Magia da Telona
O encantamento das salas de cinema
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025
Filme: "O Brutalista" (2024), de Brady Corbet (em película de 70mm)
terça-feira, 11 de fevereiro de 2025
Entrevista com o cineasta Kleber Mendonça Filho
Entrevista compartilhada do site SESCSP, de 28 de novembro de 2023
MAIS REAL QUE A FICÇÃO | Entrevista com o cineasta Kleber Mendonça Filho
Com filme em disputa por indicação ao Oscar 2024, Kleber Mendonça Filho fala sobre a importância do cinema de rua em coexistência com as plataformas de streaming
Por Maria Júlia Lledó
Leia a edição de DEZEMBRO/23 da Revista E na íntegra
Dedicado à paixão pela sétima arte e movido, principalmente, pela experiência nostálgica dos cinemas de rua, o documentário Retratos Fantasmas (2023), de Kleber Mendonça Filho, é o representante oficial do Brasil na disputa por uma indicação ao Oscar 2024, na categoria Melhor Filme Internacional. No entanto, o peso inegável dessa premiação, que anunciará a lista com os pré-selecionados em 21 de dezembro, e os cinco finalistas, em 23 de janeiro do próximo ano, não tira o sono do cineasta e roteirista recifense.
Em viagens pelo mundo afora para exibição em festivais e conversas sobre seu quinto longa-metragem, Kleber Mendonça Filho se interessa mais pela recepção do público. Fator que, definitivamente, confere a essa obra cinematográfica um lugar de prestígio. Afinal, o cinema de rua, seja ele no Centro do Recife (PE) ou em qualquer outra cidade do mundo, abriga memórias que ficaram impressas na história. São como cápsulas do tempo que atravessaram transformações sociais, econômicas e culturais ao longo do século 20. Hoje, alguns desses espaços de exibição, convivência e formação resistem mesmo diante da falta de políticas públicas e da concorrência com centros comerciais e plataformas de streaming. Por acreditar no importante papel desses espaços, o diretor de Recife frio (2009), O som ao redor (2012), Aquarius (2016) e Bacurau (2019) desenhou em Retratos Fantasmas seu mapa sentimental do Centro do Recife, e cruzou recordações pessoais com a história de importantes cinemas de rua na capital pernambucana.
Narrado em primeira pessoa, o documentário parte do apartamento, no bairro do Setúbal, onde morou com a mãe e o irmão, e que também foi locação para seus filmes, para flanar pelas ruas de um centro com ares de abandono. Nesta Entrevista, realizada no CineSesc, o diretor fala sobre o novo filme, selecionado para a mostra de melhores filmes de 2023, organizada anualmente pelo Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), sua expectativa em relação ao Oscar, a presença das plataformas de streaming e a diversidade na produção cinematográfica brasileira contemporânea.
Ao longo da sua trajetória, o cinema de rua se manifesta como objeto de estudo em trabalhos como O som ao redor e Aquarius. Por que somente agora, em Retratos Fantasmas, você se dedica integralmente a essa temática?
Eu acredito que as coisas que você faz amadurecem no tempo certo e chegam na hora certa. Retratos Fantasmas é hoje conhecido como Retratos Fantasmas, mas eu vinha pensando, há muito tempo, num filme sobre a ideia da sala de cinema a partir da experiência histórica no Centro do Recife. Tanto é que em O som ao redor, há uma sequência no engenho, onde existe a ruína de uma sala de cinema. Em Aquarius, tem o [Cine] Moderno, que hoje é uma loja de eletrodomésticos. Ou seja, era uma ideia que já vinha sendo testada, de alguma maneira, e pensada ao longo de muitos anos. Porque eu realmente acho que o cinema, a sala de cinema, não deixa de ser uma máquina de viagem no tempo. Se você tem uma sala com 70, 80 ou 100 anos, e pensa em milhões de pessoas que já passaram por aquele lugar ao longo do século 20, isso para mim significa algo. Então, acho que esse filme vinha sendo pensado como uma ideia de cinema, e uma ideia de imagem de cinema, porque eu realmente acredito que uma câmera consegue fotografar o tempo, e acho que a força do filme — e uma das coisas que mais me deu vontade de fazê-lo — foi exatamente essa manipulação do tempo. Às vezes, era uma manipulação tátil. Porque eu mesmo digitalizei minhas fitas e fotos. Manusear o tempo é uma das coisas que mais me deu energia para ir atrás desse filme.
