, disputavam as revistas com heróis da tela como Cisco Kid, Rocky Lane, Flecha Ligeira, Durango Kid, Zorro, Paladino do Oeste, Roy Rogers, Kit Carson (O Pequeno Sheriff), Cavaleiro Negro, Bat Masterson, Gene Autry, Monte Hale, que galopavam continuamente nas páginas em preto e branco, defendendo os colonos e pessoas do bem contra malfeitores e índios revoltos. Quase sempre, ou sempre mesmo, havia duelos à bala, que paravam as pequenas cidades do velho oeste e também quase paravam os corações dos jovens espectadores, embora já se soubesse que o mocinho, com a sua incomparável perícia no sacar do colt, jamais perderia para aquele bandido fanfarrão e traiçoeiro.

E havia os seriados, geralmente encabeçados por um famoso caubói, tendo como companheiro um veterano e já ‘meio biruta’ que criava situações hilárias e às vezes difíceis para o mocinho galã, mas nada que ele não pudesse resolver satisfatoriamente e continuar com o amigo trapalhão. Os assaltos a bancos e diligências, as lutas entre o exército norte-americano e os índios, o forasteiro que entrava no bar e era provocado por bandidos, o roubo de gado, o olhar significativo entre a mocinha e o estranho, muita coisa se repetia como clichê, mas era um mundo próprio, particular, daqueles meninos que jamais poderiam imaginar-se usando um telefone celular.

O encanto do cinema, podemos usar como referência o grande Cine Teatro Iris, não era só para a criançada. Um enorme público adulto, que era o predominante, muito bem trajado, assistia a filmes românticos, históricos, filmes de aventuras, policiais e cômicos. Mas as matinês de domingo no final dos anos da década de 1950 e início do decênio seguinte jamais serão esquecidas por aqueles que percorreram, na imaginação, as duras trilhas do velho oeste e hoje só se deparam com o asfalto e os avançadíssimos veículos automotivos.

Naturalmente, tudo passou, tudo mudou para melhor. Pode ser verdade, mas os assaltos a bancos dos filmes de farwest, agora, são reais, com novas tecnologias; a violência está instituída, o desrespeito à cidadania idem. Então, muito daquele cenário ficcional hoje é verdadeiro, o que causa saudade dos filmes em preto e branco. Saudade também da meiga voz de Neide Aparecida, cantando antes da projeção do filme: “Pra matar a saudade da gente vai cantando meu rouxinol...” E saudade do grito da molecada “meu dinheiro” quando a exibição do filme era interrompida por algum defeito, e do “baleiro, bala, baleiro, bala” do vendedor.

O Cine Teatro Iris foi inaugurado em 9 de maio de 1944 graças a uma sociedade formada pelos senhores: Iderval Alves, Felinto Marques de Cerqueira, Teodomiro Alves, Adalberto Constâncio Pereira, Hermínio Francisco dos Santos, Cícero Freitas de Carvalho, Arnold Ferreira da Silva, Eduardo Froes da Mota, Mercedes Freitas de Carvalho e Carlos Rubinho Bahia. Em 1948, o cinema foi vendido por R$400 mil ao empresário Afonso Cavalcante de Carvalho, na época proprietário da maior rede de cinemas do estado. Em 1962, o Iris foi adquirido pelos irmãos Normando e Nilton Barreto, numa transação de R$1.250 mil, pagos em 12 prestações mensais.

No período de 1970 a 1981, o estabelecimento foi arrendado à Distribuidora de Filmes Calumbí e, com o final do contrato, voltou aos irmãos Barreto. O Iris contava com 1.200 assentos e, na época de ouro de Hollywood, entre as décadas de 1940 e 1960, a sociedade feirense ali se reunia elegantemente trajada nas sessões noturnas para assistir a películas como *E o Vento Levou*, *Assim Caminha a Humanidade*, *Olhai os Lírios no Campo*, *Os Canhões de Navarone*, *Casa de Bonecas*, com atores do nível de Clark Gable, Ernest Borgnine, Rock Hudson, Doris Day, Ingrid Bergman, Brigitte Bardot, Humphrey Bogart e muitos outros.

Mas os domingos eram da gurizada, da troca e venda de revistas de quadrinhos, dos duelos na grande tela, das fortes emoções, da expectativa que causava o seriado, com o corte no ponto mais emocionante do episódio e o já esperado anúncio conclusivo: “Volta na próxima”. E todos voltavam, porque aquela meninada, durante toda a semana, sonhava em ver o desfecho da história! “Baleiro, bala, baleiro....”

