quarta-feira, 31 de julho de 2019

Lahire Marinho, o Guardião dos Cinemas de Rua

Herói da resistência: Lahire Marinho festeja cada round vencido
 pelos Cinemas de Rua e sua tribo.

Publicado originalmente site Conexão Jornalismo [https://bit.ly/3125spS], em 17/10/2014 

Entrevista com O Guardião dos Cinemas de Rua: mesmo depois de tantas batalhas perdidas, a luta continua!

Por Rogério Imbuzeiro

Conexão Jornalismo gravou uma entrevista exclusiva com um psicólogo e educador que há décadas luta pela sobrevivência dos cinemas de rua no país - ou, pelo menos, pela preservação da memória desses cinemas. No Rio de Janeiro, por exemplo, onde Lahire Marinho mora, tínhamos dezenas de salas, espalhadas por vários bairros. Hoje, a duras penas, poucas resistem fora dos shopping centers. Podem ser consideradas verdadeiros oásis, que ainda abrem suas portas para filmes de arte, festivais, clássicos, obras raras... espaços que continuam a atrair um público fiel e apaixonado, que não quer viver só de nostalgia. Com um detalhe importante: contra a corrente, novos cinemas de rua surgem no Rio e em outras cidades brasileiras. Leia a reportagem...

Um velho cinéfilo - nem tão velho assim, pode ser alguém na faixa dos 50 anos - caminha pelas ruas do Rio de Janeiro e sente saudades. Um quê de tristeza. No lugar dos cinemas de antigamente, ele vê empreendimentos comerciais diversos e principalmente igrejas evangélicas.

Metro-Tijuca: marcou época, vivia cheio, mas acabou dando lugar
 a uma loja de departamentos.

É no Rio mas poderia ser em São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, tantas cidades brasileiras que foram vendo, um a um, morrerem seus tradicionais e queridos cinemas de rua.

Tudo bem que ainda temos filmes em cartaz - e muitos - felizmente! Mas quase todos exibidos em shoppings ou em salas multiplex, que normalmente oferecem um cardápio dominado por entretenimento descartável e blockbusters.

Nada contra: Cinema, para sempre será a maior diversão. Esse slogan de uma distribuidora de filmes marcou época no Rio, na segunda metade do Século XX. Foi adotado por milhares de cinéfilos que acreditavam e continuam acreditando nisso: CINEMA É A MAIOR DIVERSÃO.

Um ex-cinema de Aracaju: em vez de espectadores fiéis, uma nova plateia.

Mas infelizmente aquele ritual sagrado - sair de casa para ver um filme - perdeu parte da graça, do encantamento. Pode-se dizer: perdeu "a aura". E o carioca Lahire Marinho sabe disso - sente isso - como poucos.

- O primeiro golpe foi quando eu ainda era garoto. Ia muito ao cinema com o meu pai, em Copacabana. Um dia, fomos ao adorável Cine Ritz, assistimos ao filme e também a um trailer, chamando para o filme que estaria em cartaz na semana seguinte. Quando voltamos, uma semana depois, o cinema estava fechado. Na porta, um bilhete: o Ritz não existia mais. Quem quisesse ver o filme teria que procurar outra sala do circuito, em Ipanema. Foi traumático. E depois disso eu tive que ver "esse mesmo filme" muitas outras vezes - os meus queridos cinemas de Copacabana, e do Rio todo, sendo fechados, um atrás do outro.

 Não adianta chorar: muitos se foram, como o lendário Paissandu...

... mas pelo menos surgiram alguns novos, como o Ponto Cine.

 Psicólogo e educador aposentado, eterno morador de Copa, cinéfilo desde a infância e estudioso de cinema desde a juventude, aos 67 anos Lahire emociona-se ao falar do assunto, mas não fica na subjetividade. Apresenta números.

Em maio de 2014, segundo dados que ele levantou com a ANCINE (Agência Nacional do Cinema/Ministério da Cultura), tínhamos no país 2.343 salas em shoppings (87,5% do total) e somente 335 cinemas de rua ou em outros locais (12,5%). Goleada incontestável.

Para efeito de comparação: na década de 70, tínhamos 3.276 cinemas fora de shoppings. Praticamente dez vezes mais do que hoje!

Além dos filmes que corria para ver, Lahire Marinho sempre prestou muita atenção na arquitetura dos territórios cinematográficos... Para ele, a ambiência, a atmosfera, também contribuíam para criar "aquele clima", especial, único, que fazia da ida ao cinema uma experiência mágica, quase mística, inesquecível.

Rian: um dos muitos cinemas de Copacabana que não resistiram à especulação imobiliária.

Como são inesquecíveis certos nomes, cuja simples menção despertam em Lahire fortes emoções: Caruso, Rian, Miramar, Ricamar, Bruni, Metro... uma coleção de cinemas de Copacabana, extintos. Eram mais de vinte nos anos 60. Hoje, restam apenas dois.