Há um saudosismo dos cinemas de rua pela experiência do público de sair da realidade das ruas para adentrar um cenário de fantasia na sala escura. Quando saímos de uma sessão num cinema de rua, temos uma experiência muito diferente de quando saímos da sala de cinema de um shopping, ou quando terminamos de assistir a um filme em uma plataforma de streaming. Qual sua reflexão sobre essas distintas experiências?
Eu gosto de somar experiências na vida e no trabalho. Por exemplo, fiz filmes de ficção e adoro que agora esse filme [Retratos Fantasmas] seja visto como um documentário. Gosto de somar as experiências e o streaming deveria ser uma nova maneira, uma nova “torneira” para a gente ter acesso a imagens do audiovisual. O problema é que o mercado tem uma maneira muito destrutiva de apresentar um novo produto. Toda vez que o mercado apresenta um novo produto, ele quer que você jogue fora o velho. Tenho a tendência de gostar de acumular. Eu quero que os cinemas de rua continuem existindo e que eles sejam, inclusive, objeto de investimento de governos e de prefeituras, como acontece no Recife – o [Cine Teatro do] Parque é da prefeitura e o [Cinema] São Luiz é do governo de Pernambuco –, porque são salas de formação, de cultura e de educação. Múltiplas cidades mundo afora utilizam cinemas de rua como espaços de formação. O CineSesc [na capital paulista] é um espaço de formação. Isso me parece inteligente: cinemas de rua e uma rede cada vez mais fortalecida. Acho que esse deveria ser um plano de governo no Brasil como é na França: o de investir em espaços de formação de rua, espaços de convívio. Os cinemas comerciais, de shopping, particularmente, não fazem a minha cabeça, mas eu vou às vezes. É muito ruim quando a maior parte dos cinemas estão em salas de shopping, e as salas de rua, cada vez mais desprestigiadas. E quando o streaming propõe ser o maior de todos, o mais importante, aí eu não gosto. Eu gosto, sim, da ideia de meu filme entrar no streaming depois de passar pelas salas de cinema, porque essas plataformas ocupam um papel muito importante na vida das pessoas, no mundo, no Brasil. Então, é muito bom saber que Aquarius, O Som ao Redor – e Retratos Fantasmas – estão no streaming. Mas depois de percorrerem todas as salas que puderem percorrer.
Em algumas entrevistas, você já disse que filmes podem ser entretenimento, expressões artísticas, mas são, também, documentos históricos. Retratos Fantasmas talvez seja o filme que mais assume essa característica documental, inclusive, com o argumento da importância da história oral, com a entrevista de sua mãe na primeira parte do filme. Quando essa preocupação começou a fazer parte da sua carreira como cineasta?
Eu fui me dando conta disso aos poucos, em relação aos meus filmes. Talvez eu já estivesse ciente disso, mas em relação ao cinema como um todo. É um equilíbrio um tanto difícil de explicar ou de ensinar – eu acho que não dá para ensinar –, mas é um equilíbrio entre o filme ser interessante do ponto de vista de ser algo que diverte e, ao mesmo tempo, que tem um ponto de vista muito pessoal, verdadeiro e honesto sobre o que está falando. Acho que Retratos Fantasmas tem um ponto de vista muito honesto sobre o espaço urbano, sobre a cidade do Recife – ainda que seja adaptável para qualquer outra cidade. E, dos filmes que eu já fiz, acho que ele tem uma relação muito forte com Aquarius, porque Aquarius é um filme sobre arquivo. Lá tem um móvel especial, a cômoda, que também é um arquivo, é parte da história da personagem, tem as fotos que abrem o filme. Então, há uma relação muito forte entre Aquarius e Retratos Fantasmas. E eu acho que as pessoas têm captado isso de alguma maneira. Acho que tem tocado as pessoas porque todos nós temos uma história. Depende de cada família, cidade, lugar, mas todos nós temos histórias e tem muita gente que não tem imagens da sua vida, e isso é muito forte. E tem, também, muita gente com imagens da vida e que são acumuladas.