Texto e imagem reproduzidos do site: www feiradesantana ba gov br

domingo, 7 de setembro de 2025

60 anos do Cine Lux de Pombal



Artigo compartilhado do site CLEMILDO BRUNET, de 24 de março de 2014 

60 anos do Cine Lux de Pombal 
Por Verneck Abrantes*

Tudo começou no ano de 1953, quando o construtor Chiquinho Formiga iniciou a construção do Cine Lux, sendo inaugurado no ano seguinte com a presença do cantor Luiz Gonzaga. Localizado na Rua Jerônimo Rosado, o grande prédio tinha excelentes condições para projeções cinematográficas, sendo o local também aproveitado para show, peças de teatro, conferências, debates políticos etc.

            Em 1956, o cinema foi vendido para Afonso Mouta, que exibiu seu primeiro filme, denominado: “A Mulher que Perdi”, uma película mexicana, e, logo em seguida, o novo proprietário fez uma reforma no prédio e inaugurou as projeções em cinemascope com o filme: “Os Cavaleiros da Távora Redonda”.

            Agora, a tela grande era o orgulho e o comentário da população pombalense, que tinha no cinema uma nova abertura para o conhecimento visual dos costumes, da vida social e comportamento de muitos países nunca antes vistos. O cinema usava sua própria energia, a motor diesel, instalado no próprio prédio, e o barulho do mesmo sempre denunciava para toda a vizinhança o início e o término de cada projeção.

            Inicialmente, as projeções estavam mais direcionadas para as películas americanas, faladas em inglês e legendadas em português. Os filmes de rei, amor, guerra, humor, as matinês com os gritos de Tarzan, western com índios e as grandes películas mexicanas, influenciavam claramente os frequentadores. Porém, o grande sucesso, devido à compreensão do público em geral, foi na exibição do primeiro filme brasileiro: “Metido a Bacana”, com Ankito e Grande Otelo. Depois, vieram às conhecidas chanchadas, produzidas pela produtora Atlântida, com Oscarito, Cyll Farney e Eliana, Anselmo Duarte, José Lewgoy, Zezé Macedo, Mazzarope, Zé Trindade, entre outros.

            O Cine Lux estabeleceu um mundo mágico em Pombal. Como único divertimento local, o bom gosto para exibições de clássicos cinematográficos, motivação sócio cultural, fez do prédio de cinema um ponto de encontro dos pombalenses. Tocando as novidades dos últimos sucessos da discografia brasileira, os bons filmes deram abertura para as sessões matinais, vesperal, matinês e, naturalmente, com as sessões noturnas, que era o horário nobre das exibições, marcado pela suavidade da música ambiente e o silêncio da plateia, tudo isso dava a certeza da casa cheia.

            Na direção de Seu Afonso, José Cleôncio e Galdino, foram exibidos os melhores filmes do cinema da cinematografia mundial, lembrando que durante as projeções, eles estavam sempre a caminhar, entre a plateia, com uma lanterna na mão, mantendo a ordem e disciplina, que, apesar de tudo,

Não deixou que muitos filhos de Pombal, hoje, sejam resultados dos flertes, namoros e casamentos iniciados no “escurinho” do Cine Lux. Mas, finalmente, em 1983, o Cine Lux começou a sucumbir aos novos tempos. A grande influência da televisão com seus filmes, as badaladas novelas, o vídeo cassete... E o Cine Lux vai perdendo seu público, evidenciando a cada ano o seu declínio. Deixa de exibir filmes diariamente e alterna as projeções nos dias da semana, sem resultados compensatórios, e, sem nenhum incentivo, fecha suas portas em 1989.

            Localizado na Rua Jerônimo Rosado com esquina para a Rua João Pereira Fontes, o Cine Lux foi um grande marco na vida sociocultural de Pombal. Memorável e inesquecível a quem por ele passou.

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*Escritor e Historiador pombalense.

