segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Salas de cinema versus home theater


Publicado originalmente no site Webinsider

Salas de cinema versus home theater

Por Paulo Roberto Elias

Nos últimos meses deste ano eu me vi às voltas com um projeto que me permitisse fazer um upgrade no meu home theater e com isso me afastei quase que por completo das salas de cinema.

Aconteceu de que dias atrás o Thomas Hauerslev, com cujo site (in70mm.com) eu colaboro eventualmente, me pergunta se eu achava viável exibir o último filme do diretor Quentin Tarantino, rodado em 70 mm e que será exibido como tal em território americano e em outras partes do planeta. E foi complicado explicar ao Thomas a expulsão literal dos projetores de película das nossas salas, sem falar na bitola de 70 mm, que já foi embora há muito tempo! Aliás, o Orion Jardim de Faria, pioneiro do 70 mm no país, já havia me ligado anos atrás dizendo que a retirada dos projetores de películas das cabines de cinema era inevitável, como de fato o foi!

Existem sim projetores de 70 mm por aí, mas muitos deles despojados dos debitadores (rodas dentadas que puxam o filme) de 70 e/ou das cabeças magnéticas, tornando inexequível qualquer tentativa de se fazer algo a este respeito. Não faz tanto tempo que eu me aventurei na cabine do antigo Cinema Pathé, para mostrar dois projetores Incol 70/35 ainda recuperáveis, mas em mau estado de conservação. Embora seja tecnicamente possível recuperar um sistema de projeção 70 mm moderno (com som DTS), o esforço para se conseguir isso parece longe de um dia ser concretizado nas nossas salas, e eu bem que gostaria de estar enganado a este respeito!

A verdade é que depois da troca dos projetores de película pelos digitais as salas de exibição se aproximaram perigosamente do status de uma televisão de tamanho gigante. Se o leitor parar para pensar, verá que a ideia de assistir uma projeção digital nos cinemas não difere em nada da experiência em se ter um home theater moderno. E na realidade este último ganha pontos em qualidade, por conta da alta resolução da tela e da alta resolução do som que se consegue hoje com certa facilidade.

Cinema em casa sempre existiu, mas nunca atrapalhou nada!

Em tempos remotos o filme 16 mm, cópia dos sucessos do cinema, era colocado para aluguel em várias distribuidoras. O custo operacional sempre foi alto. Era preciso comprar ou alugar um projetor, aprender a opera-lo e depois ir à distribuidora escolher um filme, carregando uma caixa pesada com dois ou três rolos de filme. A película em 16 mm chegou a ter cópias em CinemaScope, mas a lente era cara, e as pessoas alugavam uma para projetar em casa, aumentando assim o custo.

Comprar uma cópia em 16 mm? Para a grande maioria nem pensar. Até hoje, eu só conheci uma pessoa que tinha em casa uma cópia do filme “A Noviça Rebelde”, que eu não quis nem perguntar quantos rolos tinha.

Eu aprendi a projetar ainda menino, com cerca de uns 5 a 8 anos de idade. Passei pelo projetor mudo, indo ao sonoro, de várias marcas e tipos. Sei o trabalho que dava montar o projetor, cabear e passar o filme por todas as engrenagens sem erro, projetar o filme e no final guardar tudo de volta. Meus pais não tinham grana para este tipo de vício, mas um dos meus vizinhos que era abastado alugava filmes em 16 mm constantemente. E quando o filho mais velho do casal não estava próximo para operar o projetor, que era quase sempre, eles ligavam lá para casa, e eu, é claro, ia todo feliz “passar o filme”, como se dizia na época. Um tempo atrás o Milton lá do Planetário, que eu conheci pesquisando cabines, me disse “nós éramos todos passadores de filme”, se referindo aos operadores profissionais de sua época, e eu então me lembrei da minha infância.

As reviravoltas em Hollywood

Hollywood passou décadas farta de grandes estúdios e grandes lucros, com ocasional volume de grandes perdas também. Enfrentou o crescimento da televisão aperfeiçoando a forma de apresentar os filmes no cinema. Criou o chamado “Roadshow”, espetáculos com reserva de assentos, de filmes com produção mais cara. Tornou a sessão de projeção em um espetáculo sacralizante, com fechamento das cortinas e abertura musical (semelhante às dos teatros), abertura das cortinas até o enquadramento da película, intervalo, entreato com música somente, música de saída (espaço hoje ocupado pelos créditos do fim do filme) e finalmente fechamento das cortinas até a próxima sessão. Durante anos, vários cinemas usaram um gongo elétrico para anunciar o início da sessão, e os melhores cinemas tinham sempre o popularmente chamado “lanterninha”, pessoa que guiava com sua luz o espectador que chegara atrasado e tinha dificuldade de encontrar uma poltrona vazia no escuro.