Há uma universalidade dos temas em Retratos Fantasmas, como o amor à sétima arte e a experiência do cinema de rua – o que pode ter contribuído para que o filme fosse indicado como representante do Brasil no Oscar 2024. O que essa indicação significa para o seu trabalho?
Eu estou viajando com o filme fora do Brasil também, e é muito interessante porque, no final das contas, é um filme sobre cinema. É um filme sobre fazer cinema, mas também sobre a capacidade que o cinema tem de ser apresentado em lugares públicos, resultado de uma crise recente que veio com a pandemia e com o streaming. Dois golpes que a indústria recebeu, ou se deu, porque o streaming é fruto da própria indústria. Mas aí, como o capitalismo gosta de comer a própria mão quando está com fome, eu acho que o streaming também entrou nessa autofagia, de se alimentar de si próprio, ou seja, autodestrutivo. Então, acho que Retratos Fantasmas tem sido visto como um filme sobre o cinema e ele tem se mostrado muito prestigioso lá fora. Ele tem uma presença internacional bem grande e eu acho que eu estou pronto para seguir o filme, acompanhá-lo e trabalhar para ele, se assim o filme quiser. Eu gosto desse filme e ele tem se comunicado com as pessoas. O Oscar tem um peso muito grande, que é inegável e chama muita atenção. Mas, eu tento ficar bem tranquilo, me lembrar do filme que fiz, que recebeu elogios e demonstrações de prestígio. Acho que ainda tenho uma boa maratona até o fim do ano.
Sua filmografia é atravessada por questões sociais, econômicas e históricas, pelas idiossincrasias do Brasil e, particularmente, de Pernambuco. Mesmo que seja pela ficção, o cinema age como um dispositivo que descortina a cegueira coletiva sobre temas da realidade?
Eu gosto da ideia de fotografar uma fantasia, e desafiar qualquer pessoa a dizer: “isso é mentira?”. Recife frio, por exemplo, é um filme totalmente mentiroso, mas ele é 100% verdadeiro, porque quando eu vejo um Papai Noel no verão brasileiro, em dezembro, no engarrafamento ou num shopping, é muito engraçado. É a importação de uma cultura que não é a nossa. Será que a gente não poderia ter um Papai Noel próprio? Sei lá, a gente tem o Zé Gotinha, mas não tem o próprio Papai Noel, né? Eu sempre achei isso muito engraçado. Aí você coloca isso no filme e de repente faz sentido, mas todo mundo continua vendo Papai Noel em dezembro no Rio de Janeiro de 42 graus; em São Paulo, num daqueles dias de alta poluição, no semáforo; em Recife, claro, na praia. Esses são recortes do que ver num filme, e aí você, como cineasta, vai juntando essas ideias. Mas, é muito difícil chegar a esse conjunto de ideias. É uma das partes mais difíceis de fazer um filme. Você falou que os filmes sempre têm aspectos sociais, né? Eu vim agora andando pela rua Augusta, atravessei a Avenida Paulista e aí estava, simplesmente, lembrando que em dezembro [de 2022] levaram meu celular. Um ninja numa bicicleta levou meu celular. Isso é realidade, né? Agora, vai colocar isso no filme: “ah… você está fazendo um comentário social”. Não. Levaram meu celular, é só isso. Eu perdi meu celular, que era bem caro, foi uma chateação para cancelar tudo, e de repente essa pode ser uma cena de ação interessante num filme. Tudo pode virar material.