Texto e imagens reproduzidos do site: clemildo-brunet blogspot com

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

"O habitante do cinema", por Ramon Ribeiro

Na sala do Moviecom, uma das redes que frequenta em sua habitual 
rotina de pegar um cineminha todos os dias

Aos 65 anos, Zildo Jorge Ribeiro não perde um longa-metragem em cartaz

Artigo compartilhado do site da TRIBUNA DO NORTE, de 12 de maio de 2017 

O habitante do cinema
Por Ramon Ribeiro 

Seu Zildo gosta de sentar na última fileira. Aos 65 anos, ele tem hipermetropia, então quanto mais longe da tela, melhor. Na última fila também não precisa lidar com aquelas pessoas que colocam o pé na cadeira da frente, meio que oferecendo o chulé para os outros. Ele não tem preferência por gênero específico, desde que sejam filmes  legendados, está valendo – a audição já não é como antes. Figura conhecida nas três redes de cinema de Natal, o aposentado é cumprimentado por alguns funcionários pelo nome. Também não é por menos. A não ser que aconteça algum imprevisto grave, Zildo vai aos cinemas todos os dias, algumas vezes para ver mais de um filme. É o seu lazer, sua paixão, sua rotina.

Vivendo em Natal desde 1980, Zildo Jorge Ribeiro da Cunha é fluminense de Niterói, gentil e bem humorado. Em conversa com a reportagem do VIVER, ele contou sua história de cinéfilo inveterado. “Alguns amigos me taxam de maluco. E até vejo alguma maluquice nisso de ver filme todo dia. Mas sou um aposentado cujo o vício não atrapalha a vida de ninguém”, comenta.

Para se ter uma ideia do tamanho do interesse de Zildo pelo cinema, ontem ele viu dois filmes, a estreia de “Alien: Convenant” e a reexibição do primeiro filme da série, “Alien – O Oitavo Passageiro”. Na terça foi na UFRN assistir “Ausência”, na mostra América Latina no Cinema. Na segunda, já tinha visto “Guardiões da Galáxia” e “Redemoinho”. No domingo, marcou presença na sessão de “Vida”, acompanhado do neto, mas pela tarde já tinha visto “Rock Dog – No faro do sucesso”, com a netinha.

Coleção de bilhetes

Ele tem os bilhetes de todos esses filmes e pelo menos de outros 400, acumulados desde ano passado. Ele costuma anotar no computador todos os filmes que viu. Mas de um tempo pra cá, deu uma esquecida nessa tarefa. “Tenho que parar para retomar esse registro”, diz. Ele conta que assistir dois filmes no cinema num único dia é normal. Três, ok. Cinco já é recorde. Um recorde que ele atinge todo ano, basta os cinemas da cidade colaborarem com boas programações.

“Sempre me perguntaram qual é o filme que mais gosto. Meu filme preferido é o próximo. É o próximo que está chamando minha atenção”, afirma observando a programação num cartaz no Moviecom. “De novidade só entrou dois filmes. Mas um eu já vi um ontem numa pré-estreia em outro cinema”.

A paixão pelo cinema Zildo traz da época de criança. Na juventude, manteve o interesse, mas sempre de modo pontual, até por causa dos gastos e da pouca oferta de filmes. “Antes era um cinema de bairro, com uma sala, o filme repetia a semana inteira”, lembra. O hábito diário surgiu no início dos anos 2000, quando precisou passar uma temporada em Salvador. Longe da família, sua diversão era ir ao cinema. E a variedade de filmes era um atrativo.

Alguns filmes valeram mais de uma visita, como os 007 Skyfall e Spectre, além de “Meu Malvado Favorito”. Todos esses foram vistos pelo menos sete vezes no cinema por Zildo. “Quando a gente revê os filmes, começamos a prestar atenção nos detalhes”, comenta o aposentado. “Dificilmente venho ver um filme sem saber nada dele. Geralmente dou olhada na história, no elenco, direção, se tiver crítica também gosto de ler. Todo mês eu compro a revista Preview e com frequência dou uma olhada na internet”.

Zildo diz que gosta de ver o filme pelo filme. “A parte técnica, iluminação, fotografia, tenho uma noção. De tanto ver, já consigo sacar certos enquadramentos, que tal filme vai ser mais escuro. Mas não entendo muito. Sou mais ligado no elenco e nos diretores”, diz, citando alguns prediletos, como Martin Scorsese, Woody Allen, Ridley Scott, Pedro Almodovar.

“Tem uns filmes paradões que não acontecem nada. Antes eu achava logo chato. Hoje tenho mais paciência”, conta o aposentado. Gostando ou não do filme, ele nunca abandonou uma sessão. “Se eu entrei pra ver eu vejo até o final. Pode até sair todo mundo. Como uma vez quase aconteceu, mas eu assisto o filme inteiro. Depois digo que não gostei”. E até quando o filme acaba ele espera pela descida do último crédito para ir embora.

