Herói da resistência: Lahire Marinho festeja cada round vencido
pelos Cinemas de Rua e sua tribo.
Entrevista com O Guardião dos Cinemas de Rua: mesmo depois
de tantas batalhas perdidas, a luta continua!
Por Rogério Imbuzeiro
Conexão Jornalismo gravou uma entrevista exclusiva com um psicólogo
e educador que há décadas luta pela sobrevivência dos cinemas de rua no país -
ou, pelo menos, pela preservação da memória desses cinemas. No Rio de Janeiro,
por exemplo, onde Lahire Marinho mora, tínhamos dezenas de salas, espalhadas
por vários bairros. Hoje, a duras penas, poucas resistem fora dos shopping
centers. Podem ser consideradas verdadeiros oásis, que ainda abrem suas portas
para filmes de arte, festivais, clássicos, obras raras... espaços que continuam
a atrair um público fiel e apaixonado, que não quer viver só de nostalgia. Com
um detalhe importante: contra a corrente, novos cinemas de rua surgem no Rio e
em outras cidades brasileiras. Leia a reportagem...
Um velho cinéfilo - nem tão velho assim, pode ser alguém na
faixa dos 50 anos - caminha pelas ruas do Rio de Janeiro e sente saudades. Um
quê de tristeza. No lugar dos cinemas de antigamente, ele vê empreendimentos
comerciais diversos e principalmente igrejas evangélicas.
Metro-Tijuca: marcou época, vivia cheio, mas acabou dando
lugar
a uma loja de departamentos.
É no Rio mas poderia ser em São Paulo, Belo Horizonte, Porto
Alegre, Salvador, tantas cidades brasileiras que foram vendo, um a um, morrerem
seus tradicionais e queridos cinemas de rua.
Tudo bem que ainda temos filmes em cartaz - e muitos -
felizmente! Mas quase todos exibidos em shoppings ou em salas multiplex, que
normalmente oferecem um cardápio dominado por entretenimento descartável e
blockbusters.
Nada contra: Cinema, para sempre será a maior diversão. Esse
slogan de uma distribuidora de filmes marcou época no Rio, na segunda metade do
Século XX. Foi adotado por milhares de cinéfilos que acreditavam e continuam
acreditando nisso: CINEMA É A MAIOR DIVERSÃO.
Um ex-cinema de Aracaju: em vez de espectadores fiéis, uma
nova plateia.
Mas infelizmente aquele ritual sagrado - sair de casa para
ver um filme - perdeu parte da graça, do encantamento. Pode-se dizer: perdeu
"a aura". E o carioca Lahire Marinho sabe disso - sente isso - como
poucos.
- O primeiro golpe foi quando eu ainda era garoto. Ia muito
ao cinema com o meu pai, em Copacabana. Um dia, fomos ao adorável Cine Ritz,
assistimos ao filme e também a um trailer, chamando para o filme que estaria em
cartaz na semana seguinte. Quando voltamos, uma semana depois, o cinema estava
fechado. Na porta, um bilhete: o Ritz não existia mais. Quem quisesse ver o
filme teria que procurar outra sala do circuito, em Ipanema. Foi traumático. E
depois disso eu tive que ver "esse mesmo filme" muitas outras vezes -
os meus queridos cinemas de Copacabana, e do Rio todo, sendo fechados, um atrás
do outro.
Não adianta chorar: muitos se foram, como o lendário Paissandu...
... mas pelo menos surgiram alguns novos, como o Ponto Cine.
Em maio de 2014, segundo dados que ele levantou com a ANCINE
(Agência Nacional do Cinema/Ministério da Cultura), tínhamos no país 2.343
salas em shoppings (87,5% do total) e somente 335 cinemas de rua ou em outros
locais (12,5%). Goleada incontestável.
Para efeito de comparação: na década de 70, tínhamos 3.276
cinemas fora de shoppings. Praticamente dez vezes mais do que hoje!
Além dos filmes que corria para ver, Lahire Marinho sempre
prestou muita atenção na arquitetura dos territórios cinematográficos... Para
ele, a ambiência, a atmosfera, também contribuíam para criar "aquele
clima", especial, único, que fazia da ida ao cinema uma experiência
mágica, quase mística, inesquecível.
Rian: um dos muitos cinemas de Copacabana que não resistiram
à especulação imobiliária.
Como são inesquecíveis certos nomes, cuja simples menção
despertam em Lahire fortes emoções: Caruso, Rian, Miramar, Ricamar, Bruni,
Metro... uma coleção de cinemas de Copacabana, extintos. Eram mais de vinte nos
anos 60. Hoje, restam apenas dois.
Situação semelhante à vivida pelos moradores da Tijuca e do
Méier, assim como pelos frequentadores do Centro - onde reinava a Cinelândia,
com uma sala colada à outra. Sobrou apenas o Cine Odeon, atualmente fechado
para uma obra não muito bem explicada, além de um cine pornô.