Situação semelhante à vivida pelos moradores da Tijuca e do Méier, assim como pelos frequentadores do Centro - onde reinava a Cinelândia, com uma sala colada à outra. Sobrou apenas o Cine Odeon, atualmente fechado para uma obra não muito bem explicada, além de um cine pornô.

Em diversos bairros do subúrbio, das Zonas Norte e Oeste do Rio, e até na Ilha de Paquetá, o processo se repetiu: uma morte anunciada - implacável, insensível, sem apelação.

- O primeiro inimigo foi a especulação imobiliária, gente que queria muito abocanhar aqueles espaços cobiçadíssimos, com metro quadrado a peso de ouro. Depois, veio a Televisão, que passou a exibir filmes em maior quantidade e com mais qualidade que antes. Com o avanço tecnológico, os "inimigos" se multiplicaram, no mundo inteiro: VHS, DVD, agora blue ray - não tem como enfrentar. E ainda surgiram os shoppings, oferecendo conforto, consumo agregado de muitas outras coisas... Foi ficando cada vez mais difícil para os cinemas de rua.

Espaço no bairro de Botafogo com três salas do Grupo Estação 
 cronicamente ameaçadas de fechar.

Mas nem tudo é derrota, há esperança! Não de voltarmos à fase de ouro, evidentemente. Mas de conseguirmos criar uma nova geração de fãs da sala escura que queiram saborear a Sétima Arte "em grande estilo", no universo peculiar e envolvente oferecido pelos antigos cinemas.

Uma prova de que essa fé não é sem cabimento é a sobrevivência de alguns cinemas de rua "consolidados", ainda que frequentemente ameaçados - como as várias salas do Grupo Estação, no Rio. Especialmente nos fins de semana, um grande público concentra-se em frente às galerias onde funcionam os cinemas, na Zona Sul. Nas filas, uma presença massiva de jovens e adolescentes.

Legião de espectadores que em breve deverá estar prestigiando, também, o novo Cine Glória. Após uma "ampla reforma", o cinema ganhará um outro nome, mas continuará funcionando na mesma praça do bairro homônimo, com uma programação dedicada a filmes brasileiros que não costumam ter vaga no circuitão e a clássicos do cinema mundial. É esperar para ver.

Lahire Marinho comemora essa iniciativa e outras semelhantes, que estão em andamento em outras capitais. Antigas salas são restauradas e novas são construídas. Mesmo que em ritmo lento, cineclubes também se multiplicam, inclusive no interior do país.

Se Maomé não vai à montanha... Lahire e seu amado templo:
filmes de qualidade exibidos no cinema que instalou em casa.

Em homenagem a esses sonhadores (empreendedores), aos cinéfilos do planeta e ao próprio Cinema, Lahire dedica-se intensamente à Causa. A tal ponto que montou um "cineminha" caseiro - o da foto, aí em cima - no apartamento onde mora. Ali, realiza sessões para pequenos grupos, da velha guarda ou da novíssima geração. Quem chegar, com paixão, é sempre bem-vindo!

Cine São Luiz, no Recife: reinaugurado, acompanha a 
efervescência cinematográfica pernambucana.

Como aperitivo, por enquanto, a gente fica com um descontraído bate-papo. Uma conversa agradável, rica de informações e histórias... 

(Dentre os temas abordados: tudo o que se perdeu com o fechamento em série dos cinemas de rua / os principais motivos que levaram à quase falência do setor / em outros países é diferente? / as alternativas que foram surgindo, os novos empreendedores, a omissão ou o desinteresse dos governos, o que poderia e deveria ser feito pelas autoridades / a importância de se ter cinemas em favelas - mas com uma programação variada, e não apenas uma reprise do que é exibido nos shoppings / cinema na escola: uma esperança de melhores dias para a Sétima Arte e para a própria sociedade, alimentada com Cultura / passado, presente e futuro: nostalgia, luta e sonho)

ADENDOS À ENTREVISTA... a pedido de Lahire Marinho: O Cine Museu da República já voltou a funcionar, agora faz parte do Circuito Santa Teresa. / O Grupo Estação ainda não estaria com patrocínio definido, ainda estaria em busca de novas parcerias. A Petrobras patrocinava exclusivamente o Cine Odeon. O Grupo foi perdoado em 75% da dívida de R$ 31 milhões: os 25% restantes serão pagos em até 30 dias, após confirmação judicial. / O Cine Livraria Cultura é patrocinado pela Livraria Cultura, em São Paulo. O Cine Reserva Cultural possui a livraria Lima Barreto junto dele. / O Cine Ritz foi vendido para acertar finanças de seu proprietário, Vital Ramos de Castro, que contraíra com o Banco do Brasil para construir seus últimos cinemas.) ...

Texto e imagens reproduzidos do site: conexaojornalismo.com.br

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