“Não tenho preferência de gênero de filme. Assisto o que pintar. Não gosto muito de musical, mas vejo também. Vi ‘Os Miseráveis’, ‘La La Land”. Por sinal, ‘La La Land’ não achei essa bola toda para ter 14 indicações ao Oscar. Os seis prêmios que ganhou ficou de bom tamanho”, avalia. Em algumas sessões, Zildo presenciou salas vazias. “Até prefiro assim. Uma sala com 20 pessoas eu já acho lotado. Porque a falta de educação nas salas é grande. Muita gente quando não está gostando do filme já saca o celular e fica teclando”.

Cinemas de rua x shopping

Zildo é de uma geração que por muito anos frequentou os cinemas de rua. Em Natal, pegou a fase do Rex, do Cine Nordeste e do Cine Rio Branco. A mudança para os shoppings veio com o aumento no número de salas de exibição e isso ele vê com bons olhos. “Antes se você chegasse atrasado no cinema tinha que ir embora. Não tinha outras salas com filme em cartaz. Hoje se você perder a sessão dá para assistir outro filme na sala ao lado”, argumenta. Mas chegar atrasado para um filme é algo que não acontece com Zildo. Ele é daqueles que compra o ingresso com antecedência. “Adquiri o ingressos da sessão ‘2001 – Uma Odisseia no Espaço’, no Cine Clássicos do Cinemark, já tem duas semanas”.

Filmes em 3D, Zildo até vê alguns, mas prefere 2D. Essas tecnologias, Imax e derivados, pra mim é perfumaria. Não muda nada do filme. E do 3D, pra quem já usa óculos colocar mais um por cima é um saco”, reclama. Mas para ele, o grande problema nos cinemas hoje é a falta de estacionamento. “Sou velhinho, vou ao cinema de carro. Alguns shoppings não cobram estacionamento, o que é bom para quem já gasta bastante com os filmes. Em outros shoppings, as vagas para carros são poucas, principalmente a partir da quinta-feira”.

Garimpando mostras

O cinéfilo também frequenta exibições não comerciais, como o projeto Cine Sesc, o América Latina no Cinema. “Recentemente eu descobri exibições no Hospital Onofre Lopes. Eles sempre passam filmes com algum olhar da medicina, ou com situações que médicos vão encontrar. Outro dia passou ‘A Caça’, filme dinamarquês. Depois  teve um debate com um pediatra. Não sou muito de dar pitaco. Mas às vezes participo”.

Zildo define o cinema como uma grande ilusão. Para existir, o cinema depende de um defeito no nosso olho. Não somos capazes de enxergar 24 imagens estáticas por segundo. Por isso a sensação de movimento. O cinema é uma grande ilusão que muitos participam”, explica.

Essa ilusão, calcula, ocupa 30% do seu dia. “Quando o médico quer marcar consulta à tarde eu peço pra ser em outro horário. Durante a semana, a partir das 16h, já tenho compromisso”, brinca. Depois de um longo papo sobre cinema, Seu Zildo se despede. Ele precisa cuidar das outras coisas da vida. “Agora vou lá na Lojas Americanas trocar esses DVDs. Comprei semana passada, mas chegando em casa vi que eram repetidos”. À tarde ele foi conferir a sessão de quinta do Cine Sesc, na Cidade Alta.

Clubes atraem ida ao cinema 

Apesar de ser uma das mais populares artes, o cinema está perdendo terreno para outros atrativos. Não pelo número de produções, mas pela frequência do publico nas salas. Mas iniciativas como os novos clubes de cinema prometem ajudar a reverter esse quadro. Em atividade desde 2016, a startup Primepass atua em todo o Brasil, incluindo Natal. O serviço funciona como um clube de assinatura em que os associados tem a oportunidade de ir ao cinema com maior assiduidade, assistindo até um filme por dia, durante um mês, pagando um valor fixo. Segundo a empresa, a economia pode chegar a 80%, mensalmente, na compra de ingressos.

Em Natal, a Primepass funciona com os cinemas Moviecom, Cinemark e Cinépolis. O serviço é válido em três planos de assinatura, sendo que apenas um está disponível para a capital potiguar, no valor de R$ 79. Nesse plano, o usuário tem direito até 30 filmes por mês, com intervalos de 24h entre eles, em sete dias na semana, em qualquer horário. Mais informações no site www primepass club.