Recentemente, o sucesso da série Cangaço novo (2023), dirigida por Fabio Mendonça e Aly Muritiba, foi apontado como fruto do sucesso de Bacurau, confirmando o interesse do público por um tipo de western que se passa no Nordeste brasileiro. Depois de quatros anos do lançamento, a que você atribui o sucesso de público de Bacurau?
Em primeiro lugar, em Bacurau há uma combinação entre o Brasil, inquestionavelmente o Brasil, mas ao mesmo tempo existe alguma coisa ali do cinema universal. A gente filmou com lentes Panavision, que são as lentes do cinema de Hollywood, por exemplo, mas a locação é o sertão do Nordeste, e a lógica é do Brasil. Mas, existe também uma lógica que é do western e do thriller, meio futurista. Aquela combinação, que eu não sei até hoje como deu certo, e de que gosto muito, provocou uma reação muito forte. Eu acho que tem também a lógica da violência no Brasil, e tudo isso as pessoas captaram. Porque uma coisa é ver essa lógica da violência no Jornal Nacional, que é muito deprimente, mas quando você vê isso reprocessado pelo cinema – e o cinema tem a capacidade de fazer uma fantasia em cima disso, e você viu anos de cinema americano, onde o americano é o dono do pedaço – tudo isso é muito interessante, até porque, surpreendentemente, os americanos se dão mal no filme.
Quanto ao mercado audiovisual, há um avanço de representatividade de cineastas do Nordeste e de outros estados fora do eixo Rio-São Paulo? Ou, como diretor, crítico de cinema e coordenador de cinema do Instituto Moreira Salles (IMS), você observa que ainda há muito espaço a ser reivindicado?
Eu acho que hoje existe uma diversidade maior que vinte anos atrás. Nos anos 1990, quando eu me formei e queria fazer cinema, ouvia de todo mundo que eu teria que vir para o eixo Rio-São Paulo. De lá para cá, houve um fortalecimento do cinema, por exemplo, em Pernambuco, no Ceará, de políticas públicas e até da própria tecnologia. Porque nos anos 1990, o cinema era filme 35mm, era laboratório, câmera, negativo, e isso não tinha no Nordeste, não tinha em Belo Horizonte (MG), em Brasília (DF). E aí, com a tecnologia e as políticas públicas, fomos empoderados, de uma certa forma, e ganhamos espaço. O som ao redor, por exemplo, e o filme de Halder Gomes, Cine Holliúdy (2012), foram frutos de cotas para diretores do Nordeste. Isso empurrou a produção. E 2019 foi um ano muito interessante, com Bacurau, A vida invisível, A febre. Houve um equilíbrio entre filmes de prestígio e filmes de mercado, como Turma da Mônica: Laços (2019), que é muito interessante. Teve a retomada pós-Collor e agora a gente está na segunda retomada. É muito curioso observar que, em termos de capacidade de se expressar artisticamente, o cinema brasileiro está mais diverso. Mas, eu observo que as séries da Netflix e da Amazon sempre vão parar nas mãos de produtoras do Sudeste. Vejo que existe uma lógica de 50 anos atrás que está sendo replicada pelos streamers. Isso é muito curioso.
Seus filmes se passam no Recife, onde você já disse ter um mapa sentimental da cidade. São Paulo também é uma capital que você costuma visitar frequentemente. Você faria algum longa-metragem que se passasse aqui?
Eu sempre penso em fazer um filme em São Paulo ou no Rio de Janeiro (RJ), cidades onde eu não cresci, não vivi, mas eu já tenho uma relação. E por que não? O meu grande medo é fazer um “filme turístico”. Tipo: “ah… essa pessoa claramente não é daqui”. Quando você vê Vicky Cristina Barcelona (2008), de Woody Allen, tudo ali é quase língua na bochecha [expressão traduzida do inglês, tongue in cheek, usada para designar que uma declaração não deve ser considerada realista nem séria]. Filme de turista americano, mas, tudo bem, funciona. Porém, eu fico com a curiosidade de desvendar, de enquadrar essa cidade, que é muito doida. São Paulo é muito louca para você tentar dar conta em uma imagem ou várias imagens. É uma cidade muito complexa.