Em diversos bairros do subúrbio, das Zonas Norte e Oeste do
Rio, e até na Ilha de Paquetá, o processo se repetiu: uma morte anunciada -
implacável, insensível, sem apelação.
- O primeiro inimigo foi a especulação imobiliária, gente
que queria muito abocanhar aqueles espaços cobiçadíssimos, com metro quadrado a
peso de ouro. Depois, veio a Televisão, que passou a exibir filmes em maior
quantidade e com mais qualidade que antes. Com o avanço tecnológico, os
"inimigos" se multiplicaram, no mundo inteiro: VHS, DVD, agora blue
ray - não tem como enfrentar. E ainda surgiram os shoppings, oferecendo
conforto, consumo agregado de muitas outras coisas... Foi ficando cada vez mais
difícil para os cinemas de rua.
Espaço no bairro de Botafogo com três salas do Grupo Estação
cronicamente ameaçadas de fechar.
Mas nem tudo é derrota, há esperança! Não de voltarmos à
fase de ouro, evidentemente. Mas de conseguirmos criar uma nova geração de fãs
da sala escura que queiram saborear a Sétima Arte "em grande estilo",
no universo peculiar e envolvente oferecido pelos antigos cinemas.
Uma prova de que essa fé não é sem cabimento é a
sobrevivência de alguns cinemas de rua "consolidados", ainda que
frequentemente ameaçados - como as várias salas do Grupo Estação, no Rio.
Especialmente nos fins de semana, um grande público concentra-se em frente às
galerias onde funcionam os cinemas, na Zona Sul. Nas filas, uma presença
massiva de jovens e adolescentes.
Legião de espectadores que em breve deverá estar
prestigiando, também, o novo Cine Glória. Após uma "ampla reforma", o
cinema ganhará um outro nome, mas continuará funcionando na mesma praça do
bairro homônimo, com uma programação dedicada a filmes brasileiros que não
costumam ter vaga no circuitão e a clássicos do cinema mundial. É esperar para
ver.
Lahire Marinho comemora essa iniciativa e outras
semelhantes, que estão em andamento em outras capitais. Antigas salas são
restauradas e novas são construídas. Mesmo que em ritmo lento, cineclubes
também se multiplicam, inclusive no interior do país.
Se Maomé não vai à montanha... Lahire e seu amado templo:
filmes de qualidade exibidos no cinema que instalou em casa.
Em homenagem a esses sonhadores (empreendedores), aos
cinéfilos do planeta e ao próprio Cinema, Lahire dedica-se intensamente à
Causa. A tal ponto que montou um "cineminha" caseiro - o da foto, aí
em cima - no apartamento onde mora. Ali, realiza sessões para pequenos grupos,
da velha guarda ou da novíssima geração. Quem chegar, com paixão, é sempre
bem-vindo!
Cine São Luiz, no Recife: reinaugurado, acompanha a
efervescência cinematográfica pernambucana.
Como aperitivo, por enquanto, a gente fica com um
descontraído bate-papo. Uma conversa agradável, rica de informações e
histórias...
(Dentre os temas abordados: tudo o que se perdeu com o
fechamento em série dos cinemas de rua / os principais motivos que levaram à
quase falência do setor / em outros países é diferente? / as alternativas que foram
surgindo, os novos empreendedores, a omissão ou o desinteresse dos governos, o
que poderia e deveria ser feito pelas autoridades / a importância de se ter
cinemas em favelas - mas com uma programação variada, e não apenas uma reprise
do que é exibido nos shoppings / cinema na escola: uma esperança de melhores
dias para a Sétima Arte e para a própria sociedade, alimentada com Cultura /
passado, presente e futuro: nostalgia, luta e sonho)
ADENDOS À ENTREVISTA... a pedido de Lahire Marinho: O
Cine Museu da República já voltou a funcionar, agora faz parte do Circuito
Santa Teresa. / O Grupo Estação ainda não estaria com patrocínio definido,
ainda estaria em busca de novas parcerias. A Petrobras patrocinava
exclusivamente o Cine Odeon. O Grupo foi perdoado em 75% da dívida de R$ 31
milhões: os 25% restantes serão pagos em até 30 dias, após confirmação
judicial. / O Cine Livraria Cultura é patrocinado pela Livraria Cultura, em São
Paulo. O Cine Reserva Cultural possui a livraria Lima Barreto junto dele. / O
Cine Ritz foi vendido para acertar finanças de seu proprietário, Vital Ramos de
Castro, que contraíra com o Banco do Brasil para construir seus últimos
cinemas.) ...
Texto e imagens reproduzidos do site: conexaojornalismo.com.br
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