Texto e imagens reproduzidos do site: tribunadonorte com br

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

O Cinema do Tio Archimedes – Em Dois Artigos

O Cine Teatro Império no final dos anos 50 até os anos 80 foi o 
lugar mais escuro e concorrido do Mantena-MG.

Cine Teatro Império foi um marco na história de Mantena-MG.


 Cineasta Neto Mendes e seu tio
 Foto: Rogério Augusto/Mantena Online

Artigos compartilhados do site MANTENA ONLINE, de 5 e 12 de fevereiro de 2024

O Cinema do Tio Archimedes - Matinês - Parte 1 
Por Neto Mendes 

O Cine Teatro Império no final dos anos 50 até os anos 80 foi o lugar mais escuro e concorrido do Mantena, com certeza  era dentro do escurinho do cinema que acontecia os primeiros namoros, os primeiros beijos. Assim como num filme de amor, centenas de casais mantenenses se formaram e se casaram e foram felizes para sempre.

Comecei a frequentar o Cinema ainda quando engatinhava as vezes acompanhava minha mãe quando ela ia visitar a tia Leia e o tio Archimedes os proprietários do cinema. Eles moravam no segundo andar em cima da loja de tecidos A Futurista que é da família também até hoje.

Eu era curioso entrava no cinema por cima onde tinha uma varanda que ligava a casa ao cinema que dava direto na sala onde ficavam as máquinas de passar os filmes. Eram 2 maquinas com 2 rolos grandes em cada uma. Um rolo em cima cheio e o filme ia passando por uma engrenagem na máquina para o carretel de baixo que ficava vazio.

A medida que o filme ia sendo projetado o carretel de cima ia ficando vazio e o debaixo ia enchendo, quando acabava o rolo de cima o operador Joaquim tinha que ligar a outra maquina sem interromper o filme e sem dar na pinta essa passagem de uma máquina para a outra na tela, essa passagem tinha que ser perfeita se não fosse era uma vaia danada do público.

Eu ficava fascinado com aquela luz branca forte que ia até uma tela grande no outro lado do salão, essa luz branca se transformava em imagem e som, para mim era pura magia. Em 1959 o tio Fernandinho chamou o irmão Archimedes que tinha dado baixa como militar em Belo Horizonte para vir a Mantena e comprar o cinema que estava a venda.

O Tio Archimedes nunca trabalhou com cinema mas aceitou o convite do irmão e comprou o prédio e os equipamentos, arregaçou as mangas e em pouco tempo transformou Cine Teatro Império no lugar mais bem frequentado do Mantena.

O cinema funcionava com a participação de todas as filhas principalmente as mais velhas a Nem, a Yeye e a Rogeria. A Cleyde a mais nova das quatros normalmente trabalhava na bilheteria das matines era mais tranquilo porque nas sessões noturnas a confusão na bilheteria era certo de tanta gente na fila para comprar ingressos.  Cobrar certo e dar o troco certo e depois conferir os bilhetes vendidos com os recolhidos na portaria pelo Joaquim vazia parte do trabalho e das responsabilidades da filhas do tio Archimedes no negócio.

As matines eram sempre as 13h a primeira sessão e as 15h a segunda sessão aos domingos. Eram filmes diferentes nesses horários tinha que escolher qual assistir. Eu durante a semana engraxava os sapatos lá de casa e também da casa da tia Penha e o tio Galvão para ter um troquinho a mais e poder assistir os dois filmes da matine, comprar balas e revistinhas.

Os filmes normalmente era os 3 patetas, Charles Chaplin, Batman, Tarzam, uns godizilas japoneses, Fastama, os filmes na maioria eram preto e branco e tinha uns que pareciam série no outro domingo tinha que voltar para assistir o final do filme.

Do cinema nacional os filmes do Mazzaropi e o vigilante com o seu Rin-Tin-Tin eram a sensação nacional. A sala de cinema lotava com a criançada e também vários adultos que acompanhavam as crianças, procurávamos sentar na mesma fila ao lado dos amigos, assim a bagunça era garantida.

No momento da bagunça  entrava em ação a lanterna do tio Archimedes e do Dairão na caça dos arruaceiros.

Dentro da sala tinha uma bomboniere, aquilo era muito chique toda de vidro com uma lâmpada vermelha bem fraquinha que não interferia na escuridão do cinema na hora da exibição do filme mas permitia vê as guloseimas e o dinheiro.