Texto e imagem reproduzidos do site: www sescsp org br
segunda-feira, 27 de janeiro de 2025
terça-feira, 21 de janeiro de 2025
Sala com projeção a laser chega ao cinema UCI Kinoplex Tacaruna
Legenda da foto: Sala XPlus Laser - Foto: UCI/Divulgação
Publicação compartilhada do site FOLHA DE PERNAMBUCO, de 20 de abril de 2018
Sala com projeção a laser chega ao cinema UCI Kinoplex Tacaruna
Sala XPlus Laser terá projeção a laser, com definição 4K e tela gigante, e som Dolby Atmos, com 54 caixas de som espalhadas pela sala
Por Folha de Pernambuco
A rede de cinemas UCI Kinoplex vai estrear, no Shopping Tacaruna, uma nova sala: XPlus Laser, primeira em Pernambuco.
Entre os diferenciais da sala, que vem para rivalizar com a Imax (UCI Kinoplex Recife) e XD (Cinemark RioMar), está a projeção a laser (única no Nordeste, com definição 4K e tela gigante, de aproximadamente 100m²).
O som terá a tecnologia Dolby Atmos (que conta com 54 caixas de som espalhadas pela sala, inclusive no teto, para preencher o ambiente com um som mais intenso). O sistema conta com 128 deslocamentos simultâneos de objetos sonoros, criando a ilusão de um campo de som infinito ao redor do espectador.
Outra diferença são as poltronas: as cadeiras Superseats, que possuem encosto reclinável e braços individuais...
Texto e imagem reproduzidas do site: www folhape com br/cultura
domingo, 22 de dezembro de 2024
Cinema é a maior diversão do São Luiz, outra vez
Legenda da foto: Inaugurado há 74 anos, o São Luiz é um dos últimos remanescentes dos cinemas de rua e é tombado como patrimônio histórico - (Crédito da foto: Morgana Narjara/Secult-PE/Fundarpe).
Publicação compartilhada da REVISTA CONTINENTE, de 1 de novembro de 2024
Cinema é a maior diversão do São Luiz, outra vez
Cinema de rua, situado no bairro da Boa Vista, reabre, na abertura da 15ª edição do Festival Janela Internacional de Cinema do Recife, após reformas em sua estrutura
Por Cleide Alves
Na esquina onde a Rua da Aurora se encontra com a Avenida Conde da Boa Vista, no Centro do Recife, um prédio de estilo protorracionalista abriga o último cinema palácio da cidade. É lá, no Edifício Duarte Coelho, que funciona o São Luiz, desde 6 de setembro de 1952. A famosa e exuberante sala de espetáculos completou 72 anos em 2024 - com várias interrupções nas atividades, algumas de longa duração - e se consolida como um símbolo de outros tempos no bairro da Boa Vista. Fechado em maio de 2022 por causa de avarias, o Cinema São Luiz passou por obra de restauração, financiada pelo Governo do Estado, administrador do espaço. Para alegria do público cinéfilo pernambucano, as portas reabrem nesta sexta-feira (1º/11), para a 15ª edição do Festival Janela Internacional de Cinema do Recife.
Se você circular por esse endereço, não se deixe impressionar pela aparência do prédio de 15 pavimentos, que há muitos anos reclama, no mínimo, por uma mão de tinta. Quem vê cara não vê coração. Nesse caso, um coração onde cabem 992 pessoas sentadas, com grandes janelas de vidro para contemplação do Rio Capibaribe; um painel do artista plástico Lula Cardoso Ayres (1910-1987) pintado na parede do hall, com representações de sobrados e figuras de folguedos como bumba-meu-boi e maracatu; e um par de vitrais que, para deleite da plateia, são acesos poucos minutos antes do início das sessões, em cada lado da tela, colorindo jarros de flor-de-lis.