Tudo isso Hollywood fez, com direito a script de como os operadores deviam fazer e tudo, na América e pelo mundo afora (aqui no Rio eu vi isso dezenas de vezes), de maneira a valorizar o espetáculo cinematográfico. Com o lançamento dos filmes em 70 mm ocorreu uma super valorização da qualidade da imagem e do som.

Com a decadência de público nos grandes cinemas, Hollywood resolveu se reinventar de novo, só que agora era suprir o público de filmes cuja chance de ver outra vez nas salas de cinema era muito pequena. Hollywood não se rendeu à televisão, ela apenas utilizou a mídia para compensar a perda de receita, e assim continuar a produzir filmes para o cinema, e não “filmes para televisão”. Sobre isso, ao lançar agora um filme em 70 mm, Quentin Tarantino afirma que se ele quisesse fazer “filmes de televisão” ele iria trabalhar lá. Muito justo.

O Home Theater moderno

A decadência do uso da película se fez sentir também no mercado de filmes em 16 mm, que como já tentamos mostrar acima, era uma bitola que nunca foi prática e/ou ao alcance da maioria dos usuários.

O home theater moderno começa no exato momento em que os filmes de catálogo são telecinados, convertidos para vídeo e colocados à disposição em um veículo de transporte adequado. O primeiro deles foi o vídeo disco da Philips (Disco Vision), com leitura a raio laser, ainda na década de 1970. Pouca gente teve acesso a eles. A seguir, mais adiante, o processo se repetiu na introdução do Betamax, agora com a possibilidade de permitir ao usuário gravar conteúdo cinematográfico oriundo das transmissões de televisão. Inicialmente, Hollywood chiou e processou a Sony. O caso ficou conhecido na corte norte-americana como “o caso Betamax”. Os estúdios perderam no Supremo. Mas, se adaptaram a isso, colocando algo que as emissoras de televisão ainda não tinham: o som surround estereofônico!

A grande “descoberta” que permitiu tudo isso foi que as trilhas Dolby Stereo eram matriciais, ou seja, quatro canais (três na frente e um surround), encarcerados em uma trilha sonora de dois canais apenas. Introduziu-se o decodificador “Dolby Surround”, e pronto: quatro canais dentro de casa, tal como nos cinemas da época.

Uma luta que não para até hoje

Afinal, quem fica na dianteira deste processo? Os cinemas encolheram as suas salas, outras foram destruídas, removeram tudo que lembrava os antigos roadshows e agora montaram projetores digitais, de tal forma que o que a gente que vai ao cinema vê é uma gigantesca tela de TV.

Pensando bem, o objetivo do home theater não deveria ser competir com as salas de cinemas. Ele é uma forma de se salvaguardar a obra cinematográfica em casa, coloca-la à disposição do usuário final, de maneira a ser revisitada ou até estudada.

O fã de cinema guarda na memória os melhores momentos que ele passou assistindo filmes nas salas de exibição. Um home theater lhe permite resgatar isso! Muita gente chega a montar uma sala de cinema em casa, usando receivers e mídia de disco, na tentativa de trazer de volta aqueles momentos vividos fora de casa.

No entanto, Hollywood e as indústrias de material eletrônico estão correndo uma atrás da outra, senão vejamos:

O Dolby Stereo foi desenvolvido para o cinema, mas acabou impulsionando as instalações domésticas.

Dolby Digital e DTS saíram primeiro nas salas de exibição, mas ambos forçaram a indústria de chipsets e os próprios desenvolvedores dos codecs a desenvolver uma versão doméstica rapidamente.

Trilhas 6.1 e 7.1 foram lançadas para os cinemas, mas a maior parte das salas continuou com o padrão 5.1 anterior ou até 4.0 (Dolby Spectral Recording, nada diferente do Dolby Stereo antigo, apenas com maior redução de ruído). Por causa disso, este tipo de trilha expandida passou a ter enorme aplicação na instalação de um home theater. E o que é “pior”: obrigou os fabricantes de chips integrados a aperfeiçoá-los em um escala sem precedentes!