Tinha chocolates, balas, os tutti-frutti, dropes, amendoim com chocolates. As guloseimas comprados no bar da tia Rosa sempre acabavam no meio do filme aí iamos na bomboniere sem sair do cinema e também não perder nada do filme.

Quando apagava a luz para o filme começar era uma algazarra só, nada era combinado, mas,  todas as crianças juntas começavam uma bateção de pés no chão e gritos no escuro, nesse momento entrava em ação a lanterna do tio Archimedes e do Dairão na caça dos arruaceiros.

Na hora que aparecia o leão rugindo da Metro-Goldwyn-Mayer era um estrondoso barulho que mesclava euforia com histeria, era loucura da boa a sala parecia um hospício de crianças. Antes de entrar no cinema enquanto estávamos na fila a calçada virava uma feira na porta do cinema tinham muitas crianças que levavam figurinhas para trocar ou jogar no bafo e também podia trocar revistas ou comprar. Eram revistas dos Mickey Mouse, irmãos Metralhas, Tio Patinhas, Donald, Fantasma, Faroeste se fazia bons negócios nessa feira na calçada do Cine Teatro Império.

Depois das sessões o destino era o Bar da Tia Rosa para tomar aquele maravilhoso gelato (sorvete com dna italiano) a famosa vaca preta. A vontade de crescer era grande para começar a ir nas sessões noturnas sem acompanhante e mergulhar em outro mundo cinematográfico.

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O cinema do tio Archimedes - Parte 2
Por Neto Mendes 

O CINEMA DO TIO ARCHIMEDES – PARTE DOIS é mais um presente do Cineasta Neto Mendes aos mantenenses que certamente vão se deliciar e viajar com a retórica do texto, sensacional… – 

Quando alcancei a idade de ir nas sessões noturnas do Cine Teatro Império, se dependesse apenas de mim iria todas as noites de segunda a domingo ao cinema, e olha que na segunda repetia o filme do domingo.

Me lembro das poucas vezes que me foi permitido ir ao cinema no meio da semana, normalmente para acompanhar alguém que estava de visita lá em casa. Uma das vezes que eu fui ao cinema no meio da semana foi para acompanhar a minha querida tia Marta recém-casada com o tio Lair Fernandes, irmão da minha mãe, fui com ela assistir o clássico El Cid para minha felicidade o filme era muito grande e foi exibido em duas partes uma na terça-feira e a outra na quarta feira, assim bati meu próprio recorde indo duas vezes ao cinema no meio da semana.

O padrão cinematográfico mudou muito quando comecei a ir nas sessões noturnas, subiu vários escalões o nível dos filmes, eram as superproduções dos grandes estúdios de Hollywood: 007, Hitchcock, Cleópatra, O vento levou, Ben-Hur, Spartacus, Juventude Transviada, Elvis Presley, A ponte do Rio Kwai, Casablanca, Dr. Givago, Ao Mestre com carinho….são tantos filmes que povoam nossa memória cinematográfica daquela época que com certeza você também terá um filme especial na sua memória que marcou a sua vida.

Conversando com o tio Archimedes ele me disse que assistiu todos os filmes que passaram no cinema, numa conta rápida chegamos a mais de 4.800 filmes assistidos por ele. O ambiente cinema era mais que passar filmes, era status, era encontros, era desencontros, tinha um ritual que começava na rua, chegar antes e conseguir comprar os ingressos para a sessão das nove a mais concorrida e normalmente os filmes desse horário era teoricamente melhores, a cabine que vendia os ingressos era móvel ficava no corredor na lateral do cinema por onde também saímos como manadas no final das sessões.

Essa cabine era colocada no limite do corredor com a calçada onde se formava uma fila imensa dependendo do filme em cartaz. As moças que vendiam os ingressos era as irmãs Fernandez, filhas do tio Archimedes,  a Nem, Yeye e Rogeria . As pessoas compravam os ingressos e enquanto esperavam o horário podiam fazer a Avenida, caminhar de um lado para o outro na frente do cinema com sua tribo enquanto esperava a sessão das 21h.

Nas esquinas da avenida tinha um cavalete com uma placa sinalizando trânsito interrompido ai nesse espaço de rua só os pedestres tinha vez. Se caminhava de uma ponta a outra falando de tudo e de todos, mas o motivo maior era a paquera, ir no bar da tia Rosa também fazia parte desse ritual.