Os vitrais do São Luiz são a mais famosa criação da vitralista Aurora de Lima (1915-2016), única mulher a participar do projeto do cinema. Aurora era discípula do artista alemão Heinrich Moser, um dos fundadores da Escola de Belas Artes do Recife, assim como ela. O painel de Lula Cardoso Ayres é uma pintura mural de 1952, com a técnica de óleo sobre parede. "Meu pai pintou o painel lá mesmo, com a temática adequada ao local, como ele sempre fazia em seus trabalhos, o mural representa coisas do Recife, é como se transportasse a agitação da cidade, a vida cotidiana, para o cinema, em cores brandas", declara o engenheiro Lula Cardoso Ayres Filho.
O São Luiz é um cinema palácio, pelo luxo e capricho na decoração da sala, é um cinema de calçada, porque as portas se abrem diretamente para a via pública, e é um cinema de rua, porque está fora dos shopping centers, classifica a arquiteta, urbanista e pesquisadora Kate Saraiva. "Ele foi inaugurado numa época em que cada sala de cinema tinha a sua magia, seu encantamento e sua arquitetura singular, tudo isso criava a atmosfera para a pessoa entrar no filme", destaca Kate, autora do livro Cinemas do Recife, lançado em 2013 com financiamento do Funcultura, e que nasceu do trabalho de graduação em Arquitetura pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), defendido pela urbanista nove anos antes.
Único cinema palácio preservado no centro do Recife, o São Luiz recebeu esse nome em homenagem ao fundador, Luiz Severiano Ribeiro, e a São Luiz, Rei da França. "A flor-de-lis dos vitrais e as conchas, palmas e escudos da decoração das paredes remetem ao rei, o gesso do forro, de tão espetacular, parece uma tapeçaria", afirma Kate Saraiva. A sala mantém até hoje a decoração tardia art déco, estilo em voga nas décadas de 1920 e 1930. "O São Luiz é um exemplo de que arquitetura é aquilo que emociona, que transcende", diz a urbanista e integrante do Coletivo Cine Rua, que vai propor à Secretaria de Cultura do Estado a inclusão do cinema num roteiro de visitação do Recife.
Arquitetura - A sala de espetáculos está inserida num prédio de uso misto, comum à época, inspirado na arquitetura protorracionalista - fase que antecede a arquitetura moderna, com uso de novas tecnologias como o concreto armado, marquises e sem adornos nas fachadas que lembrassem o passado - de Copacabana, bairro do Rio de Janeiro, observa a arquiteta e urbanista Guilah Naslavsky, professora na UFPE. De acordo com ela, o Edifício Duarte Coelho foi projetado pelo arquiteto carioca Américo Campello, em 1943, com três blocos: um para habitações, um para escritórios e outro misto, tendo o engenheiro Meyer Mesel como calculista. O pavimento térreo era destinado a comércio, serviço, lazer e ao cinema.
"Nesse tipo de edifício, em formato da letra U, o vazio criado para iluminar e ventilar internamente, era coberto com telha cerâmica e aproveitado para o cinema. Não se faziam mais cinemas em imóveis adaptados como nos anos 1920", informa Guilah Naslavsky, pesquisadora da arquitetura moderna. O Duarte Coelho, uma construção da B. Dutra e Companhia Ltda, com empreendimento da Incorporadora Imobiliária Recife, ocupa o lugar da antiga Igreja Anglicana (Holy Trinity Church), erguida em 1838, no século 19, e demolida cem anos depois para permitir a obra de alargamento da Avenida Conde da Boa Vista.
Por muito tempo, só havia o Edifício Duarte Coelho na Rua da Aurora (entre a Conde da Boa Vista e a Rua Doutor Sebastião Lins), em meio a casarões e sobrados antigos do século 19, recorda o arquiteto e urbanista Geraldo Santana, professor aposentado pela UFPE. "Moças e rapazes que iam ao São Luiz, nos anos 1960, paravam na sorveteria Gemba, na Rua da Aurora, a mureta baixa margeando o rio, em frente ao cinema, era o quem me quer, um ponto de namoros", diz ele. Geraldo Santana, em parceria com José Fernando Carvalho, projetou o Edifício Novo Recife, na Praça Machado de Assis, que nunca chegou a ser feita, por trás do Duarte Coelho. "O Edifício Tabira (Conde da Boa Vista, 121), na entrada da praça, também previa um cinema no térreo", informa o arquiteto.
