sábado, 17 de fevereiro de 2024

Experiências em cinemas de rua de BH

Artigo compartilhado do site UAI, de 24 de junho de 2012  

Relatos de jornalistas do Estado de Minas sobre suas experiências em cinemas de rua de BH

Foto: Pedro Graeff/Arquivo EM

Filme com final triste João Bosco Martins Salles O prédio era um dos mais importantes da escola art déco de Belo Horizonte, com revestimento interno em mármore negro, verde e bege. A fachada era de pó de mármore. A imponência do Cine Metrópole impressionava quem passava pela Rua da Bahia e se deparava com o que é hoje um monstrengo que abriga uma agência bancária. Bons tempos aqueles em que depois das matinês das tardes de sábado ia-se à Confeitaria Suíça, quase na esquina da Afonso Pena, para comprar a bala beijinho. O cinema tinha três andares, com ampla sala de espera no segundo pavimento, com poltronas e sofás de couro negro, e balcões no terceiro. As portas eram de ferro batido com aplicações de metal dourado, que davam um ar de nobreza naquele prédio onde era exibido o melhor da produção da sétima arte, numa região com traços ainda boêmios da cidade. Um dia, sem mais nem menos, a população de BH foi surpreendida com a notícia de que o lendário Cine Metrópole fecharia as portas para dar lugar a uma agência bancária. Naqueles tempos de ditadura, a sociedade civil não era tão organizada, mas houve um esboço de reação. De nada adiantaram os protestos de artistas, intelectuais e amantes da história de BH, tímidos, não há como negar. O Metrópole ficou apenas na memória de quem viveu aquela época.

Foto: Eustaquio Soares/EM/D.A Press

Emoção e terror Ângela Faria O primeiro Tubarão, a gente nunca esquece. Sensação em 1975, o filme de Steven Spielberg provocou sustos, aflição e até lágrimas no Cine Palladium – a megassala da Rua Rio de Janeiro. Na sessão daquela longínqua tarde, 1,3 mil adolescentes berraram a valer durante as horripilantes “refeições” do monstro dos mares. Nunca duas míseras notas – marca daquela musiquinha inesquecível – espalharam tanto terror... Grande John Williams, autor de trilhas memoráveis. Mas aterrorizador, mesmo, foi “digerir” o fechamento do belo cinema e de seu gigantesco hall, em 1999. Lá estava BH novamente de luto, depois do estúpido assassinato do Cine Metrópole. Ainda bem que o Sesc não deixou o velho Palladium virar supermercado, igreja ou estacionamento. Ok, a megassala já não é monopólio do cinema. Mas ela deu origem a amplo complexo cultural, onde funciona o espaço com 82 lugares dedicado a curtas, médias e longas. Ele foi providencialmente batizado com o nome do saudoso professor José Tavares de Barros, o cinéfilo que ensinou muita gente a compreender a sétima arte. 

Foto: Pedro Graeff/EM. Brasil

Guerra sem beijo Arnaldo Viana A primeira vez que levei uma namorada ao cinema foi ao Candelária, em 1970, na Praça Raul Soares. O filme, Os 12 condenados. Uma história maluca, dirigida por Robert Aldrich, de um major norte-americano (Lee Marvin) que reúne 12 sentenciados para uma missão suicida atrás das linhas alemãs, na Europa, pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial. A garota resistiu ao convite: “Filme de guerra? Matança? Vamos ver algo mais romântico”. Insisti. “O cinema é bacana. As poltronas são confortáveis. Têm duas posições. Além disso, o Trini Lopez está na fita. Quem sabe ele não canta América ou La bamba para agitar o cinema?” E lá fomos. Descemos do ônibus na Rua dos Caetés e subimos a Avenida Amazonas no início da tarde de um domingo ensolarado. Eu não pensava apenas no filme, mas também no beijo molhado da namorada no escurinho do cinema. Pedro Jiminez, o personagem do Trini Lopez, morre logo no início da aventura: solta-se de uma corda na descida de um penhasco. Nem sei se ele cantou alguma coisa até então. O resto da fita, de duas horas e meia de duração, foram só tiros e explosões. E como matou alemão o tal de Telly Savalas! Ao meu lado, amuada com a morte do Jiminez e diante de toda aquele violência, a namorada. Sabe o beijinho molhado? Espero até hoje. 

Foto: Arquivo EM

Um filme à toa João Paulo Havia os filmes americanos, os europeus e as matinês. A sala não importava tanto. Podia ser majestosa, como o Palladium e o Metrópole, apertada como o Guarani e o Acaiaca, meio suspeita como o México e o Regina. Até que surge o Pathé e com ele um novo jeito de ver filmes. Sem ser um cineclube, era um espaço para produções menos comerciais e “de arte”; sem ser um cinemão, foi deixando a categoria de sala de bairro e atraindo público e filmes de qualidade. De uma hora para outra, o programa mudou: não existia nada melhor que “um filme à toa no Pathé”, como poetou Chico Amaral na canção Tão seu, do Skank. Foi lá que muita gente viu os filmes de Bergman e Antonioni pela primeira vez, mas também de Woody Allen, um diretor que é a cara de BH e do Pathé – um misto de autossuficiência e timidez. Era lugar aonde todos iam no fim do ano para pôr em dia os 10 melhores escolhidos pela crítica (filmes que também passavam no Roxy e Odeon, sem o mesmo charme). O espaço que embalava os namoros do lado de dentro e alimentava o papo-cabeça lá fora. O filme não acabava com o the end. Era o tempo em que o movimento de câmera era uma atitude política. Hoje os cinemas vendem pipoca em baldes, ninguém é de esquerda e as câmaras andam de montanha-russa. O mundo acabou. 

Foto: Arquivo EM

Janela para o mundo Álvaro Fraga Menino criado na periferia de BH, no limite com Sabará, a mudança para Santa Tereza em 1970 me deu a chance de criar o hábito de ir ao cinema. A pouco mais de três quarteirões de casa, o velho cine do bairro, com suas desconfortáveis cadeiras de madeira e a tela com pontos de mofo, se transformou em minha diversão favorita. Era barato, era perto e era mágico. Foi sentado no meio da sala, na sessão noturna, que me encantei com ...E o ventou levou, Amarcord e 1900. E, nas tardes de domingo, cercado pela algazarra das crianças, vi muita gente tentando imitar os golpes de Bruce Lee em Operação Dragão ou os passos de John Travolta em Os embalos de sábado à noite. Ainda hoje, quando passo pela entrada do antigo Cine Santa Tereza, a lembrança de muitos filmes que vi lá ressurge. O pequeno espaço foi durante muito tempo minha janela aberta para o encantamento que persiste, mesmo passados mais de 40 anos desde a primeira vez que comprei o ingresso e a pipoca e afastei as cortinas empoeiradas da sala de exibição.

Texto e imagens reproduzidos do site: www uai com br

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