O tio Archimedes inventou um marketing para o cinema fenomenal antes das sessões. Durante a semana só havia uma sessão as 19h e nos sábados e domingos haviam duas sessões as 19 e 21 horas. Antes de começar o filme ele colocava músicas.

No alto do cinema havia um potente alto-falante que o som era ouvido em toda cidade tocava Roberto Carlos, Aguinaldo Timóteo, Altemar Dutra e tantos outros, isso era para anunciar que o cinema estava aberto, principalmente a bilheteria, mas quando tocava o tema de Lara toda a cidade sabia que no final dessa música o filme ia começar.

Nas casas eram uma correria quando tocava o tema de Lara as pessoas largavam tudo que estavam fazendo para não chegarem atrasadas no filme. Essa foi uma marca do Cine Teatro Império que cauterizou em  nossas mentes para sempre, até hoje quando ouvimos o tema de Lara voltamos nesse lugar.

Nos anos sessenta a preferência do grande público frequentadores dos cinemas no Brasil (toda cidade brasileira tinha um cinema, hoje são igrejas no lugar), era os espaguetes italiano; os FAROESTES, e Mantena não ficou para trás. Clássicos como o Dólar furado, Por um punhado de dólares, 7 homens e um destino, o bom o mal e o feio, Django e tantos outros bang bang movimentavam as noites dos sábados e domingos no Cine Teatro império.

Os filmes eram aclamados pelos frequentadores, uma verdadeira histeria quando o mocinho Giuliano Genma depois de muito apanhar conseguia vingar e matar todos sem precisar recarregar o revólver, as balas não acabavam nunca…

Quantas histórias aconteceram nesse cinema. Quando o Condor aparecia na tela anunciando o início do filme o público quase que unanimemente fazia xô xô xô em alto e bom som para espantar o Condor….Hilária a cena. O Canal 100 era um momento especial para o público, principalmente o masculino, trazia notícias dos jogos realizados no Maracanã e da Seleção Brasileira  cujo o resultado dos jogos todos sabiam mas mesmo assim a torcida era fervorosa dos aficionados.

Muitos namoros começaram escondidos no cinema e terminaram na igreja, era comum um amigo ou amiga guardar o lugar para o pretendente desejado do colega ou da colega que só podia sentar quando apagavam as luzes. Beijos no cinema era proibido a marcação era serrada se a lanterna do tio Archimedes ou do Dairão acertassem o alvo os culpados em flagrante eram colocados para fora do cinema, pois ali era um ambiente de respeito e familiar rezava a cartilha do tio Archimedes.

Encontrar chicletes nas cadeiras ou nos cabelos também era normal e para o desgosto dos atingidos eles viravam gozação da turma. Eram muito comum na saída da sessão das 19 o público que saia falava o final do filme para os que estavam entrando quando repetia o filme, muitos ficavam bravos com a revelação indesejada.

A entrada do cinema era de Hollywood com espelhos grandes dos dois lados das parede e no chão um tapete vermelho como passarela, ao entrar tinha uma escada com 3 degraus, podia ir para a sala principal ou subir pelas escadas laterais e assistir da galeria o filme e jogar muitas bolinhas de papel das balas e caramelos nas cabeças das pessoas que estavam em baixo. A bomboniere ficava no cantinho a direita, minha prima Ruth Fernandes era quem comandava e depois a irmã, a querida Soraia Fernandes também trabalhou na bomboniere.

Do lado de fora do cinema existia um comércio paralelo se podia comprar de tudo: pipocas, pão com carne, algodão doce, churrasquinho, revistas, figurinhas, engraxar sapatos…etc. O movimento no Bar da Tia Rosa nos dois jardins giravam em torno da órbita do Cine Teatro Império com hora para começar e terminar, quando fechava o cinema era um esvaziamento e grande  silêncio no centro. As nossas ilusões e nossos sonhos vividos no cinema do tio Archimedes são hoje os nossos melhores Flash Beck.

Textos e imagens reproduzidos do site: mantenaonline com br

terça-feira, 12 de agosto de 2025

“Cinema em Casa” de Verdade





Post compartilhado de REDDIT/CineDude87, de 30 de julho de 2024

“Cinema em Casa” de Verdade

Olá a todos.

Então, durante o confinamento, converti minha garagem em um home theater de seis lugares. Também adquiri um projetor de filmes 35mm no cinema onde trabalho como projecionista em meio período. Não era usado há quase 10 anos desde que se tornou digital.