Restauração - O cinema que fascina gerações ao longo de sete décadas foi fechado para reparos na coberta, serviços de adaptação na instalação elétrica e melhoria na climatização. Em fevereiro de 2023, num dia de chuva forte no Recife, o sistema de captação de água pluvial colapsou, os reparos da coberta não estavam concluídos e pedaços do forro de gesso decorado desabaram, levando à interdição completa da sala de exibição.
"Contratamos o Estúdio Sarasá, empresa especializada em conservação e restauro, para fazer a recuperação do forro, retiramos cimento e isopor usados em intervenções inadequadas para cobrir perdas, todos os elementos decorativos foram restaurados da forma correta", diz o engenheiro Frederico Almeida, diretor de Obras e Projetos Especiais da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco. A Fundarpe é responsável pela administração do cinema. O serviço custou R$ 950 mil, recursos federais da Lei Paulo Gustavo.
O São Luiz ocupa quatro pavimentos no Bloco A do Edifício Duarte Coelho, térreo e mais três pisos, com hall de entrada, salão nobre no primeiro andar, balcão do cinema logo acima, área administrativa, arquivo, laboratório, cabine de projeção e antiga sala de trabalho de Luiz Severiano Ribeiro. Nova licitação, realizada em agosto, no valor de R$ 2,2 milhões, com verba da Fundarpe e da Lei Paulo Gustavo, vai garantir a colocação de elevador com quatro paradas, acessibilidade em banheiros (agora, haverá sanitários em todos os andares), recuperação de piso, portas, luminárias, letreiro, revestimento de parede, marquises e esquadrias. "São obras que não interferem no funcionamento do cinema e podem ser executadas paralelamente", afirma Frederico Almeida.
Bilheterias antigas, luminárias originais de latão e madeira de imbuia do revestimento de paredes encontram-se preservadas no cinema, tombado como monumento histórico de Pernambuco pelo Conselho Estadual de Cultura em 2008. Ao fim das intervenções, o São Luiz funcionará como Centro de Referência do Audiovisual de Pernambuco, espaço de memória para museu e atividades ligadas à arte cinematográfica, a ser implantado nos andares superiores, diz Frederico Almeida.
O cinema, localizado no número 175 da Rua da Aurora, e construído numa época em que não se exigia vaga de garagem nos prédios, é um ponto de resistência à falta de estacionamento, à violência urbana e ao medo de se frequentar o Centro da cidade, comenta Kate Saraiva. Quando você passar nessa esquina do Recife, por favor, pare em frente ao São Luiz, e se permita conhecer essa história de evolução urbana e do casamento da arte cinematográfica com a arte visual.
Inauguração do São Luiz
[...] A decoração da platéia representa o interior de uma grande tenda real, com vastas tapeçarias suspensas, bordadas com os três lírios de frança, sobre os quais repousam dezesseis escudos de guerra, em lembrança das cruzadas. O teto é como um imenso véu de rede, que grossas cordas amarram. Na frente do palco, os vários ornatos simbolizam as grandes virtudes de um rei, que desceu do trono para subir a um altar: a palma (o prêmio da eterna bem aventurança), a concha (o brasão do peregrino), os besantes (os arautos do valor), a flor de lis (orgulho da casa de frança), e os dois ramos policromados (o perfume de todas as virtudes) em cujo colorido os nossos olhos descansam. Finalmente, as duas colunas esguias e a marquise, moldurando a tela cinematográfica, indicam, na sua simplicidade técnica, a era arquitetônica moderna, e constituem como que uma ligação entre o passado e o presente, entre o longínquo século XIII em que viveu o rei, e o século XX em que vivemos, representado condignamente pela imagem animada, colorida e sonora.
Texto extraído do livro Cinemas do Recife (2013), de Kate Saraiva
Texto e imagem reproduzidos do site: revistacontinente com br