Mesma coisa agora com Auro 3D e Dolby Atmos: poucas salas se aventuram na instalação de um equipamento capaz de reproduzir os novos codecs. A partir de 2014, novos receivers tornaram este projeto factível dentro de casa!

Façamos as contas: claramente uma boa instalação de home theater dispensa uma ida às salas de cinema, e isto, a meu ver, está conceitualmente errado.

A reversão de expectativas no projeto de Quentin Tarantino

Em debate recente, Tarantino afirmou o seguinte: “eu quero trazer de volta o público aos cinemas”!

Para conseguir tal intento o cineasta foi à Panavision, inspecionou o acervo de lentes e se convenceu de que a única forma de fazer isso seria voltar aos alfarrábios, literalmente.

Nas dependências da Panavision, Tarantino encontrou lentes de processos 70 mm antigos, que haviam sido usadas para produções como a de Ben Hur, O Grande Motim, e tantos outros filmes épicos do passado.

Com essas lentes, e usando uma câmera Panavision 70 mm moderna, ele rodou “The Hateful Eight” (no Brasil, “Os Oito Odiados”), em Ultra Panavison 70. A última vez que um filme Ultra Panavision foi rodado foi na produção do excelente drama de guerra “Khartoum”, de 1966.

O processo Ultra Panavision trabalha com lentes anamórficas, gerando uma imagem ultra larga em 2.76:1 (2.75:1 nominais) no negativo de 65 mm. Para ser projetado como tal ele precisaria de uma tela especial. Mas, o processo se adapta também ao que se chamava de Super Cinerama 70, e foi apresentado como tal na década de 70 no antigo Cinema Roxy de Copacabana, Rio de Janeiro. O cinema abriu com “Uma Batalha No Inferno”, rodado neste formato. Tempos depois, exibiu “Nas Trilhas da Aventura”, o último western em Ultra Panavision que eu assisti.

O filme de Tarantino, que abre mundialmente no Natal de 2015, também é um western. O diretor, que admite não ter nenhuma experiência no gênero, decidiu por este tipo de filme na esperança de ver retornar as pessoas às salas de exibição.

O clipe a seguir explica os detalhes e os motivos que cercaram esta produção:


O Ultra Panavision permite que se obtenham cópias em película em diversas relações de aspecto. Em 70 mm poderia ser em 2.20:1 e em 35 mm em 2.35:1, o Panavision tradicional.

No caso do filme de Tarantino, a expectativa é a distribuição de cópias tanto em 2.76:1 quanto 2.20:1, nos cinemas que têm projetor 70 mm equipados com leitor de timecode DTS (Datasat). Para as exibições em Ultra Panavision serão usadas lentes anamórficas, cujos detalhes podem ser vistos nesta página do site in70mm.

Segundo o diretor, existem cerca de 120 potenciais salas equipadas só na América do Norte, para onde estas cópias se destinam, dentro do possível. Infelizmente, nada se pode dizer sobre a América Latina, até o momento.

Para a exibição do “roadshow” estão previstos 182 min de duração, com a inserção de 12 min de filme sem imagem (o projetor continuará rodando) para o intervalo, ao final do qual será tocada a música do entreato, com duração de 45 seg. Cópias de um rolo único, para pratos e um único projetor serão enviadas já montadas para as cabines.

Seria bom e saudável ressuscitar as salas de cinema

No marasmo que estão, e com filmes com motivação repetitiva, está ficando cada vez mais chato ir ao cinema, algo impensável por todos nós que nos envolvemos com este tipo de entretenimento a vida toda.

Quando eu converso com os amigos cinéfilos, eles invariavelmente se queixam do excesso de filmes com temas tipo “o Batman quando ainda era criança, o Super Homem quando ainda não tinha saído de Krypton”, ou então os super heróis dos quadrinhos migrados em sequência de franquias intermináveis para as telas dos cinemas.

Idealmente, as salas de rua que ainda sobraram por aí e viraram igrejas evangélicas bem que poderiam ser retomadas e recolocadas à disposição do público, desde que, evidentemente, suportadas por condições econômicas sustentáveis e com filmes que fujam à rotina de chatices que assolam os demais cinemas.

Como tudo isto é praticamente inviável no momento, o que eu espero é que a iniciativa de Tarantino tenha tanto sucesso que estimule estúdios e exibidores a mudar o atual status quo e nos convide a voltar para as salas que um dia frequentamos. [Webinsider]

Texto, imagem e vídeo reproduzidos dos site: webinsider.com.br e youtube.com

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