Também possui recursos de projeção digital com uma caixa Apple TV 4K e reprodutor BluRay.

O som de ambos os projetores passa por um amplificador AV Sony e alto-falantes de home theater Yamaha.

Configuração de 35 mm:

Projetor de filmes Kinoton FP25D

Torre de filme Westrex 5035

Configuração digital:

Projetor DLP BenQ TH683

Caixa Apple TV 4K

Leitor de Blu-ray Sony

Áudio: -Sony STR-DN1040

Alto-falantes de chão Yamaha NSF51

Alto-falantes central e surround Yamaha NSP51

Texto e imagens reproduzidos do site: www reddit com

segunda-feira, 21 de julho de 2025

A magia do cinema


Artigo compartilhado do site GAZETA DE CAÇAPAVA

A magia do cinema
Por Carlo Iberê Gervasio de Freitas

Em artigo especial, Carlo Iberê Gervasio de Freitas relembra a época do Cine Lux, fundado em Caçapava por seu avô, Júlio Gervásio, e que dá nome à sala de cinema da Casa de Cultura Juarez Teixeira, que será inaugurada hoje, às 18h

Durante alguns anos me senti fazendo parte de um número de mágica. Em outros lugares, era acionada por um pequeno motor. Mas no Cine Lux, por trás de uma cortina, que também cobria o acesso ao banheiro masculino, no lado esquerdo da sala de quem olhava à frente sentado nos mais de 600 lugares (tenho quase certeza que eram 640 pois os contei várias vezes como passatempo de criança), puxei a cordinha que movia as roldanas e descortinava a imensa tela onde a verdadeira magia acontecia.

Seu Júlio Gervasio, meu avô, sempre ficava sentado na última poltrona, à esquerda, na primeira fila de quem entrava naquele imenso salão e de onde, dizia, podia controlar tudo o que acontecia. E de onde também podia acessar mais rápido a escada que levava à cabine de projeção e ao camarote, como chamávamos, e ajudar o seu Chiquinho, ‘chefe’ da cabine, em caso de emergência. 

Essas aconteciam muito, pois as películas em celuloide eram quebradiças e frequentemente arrebentavam, provocando aquele grande clarão na tela. Levava coisa de um ou dois minutos para emendar, com durex, e recolocar tudo em movimento. Esses momentos, acidentes desconhecidos do distinto público, eram sonorizados por vaias, gritos e violentos bater de pés no assoalho de madeira, pois, certamente por capricho dos irmãos Lumière, aconteciam nos momentos mais eletrizantes dos filmes.

Levei anos para entender todo aquele mistério, que começava com duas finas hastes de carvão ativado, um positivo e outro negativo, que, energizados, produziam luminosidade contínua comparável a emitida por uma solda elétrica. Cada jogo durava cerca de 30 minutos, pouco mais do que o tempo de cada um dos cinco rolos do filme inteiro. Por isso a necessidade de dois projetores. 

Os filmes vinham de Porto Alegre, no Ouro e Prata, ou de Cachoeira do Sul, pela São João, vistos seguiam para Bagé. Os vindos de Cachoeira frequentemente não eram despachados e tinham que ser buscados. Para seu Júlio não viajar sozinho, eu era gentilmente sempre escalado na missão. Quando dava tempo, tinha direito a um pastel com guaraná frisante Polar, no Geribá, restaurante que ficava no entroncamento da estrada velha para Cachoeira.

As histórias seriam muitas, fico apenas nestas para ilustrar a determinação, os sacrifícios e os caminhos da mágica que era manter um cinema no interior do Brasil. Até peço desculpa por falar na primeira pessoa, mas não poderia deixar de descortinar smeu respeito, admiração, entusiasmo e encanto pelo que estão fazendo minha linda e sensível amiga Gisele, o dr. Juarez e certamente outros, para brindar Caçapava do Sul, depois de 40 anos, com um novo Cine Lux.

De longe, torço para que Caçapava tenha a sensibilidade de perceber, apoiar e prestigiar a grandeza do trabalho e o significado histórico do que a Casa de Cultura Juarez Teixeira está proporcionando para a cidade. São poucos os que têm essa força e consciência. Mágicas tornam os sentimentos verdadeiros mais doces, alegres e inesquecíveis.

Texto reproduzido do site www gazetadecacapava com br

sábado, 24 de maio de 2025